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Ativista Angela Davis, em sua primeira vinda a São Paulo, faz palestra no Ibirapuera

Davis traz à tona o racismo estrutural, a questão ambiental no Brasil, a sua associação ao grupo Panteras Negras e a quase condenação à pena de morte

O dia 21 de Outubro reuniu milhares de pessoas no Auditório do Ibirapuera  em formato de semi arena para assistir a uma palestra da ativista Angela Davis. Mulher e negra, ela nasceu na cidade de Birmingham nos Estados Unidos, em meio à segregação racial e à ameaça da organização Ku Klux Klan. Se tornou uma renomada historiadora e filósofa, defendendo os Direitos Humanos e o socialismo. Seu livro Uma Autobiografia foi lançado pela primeira vez no Brasil neste ano pela editora Boitempo e traz a trajetória de sua vida política nas lutas raciais das décadas de 60 e 70.

O evento contou também com a presença de Raquel Barreto, doutoranda de história que escreveu o prefácio do mais novo livro de Davis Uma Autobiografia. Bianca Santana, jornalista e autora de Quando me descobri negra, também estava presente. A mediação foi feita por Christiane Gomes, da fundação Rosa Luxemburgo, que dá início à palestra saudando seus ancestrais e homenageando mulheres negras. 

Assim que Angela Davis toma a palavra – traduzida em tempo real por Raquel Souza – recebe as aclamações do público. Comenta que o grande número de pessoas presentes a lembrou da Marcha das Mulheres Negras de 2015 e, também, os protestos que aconteceram após o assassinato de Marielle Franco. A respeito dessa figura, aponta a importância de fazer permanecer viva a sua memória: “somos o legado dela”, e conclama “Marielle presente”.             

Um dos assuntos mais abordados pela ativista foi o racismo. Angela lembra do caso de Ágatha Félix, garota de 8 anos morta por tiro no Morro do Alemão, para falar da violência policial contra negros e negras: “por que uma criança negra, linda, deveria ser forçada a sucumbir a uma política da polícia de atirar primeiro e perguntar depois?” Para ela, a política contra drogas nada mais é do que uma desculpa para matar e prender afrodescendentes, e isso é algo que o Brasil deveria tirar de lição da história dos Estados Unidos. E ainda, define o pilar da lógica racista: se não pode atirar, prender um, faça isso com outro. 

Segundo ela, o encarceramento em massa de negros é consequência direta da violência policial racista. Angela é uma grande defensora do abolicionismo penal. Aponta que “a violência policial é ainda mais presente aqui no Brasil” e chama pelo clássico lema de defesa das vidas negras dos Estados Unidos: “black lives matter” (vidas pretas importam). 

Angela Davis e a tradutora Raquel Souza [Imagem: Edson Junior]

Antes da palestra, em entrevista para a J.Press, o casal formado por Cristiane Rosa e Robson Pantaleão destacou as expectativas positivas para o evento e a importância da celebridade para o movimento negro. Robson pontua que “ela é uma referência de direitos humanos no mundo. Para nós, é uma referência, é uma oportunidade. Angela Davis significa emancipação do povo negro”. Cristiane finaliza: “a gente tem expectativa que ela vá falar sobre vários temas referente ao negro. Ela é um símbolo para nós, de resistência”. Já Alex de Carvalho Matos, que também compareceu ao evento, diz ter se aproximado do debate e dos estudos de Angela junto de pessoas com as quais convive. “Como resultado,passei a pensar esse debate de modo político. Não é só uma questão afetiva, mas também política.”

Comentários sobre polêmicas brasileiras atuais também foram um destaque da noite. Dentre elas, a filósofa mostrou seu repúdio e indignação em relação às queimadas da Amazônia, às manchas de óleo nas praias do Nordeste e à questão indígena. Após o evento, Letícia Cristina – grande admiradora de Angela – afirmou que “ela demonstra ter bastante interesse sobre as pautas e tudo o que está rolando aqui no Brasil. Ela se engaja muito pelo que está acontecendo”. 

Os posicionamentos políticos da ativista eram firmes e contundentes. Chegou a clamar “pela liberdade de Lula” e preferiu não citar o nome dos atuais presidentes dos Estados Unidos e Brasil, pois, segundo ela, evocar essas figuras é uma forma de conferir poder a elas. Além disso, também deixou claro as ideologias que defende: “pela democracia e socialismo!”. Outro tópico muito referido ao longo da noite foi o capitalismo racial, que é um sistema responsável pelo racismo estrutural presente nas sociedades norte-americana e brasileira. Davis revela as suas referências brasileiras, que inclusive visitou nesta vinda ao país, citando personalidades como a escritora Conceição Evaristo, a fundadora e diretora do Geledès Sueli Carneiro e a ativista do Movimento dos sem Teto do Centro Petra Ferreira. 

Ao longo da apresentação, a filósofa contou um pouco de sua trajetória política. Um destaque maior foi dado à fundação e filiação ao “Panteras Negras”, partido histórico de luta contra o racismo nos Estados Unidos. Ela faz uma autocrítica: na época as maiores lideranças do partido eram mulheres e, mesmo assim, havia uma desigualdade de gênero e machismo naquele meio. Ademais, ela comenta sobre sua prisão e o apoio que recebeu no mundo todo para que fosse liberta. Aponta que pessoas do mundo inteiro a apoiaram e destaca uma “luta global afrodiaspórica”. 

Ao fim de sua primeira fala, foi aberta a palavra para as outras palestrantes, iniciando por Bianca Santana, representante da “Uneafro” e da “Coalizão Negra por Direitos”. Começou seu discurso ao afirmar o poder do movimento negro contra a implementação do ‘Pacote Moro’, que pretende dar aval a policiais matarem indivíduos em casos de “forte emoção”. Profere: “não existe mudança por um só indivíduo”, e chama o público para ajudar na luta.

[Imagem: Edson Junior]

Bianca também faz comentários provocativos, perguntando para o público “onde vocês estavam no protesto contra a morte de Ágatha na Paulista?” e “quantas autoras negras brasileiras vocês leem?”. Para ela, é muito importante estar naquele evento, mas além disso é essencial que a luta seja diária e que o povo vá às ruas em prol de mais direitos. Sobre as escritoras negras, ela pontua que, além de Angela Davis e outros nomes internacionais, também é necessário dar valor e consumir referências nacionais.

Por sua vez, a historiadora Raquel Barreto defende que a democracia nunca realmente funcionou para indígenas e negros. E traz o Quilombo de Palmares como exemplo de uma sociedade funcional e mais justa, questionando sobre o que seria do futuro se os moldes palmarianos tivessem continuado a existir. 

Voltando à sua fala, Angela Davis conta que vai ser produzido um filme baseado em seu livro Uma Autobiografia, cuja direção ficará sob o encargo de uma de poucas diretoras mulher e negra, além de declarar o seu carinho e amor pelo Brasil. Ainda sobre o país, ela destacou a importância de ações afirmativas para o acesso de negros à educação. Ela também conta que acompanhou a criação da  Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB), que deu oportunidade de ingresso para jovens negros. Para finalizar, a ativista afirma desafiar o capitalismo global em sua “luta constante pela liberdade”. Após meia hora de atraso, o evento termina com ovações da audiência.

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