Jornalismo Júnior

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A crise do tradicional futebol uruguaio

Toda vez que um time brasileiro encontra um uruguaio em competições internacionais, principalmente Nacional e Peñarol, alguns comentários se repetem: “time copeiro”, “raçudo”, “pedreira”, “tradicional”, e tantos outros estereótipos associados ao futebol charrua. É verdade que os dois grandes do Uruguai têm uma história internacional de respeito, somando oito títulos da Libertadores e seis Mundiais …

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Toda vez que um time brasileiro encontra um uruguaio em competições internacionais, principalmente Nacional e Peñarol, alguns comentários se repetem: “time copeiro”, “raçudo”, “pedreira”, “tradicional”, e tantos outros estereótipos associados ao futebol charrua. É verdade que os dois grandes do Uruguai têm uma história internacional de respeito, somando oito títulos da Libertadores e seis Mundiais de Clubes. Mas será que, atualmente, essa “mística” ainda faz sentido?  

Desde o fim dos anos 1980, essa ideia é bem questionável devido à enorme queda no protagonismo dessas equipes em meio ao cenário internacional. A Libertadores não tem um uruguaio campeão desde 1988, quando o Nacional atingiu o tricampeonato. A Sul-Americana, que existe desde 2002, nunca viu sequer um finalista uruguaio. A decadência do futebol, em um país tão tradicional, não é questão meramente esportiva, mas sim estrutural, com fatores financeiros e executivos preocupantes. 

Para entender melhor o que se passa nesse reduto tão importante do futebol sul-americano, o Arquibancada conversou com Dimitri Barcellos, jornalista especializado no futebol do nosso continente, que escreve para o Footure.

Dura realidade

Decadência do futebol uruguaio
Cristian “Cebolla” Rodríguez, “medalhão” do Peñarol, após eliminação para o Flamengo em 2019 [Imagem: Gerardo Pérez]
Dimitri coloca em primeiro lugar nessa história o lado financeiro. Em uma comparação rápida com o futebol brasileiro – baseada em dados do Transfermarkt –, vemos que o valor do elenco do Peñarol é superior apenas ao de um dos times da Série A, o Atlético Goianiense. 

O jornalista explica que as mudanças no futebol dos últimos anos, em especial sua globalização, com a intensificação do mercado de transações, foi extremamente prejudicial ao futebol uruguaio, cujos tempos de glória se deram em um período sem tantas transferências. Em outras palavras, quando os talentos locais permaneciam no futebol nacional. 

“Temos que começar essa conversa pela parte financeira. Lá pelos anos 70, 80, quando os times uruguaios estavam no topo do continente, disputando grandes títulos no cenário continental, ainda não existia essa globalização no futebol que a gente vê hoje. Os próprios clubes europeus usavam mais jogadores do próprio país. Então o talento permanecia lá. Depois que o dinheiro começou a falar mais alto, a legislação para transferências foi evoluindo, isso acabou desenhando novas possibilidades. E o Uruguai, apesar de ser um país muito pequeno, sempre produziu muitos jogadores. Isso está traduzido no resultado que os times tinham dentro de campo. Mas quando ligas com mais saúde financeira olharam para o Uruguai, viram um mercado muito fraco. Então essa qualidade técnica que antes ficava no país passou a sair, e esse foi o início do declínio do futebol uruguaio. A questão econômica é hiperativa para isso.”

Nacional campeão da Libertadores de 1988 [Imagem: Divulgação/Nacional]
A renda baixa dos clubes faz com que eles sejam obrigados a vender seus jovens jogadores cada vez mais cedo, o que atrapalha o planejamento de âmbito esportivo. As dificuldades de renda, aliás, relacionam-se estreitamente à distribuição dos direitos de transmissão e cotas de televisão, que tiveram problemas recentes. 

“Considerando todos fatores que envolvem o futebol, como as licenças de televisão, o pagamento é muito pouco. Os clubes não conseguem se sustentar com isso. Tanto é que já aconteceram rusgas entre clubes e jogadores, com a federação e a Tenfield, empresa que detém os direitos de transmissão dos jogos. Os clubes dependiam muito desse dinheiro, mas o repasse não é suficiente, então surge um efeito dominó que acaba na venda dos jogadores cada vez mais cedo e nessa derrocada do futebol uruguaio.” 

Assim, mesmo os maiores do país têm dificuldade para manter as contas no azul. E, na opinião de Dimitri, essa é a maior barreira para que os times uruguaios voltem a brigar por títulos. “Por maiores que sejam Nacional e Peñarol, hoje estão muito abaixo financeiramente quando comparados a mercados como o brasileiro e o argentino”, explica o jornalista. 

O último “suspiro” da força dos uruguaios na Libertadores foi em 2011, quando o Peñarol chegou à final, perdendo o título para o Santos de Neymar. Após o final da década de 80, porém, além dos argentinos e brasileiros, times de países como Colômbia, Equador e Paraguai passaram a ocupar lugares de destaque no continente, conquistando títulos importantes. 

Com isso, mesmo com muitas taças no passado, Dimitri concorda que, hoje, o futebol uruguaio está em um “segundo bloco” do esporte sul-americano. Um bloco cada vez mais distante de Brasil e Argentina e que, pelo menos nos últimos anos, pode ser ultrapassado por esses outros países. 

Há também quem aponte problemas técnicos no futebol uruguaio. Mas Dimitri não compra aquela história de times brigadores, raçudos e até agressivos que “abdicam” de um jogo mais técnico. Para o jornalista, isso não tem relação com a decadência do futebol nacional uruguaio, até porque, por outro lado, muitos times vêm mostrando melhora nos últimos anos, no ritmo dos jovens talentos que surgem pelo país: “Nessa parte técnica, eu acho que o futebol uruguaio vem evoluindo bastante. O nível técnico dos jogadores formados lá tem tido um crescimento bem considerável nos últimos anos, não à toa atraem tanto os olhos europeus. O fator preponderante para essa queda nos resultados é mesmo a parte financeira”.

