Imagem: Gabriela Teixeira/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior
Transfobia, depressão, perdas e baixa auto-estima: se juntarmos esses temas e colocarmos em um só livro, parece que terá uma carga pesada – mas não se você tratar tudo com leveza. E é exatamente isso o que a escritora Brie Spangler faz em seu novo romance “Fera” (Seguinte, 2017). Dando para fazer comparações com o clássico “A Bela e a Fera”, Spangler retrata a sua Bela, Jamie, e a sua Fera, Dylan, em uma versão moderna da história.
Dylan, quem narra a história, vive em um corpo que odeia. Se sente inferior por ser um menino de 15 anos que aparenta ser um homem de 30, cheio de pelos, músculos e com uma altura que se aproxima cada dia mais dos dois metros. Após se envolver em um acidente, ele é levado para o hospital e lá, tenta conversar com um médico sobre não gostar de quem é, mas ao ficar com vergonha e não encontrar as palavras certas, o doutor resolve indicá-lo a uma terapia. Além dos problemas com sua aparência, Dylan tem que lidar com a perda de seu pai, que faz uma enorme falta no seu dia a dia. E as pressões de sua mãe, uma mulher solteira e super-protetora que faz de tudo pelo seu filho.
Uma das únicas motivações de Dylan para continuar seguindo em frente é JP, um velho amigo rico e super popular, que sempre está ao seu lado. Quando está junto dele, se sente vivo e, às vezes, notado. JP, por sua vez, é um garoto que enfrenta problemas sérios em casa – sua mãe é alcoólatra e seu pai, ausente. O livro, apesar de não aprofundar sobre os temas, acaba mostrando o quanto uma vida pode parecer perfeita aos olhos de quem está de fora, mas um pesadelo para quem a está vivendo.
Dylan, após resistir muito, vai para a terapia devido à preocupação de sua mãe. E, apesar de não ter gostado inicialmente da ideia, acaba se interessando após conhecer Jamie, uma menina que fixa os seus olhos – mas que ele já considera que não terá nenhuma chance. Após conhecê-la melhor e contradizer diversas vezes sua mãe para poder sair com ela, Dylan começa a se apaixonar pela garota. No entanto, estranha a timidez e a insegurança dela.
Jamie é um menina que também não gosta do corpo em que nasceu, mas por motivos diferentes de Dylan. Ela é transgênero e enfrenta as dificuldades de ter nascido homem e se ver como uma mulher. Apesar de ser um tema delicado e que ainda envolve polêmica, é tratado de forma natural pela escritora, que consegue envolver o leitor a cada página. Quando Dylan descobre que Jamie, na verdade, tinha nascido com o sexo masculino, se vê dentro de um dilema: não se envolver para não ser julgado por sua mãe e seus amigos ou ouvir seu coração e enfrentar o desafio da aceitação social.
Sob um clima juvenil, com pitadas de seriedade, a história trata sobre os medos e os desafios de Jamie, além da preocupação de sua família – já que violência contra transgêneros ainda é comum e, devido a isso, está presente na obra que tenta retratar o mais fidedignamente os problemas enfrentados pelas pessoas trans. Além disso, o romance também trata sobre a dificuldade de alguns para se adaptarem com a diversidade dos tempos atuais, como a mãe de Dylan.
A depressão é um outro enfoque dado pelo livro, mas que não foi tão bem trabalhado como a transgeneridade. O tema vem à tona somente quando o plano de fundo do romance é a sessão de terapia de Dylan e Jamie, e alguns momentos em que eles estão a sós e ela relata acontecimentos por quais passou. O assunto, que se mostra cada vez mais necessário de ser debatido, acaba ficando em segundo plano na obra. No entanto, a escritora não deixa de demonstrar sua preocupação com o problema, e faz questão de, no final de seu livro, listar telefones que as pessoas podem ligar caso precisem de ajuda.
Por último, a obra também trata, mas de maneira rasa, sobre o machismo e como ele pode ser uma barreira para a aceitação da transgeneridade. JP e Dylan objetificam a mulher diversas vezes durante o livro, e é Jamie que faz o “fera” pensar em como isso machuca não só ela, mas diversas outras mulheres.
“Fera”, então, traz de forma natural o assunto para debate e mostra para um público principalmente jovem os desafios enfrentados por uma pessoa trans, seus amigos e família. Apesar do personagem principal ser Dylan, e da história ser narrada por ele, Brie tem sucesso ao falar sobre transgêneros já que mostra o desafio da aceitação. De qualquer forma, a obra é clara e passa a mensagem: o nosso corpo não define quem somos por dentro.
Por Fernanda Teles
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