Recentemente, o documentarista Michael Moore – diretor de “Sicko – SOS Saúde”, que critica a ausência de um sistema público de saúde nos EUA – postou um meme em seu Twitter, que dizia: “Breaking Bad do Canadá. 1. O tratamento é pago pelo seguro de saúde. 2. Fim”. A crítica evidenciada pela imagem se baseia no fio condutor que dá início à trama e também revela um dos motivos pelos quais Breaking Bad se tornou uma série de grande sucesso de público e crítica.
Para os (poucos) que desconhecem o enredo, vale retomar. Walter White (Bryan Cranston), pacato pai de família que tira seu sustento dando aulas de química no ensino médio, descobre que possui um câncer cujo tratamento, caríssimo, ele não pode bancar. Ao ver imagens de uma enorme montanha de dinheiro que seu cunhado, Hank Schrader (Dean Norris), que é agente do DEA (Drug Enforcement Administration, órgão da polícia federal americana encarregado da repressão e controle de narcóticos), apreendeu de traficantes, ele tem a ideia de empregar seus conhecimentos em química para produzir drogas e levantar o dinheiro necessário para pagar por seu tratamento. Assim tem início o processo de transformação pelo qual passa o protagonista ao longo das 5 temporadas. Devido à atividade profissional que passa a desempenhar, aos poucos Walter torna-se “do mau”, fazendo juz ao título da série. Mas o que Breaking Bad tem de tão especial?
A série, que esse ano recebeu o Emmy de melhor drama e entrou para o Guiness World Records – o Livro dos Recordes – como a mais bem avaliada de todos os tempos, possui três grandes triunfos que a destacam em relação ao que tradicionalmente se vê na televisão. Em primeiro lugar, há a, às vezes sutil, às vezes descarada, crítica social que Breaking Bad engendra. O meme tuitado por Moore destaca a crítica primordial que dá início à trama, uma sagaz oposição à ausência de um sistema público de saúde nos EUA, que leva um cidadão “de bem” a recorrer à criminalidade em busca de tratamento para sua doença.
Mas outras questões importantes, que fazem parte da realidade da classe média americana, também pesam bastante para que Walter decida tornar-se um traficante de drogas. Ele se nega a seguir a sugestão de sua esposa e hipotecar a casa para pagar pelo tratamento contra o câncer, temendo que, na hipótese de sua morte, isso significasse que sua família ficaria sem ter onde morar (como ocorreu com muitos americanos na crise de 2008). Após já ter conseguido juntar o montante necessário de dinheiro para pagar por seu tratamento médico, Walter decide que deve continuar produzindo e comercializando metanfetamina até conseguir acumular o valor necessário para pagar pelos estudos universitários de seus dois filhos (o que jamais poderia fazer atuando como professor de química). E assim vai sucessivamente se envolvendo em situações ou passando por problemas que impedem que ele deixe de traficar, traçando crtíticas a diversos aspectos relativos ao modo de produção capitalista, na forma como se encontra nos EUA atualmente.
Outros problemas sociais estão claramente retratados ao longo das temporadas, como o vício em drogas que assola principalmente a população marginalizada; os vários outros crimes que acompanham o tráfico de drogas; a participação de executivos de grandes coorporações, que obtêm lucro facilitando a produção e distribuição de drogas; a ineficácia dos sistemas judiciário e policial; a busca desenfreada pelo acúmulo de capital; a contradição característica de muitos, que cometem pequenos delitos ou corrupções no dia a dia, enquanto condenam outros crimes, além é claro da desigualdade social.
O segundo diferencial importante desta série é o excelente roteiro. Tudo na história se encaixa de maneira perfeita e convincente. Não há saídas fáceis, Deus ex machina ou pontos que não são devidamente amarrados. Em geral, as resoluções se dão com base nos conhecimentos em química que Walter possui, os quais, embora um episódio recente de Mythbusters tenha revelado que nem sempre condizem com a realidade, convencem muito bem e satisfazem o espectador de maneira inesperada.
Por fim, também é necessário lembrar que Breaking Bad possui qualidade técnica excepcional para os padrões da televisão (muito superior também à da maioria dos filmes de Hollywood). A fotografia, os enquadramentos, as trilhas sonoras do seriado são obras de arte que merecem ser apreciadas. A atuação dos atores também se destaca. É difícil acreditar que Aaron Paul (que interpreta Jesse Pinkman) não seja, na vida real, um viciado em drogas que fez más escolhas na vida. E quem não foi cativado pelo anti-herói Saul Goodman, graças à brilhante performance do ator Saul McGill? Ou se impressionou com o realismo da cena em que Skyler White, interpretada por Anna Gunn, que ganhou o Emmy de melhor atriz coadjuvante de drama deste ano, conta uma história falaciosa para sua irmã e cunhado, a partir de um texto minuciosamente memorizado e ensaiado anteriormente?
Diante de tudo isso, a expectativa para o episódio final, que vai ao ar amanhã nos EUA, é muito grande. Será que todo o trabalho de Walt terá sido em vão? Conseguirá ele se vingar do bando liderado por Todd e seu tio? E Jesse, se livrará do horrível destino que os episódios finais reservaram a ele? Como fica a relação entre as irmãs Marie e Skyler? O que acontecerá com o filho de Andrea? Lydia e a Madrigal permanecerão impunes? E os donos da Gray Matter, que final terão? Os fãs aguardam ansiosamente as respostas.
por Juliana Meres Costa
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