Contraste da Celeste

Cavani comemora gol contra a Rússia, na Copa de 2018 [Imagem: Michael Steele/Getty Images]
A crise que se estabelece nos campos charruas não parece, no entanto, afetar a gloriosa Celeste. Nas últimas décadas, a seleção uruguaia apareceu com destaque nas competições internacionais, em especial nas Copas do Mundo. Seja em 2010, parando nas semis, em 2014, nas oitavas, e em 2018 nas quartas, o Uruguai mostrou um time competitivo e obstinado, que conquistou grandes vitórias e “vendeu caro” suas derrotas. Se por um lado isso traz um contraste com a liga nacional, por outro faz jus à tradição da seleção, cuja força já levou ao país sul-americano a duas taças: em 1930 e 1950, sendo a última vencida contra o Brasil, no famoso episódio do Maracanazo. 

Não é difícil entender os motivos dessas diferenças. Além dos craques estabelecidos no futebol europeu, como a dupla de ataque Suárez e Cavani e o zagueiro Godín, o surgimento de jovens com destaque no velho continente contribui para o sucesso da seleção. Necessário citar também o trabalho de Óscar Tabárez, figura queridíssima pelo povo uruguaio e há mais de uma década no comando da celeste.

Mesmo assim, existe uma preocupação em relação ao fim de ciclo da celeste. Com jogadores consagrados atingindo certa idade avançada, e o contrato de Óscar Tabárez provavelmente se encerrando após a Copa de 2022, pairam algumas questões sobre o futuro da seleção. Dimitri vê com bons olhos uma renovação, apostando nos jovens jogadores que já vêm vestindo a camisa: “É um peso grande para essa próxima geração, porque ainda temos resquícios da Copa de 2010, muitos deles estiveram no título da Copa América em 2011 e também em grandes campanhas nos mundiais recentes. Mas esses jovens são jogadores de muita qualidade. Há talento, e tem tudo para o Uruguai manter-se no topo enquanto seleção”.

Futuro, jogadores jovens e perspectiva

Embora eles não estejam mais no futebol local, o Uruguai continua revelando jogadores habilidosos, que saem cedo para brilhar em mercados maiores. Dimitri explica que existe um investimento considerável nas categorias de base no país, em especial com o projeto Baby Fútbol. Em matéria para o Footure, Dimitri explica a importância das competições de futebol infantil no Uruguai, onde começaram craques da celeste como Diego Forlán, Diego Godín, Luís Suárez, Enzo Francescoli e tantos outros.

Com início na década de 60, o Baby Fútbol hoje conta com diversas ligas, levando crianças de 6 a 13 anos a jogar bola nos chamados potreros – pequenos campos de futebol – aos finais de semana. Os jogos viraram um hábito familiar no país sendo, antes de tudo, o que Dimitri descreve como uma “ação social e comunitária” em torno da grande paixão dos uruguaios pelo esporte.

[Imagem: ONFI]
As crianças vestem as cores de seu time de bairro, mas é claro que os grandes clubes uruguaios olham essa molecada de perto, pensando em captá-los para seus times juvenis. Assim, no quesito de mobilização e organização em torno do futebol juvenil, o Uruguai é exemplo. Por essa razão, espera-se que continuem surgindo jovens promessas na liga profissional ano após ano. 

Para o jornalista, porém, isso não é suficiente para dar qualquer perspectiva de melhora no futebol nacional. Este, por sua vez, deve enfrentar problemas mais enraizados. “Ainda tem um caminho muito longo para se percorrer. Falo de questões de rachas na federação uruguaia, questões nebulosas que já levaram até em intervenção da FIFA nas eleições. É bem complicado vislumbrar uma mudança interna no futebol uruguaio.”

Recentemente, aconteceram movimentos que buscavam essa reformulação, mas que perderam força com o tempo. Dimitri lembra do Más Unidos Que Nunca, que aconteceu entre 2017 e 2018. Similar ao Bom Senso F.C. – que surgiu no Brasil em 2013 –, a onda de manifestações, incluindo pré-jogo, pedia maior organização do futebol nacional, clareza na federação e melhores condições para os clubes e atletas.

Decadência do futebol uruguaio
[Imagem: Marcelo Bonjur]
Mesmo para os grandes, a história não muda. Dimitri crê que seja improvável ver as fortes camisas de Peñarol e Nacional brigando por títulos internacionais em um futuro próximo. “Os dois têm que focar naquilo que está no alcance deles pra sair desse buraco. Obviamente sempre ficamos de olho neles, mas muitas vezes não se enxerga a dificuldade que eles passam. Agora na pandemia a situação está muito complicada. Então é um caminho muito longo. Se não conseguirem sustentabilidade financeira, vão continuar no buraco por muito tempo. Vai ser difícil ver Nacional e Peñarol no mais alto nível novamente.”

1 comentário em “A crise do tradicional futebol uruguaio”

  1. De fato, o futebol uruguaio decaiu demais, hoje na minha opinião quando se diz no mercado de clubes, o Uruguai esta no nivel do Chile, que hoje, é inferior ao Equador por exemplo… É uma pena que a globalização tenha causado tanto estrago ao futebol sul-americano, eu adoraria ver o Palmeiras enfrentar um uruguaio com o ‘temor’ que enfrenta o River, ou o Boca(este que também esta jogando apenas com a camisa). Seria espetacular, como era antigamente, cada país com um representante fortíssimo disputando a libertadores…Peñarol e Nacional, seriam Porto e Benfica da America do sul?

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