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Setembro acabou, mas o “Setembro Amarelo” deve continuar

Psicólogos falam sobre paradigmas do suicídio e importância da campanha de conscientização

No Brasil e no mundo, a pandemia de Covid-19 trouxe desafios para a saúde mental da população. Motivos não faltam. A solidão imposta pelo distanciamento social, o medo de uma doença de escala global e até o desemprego causado pela crise econômica decorrente do vírus colocam as pessoas em risco, mais vulneráveis a diagnósticos de depressão, ansiedade e suicídio, como alertou a Organização Pan-Americana de Saúde.

O suicídio já é uma das principais causas de mortalidade no mundo. Segundo a OMS, cerca de 800 mil pessoas tiram suas vidas por ano, o que equivale a um suicídio a cada 40 segundos. Em um cenário agravado pela pandemia, discute-se como prevenir esse tipo de pensamento e ajudar as pessoas a lidarem com sua saúde mental. Nesse momento, é importante dar lugar às campanhas de conscientização  –  como o Setembro Amarelo , e, sobretudo, à conversa aberta sobre o assunto. 

No entanto, em 2020, os desafios são maiores. Não bastassem as dificuldades sociais, mentais e financeiras, as campanhas de prevenção estão mais distantes. Com atividades presenciais restritas e a distância de familiares e amigos, perceber os sinais dessa ideação suicida não é tarefa fácil. Por isso, é f  undamental que as pessoas se sintam confortáveis para falar, entender esse sentimento e conhecer os recursos que existem para ajudá-la. Compartilhar essas informações é a missão do Setembro Amarelo. 

A psicóloga e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Sandra Amorim, explica que a importância da campanha está não só na naturalização da temática, mas principalmente nas informações sobre como procurar ajuda. Sandra explica que o tema tinha pouca visibilidade até algum tempo atrás, era tido como tabu, mas o diálogo vem colocando o assunto em evidência. “Se a gente pensar no impacto disso para pessoas que precisam de ajuda, em condição de vulnerabilidade emocional, com risco real de tirarem a própria vida,  ter lugares onde se pode recorrer, buscar esse auxílio, é de uma importância enorme.”  

Antes de tudo, a campanha deve olhar para as pessoas que lidam com essa dor e escutá-las. O primeiro passo para ajudá-las é entendê-las. João Brod Jacobs, psicólogo que vem realizando atendimentos virtuais durante a pandemia e disponibilizando conteúdo informativo em suas redes sociais, explica um pouco desse sentimento: “Quando a pessoa pensa em ideação suicida, ela não quer acabar com a própria vida necessariamente, ela quer acabar com a dor. O que a incomoda é a dor. O suicídio é visto como uma saída, não um fim”. João reforça que recursos como uma rede de apoio firme e presente, como amigos e familiares, podem funcionar como estratégias para algumas pessoas lidarem com a depressão.

O suicídio na pandemia 

Uma pesquisa realizada em Michigan, nos Estados Unidos, revelou um aumento de 32% nos casos de suicídio durante a quarentena. Outros estudos, aqui no Brasil, também apontam, entre as possíveis consequências do isolamento, um aumento nos atos suicidas a médio e longo prazo. Para que esses casos sejam evitados e essas vidas preservadas, é preciso, primeiro, entender esse fenômeno. 

A explicação encontrada pela psicóloga Sandra não é única e pode envolver vários fatores: “O fato de as pessoas estarem confinadas em casa, com circulação reduzida, por exemplo. Esse fator por si só tende a maximizar, intensificar coisas que já aconteciam antes, como o quadro de depressão. O próprio medo deflagrado pela pandemia, o medo de morrer, pode a médio e longo prazo gerar uma depressão, e, depois, o pensamento suicida”. 

João também indica esses elementos, acrescentando: “A pandemia trouxe uma alteração muito grande na vida das pessoas. Mesmo sem entrar em situações como perda de emprego, falecimentos de pessoas queridas, a pessoa ficando dentro de casa, sozinha, sem interação social, ou convivendo com uma família disfuncional, pode começar a desencadear uma ideação suicida”. O psicólogo explica que algumas situações, fora do contexto da pandemia, poderiam ser diferentes, gerando efeitos menores. “São diversas questões objetivas, mas também subjetivas que podem atuar como motivos para a ideação.” 

Em casa, a prevenção precisou encontrar alternativas. E o lugar onde as pessoas encontram informação, redes de apoio e até ajuda profissional acabou sendo nas redes sociais. Esse auxílio online, apesar de ser uma alternativa válida, deve ser encarado com cautela. Afinal, não é novidade que as redes sociais podem ser extremamente prejudiciais à saúde mental do usuário. João, que realiza atendimentos virtuais e produz conteúdo informativo no Instagram, recomenda um uso moderado das redes. 

“Quando a gente se pega preso rolando um feed nas redes sociais, escutando a vida das outras pessoas, não estamos falando com aquela pessoa, é uma comunicação indireta que pode ser prejudicial”, completa João. Ele ainda diz que a interação com os amigos pelas redes pode ser saudável, mas se torna um problema quando passamos horas lá, em contato com versões idealizadas dos outros. “A pessoa fica exposta a esse padrão. Principalmente na quarentena, podemos ficar em um tédio, enquanto vemos o “fulano” aprendendo idiomas em casa, ou qualquer outra coisa. Então esse contato com outras realidades pode causar uma auto-cobrança e um sofrimento.”

Sabendo do risco que um momento de crise como esse representa à saúde mental de todos, João mostra que tentar manter uma rotina, na medida do possível, já pode ser um grande passo: “É praticamente impossível sair com a saúde mental intacta desse momento pelo qual passamos. A dica é tentar manter uma rotina na medida do possível, com um horário de trabalho, estudo, descanso e de convivência com a família da melhor forma”.

 

CVV, o 188 e as ações no Setembro Amarelo

Durante o mês mundial de prevenção ao suicídio, a principal medida foi a educação. Pelas redes sociais, órgãos como o CVV – Centro de Valorização da Vida estimularam conversas sobre o assunto, na tentativa de derrubar um tabu que persiste há muito tempo. Com ajuda dos internautas, as redes sociais se encheram de informações, detalhes sobre os recursos de prevenção e lugares para falar abertamente sobre suicídio. Devido ao distanciamento social, o CVV precisou encontrar alternativas. 

Elódia, voluntária no CVV, explicou que, desde o início da pandemia, as atividades presenciais do órgão foram suspensas, e a saída encontrada foi a tecnologia. “As ações presenciais foram substituídas pelas virtuais, inclusive nossos cursos para voluntários. Enfim, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para continuar oferecendo à sociedade o mesmo serviço sério, respeitoso e de qualidade.”

Pelas mídias digitais, foram feitas transmissões ao vivo, rodas de conversa, publicações sobre o Setembro Amarelo e divulgação do 188, número pelo qual realizam o atendimento. Além disso, ganhou destaque o desafio dos 40 segundos, que usou o formato dos desafios de redes sociais para divulgar o tema do suicídio, contando com a participação de várias personalidades, como Ivete Sangalo, Juliana Paes, Fábio Porchat, Fernanda Gentil e muitos outros influenciadores. 

O CVV oferece um serviço gratuito de atendimento, com voluntários preparados para oferecer apoio e conversar abertamente sobre a ideação suicida, como a Elódia. Tudo isso sob sigilo total, por telefone, no número 188, email e chat 24 horas, todos os dias. Em situações normais, também há o atendimento presencial, nos mais de 120 postos espalhados pelo país.

 

Tabu e estigmas

Todo esse serviço é feito para facilitar o diálogo, para que as pessoas possam expressar e entender os próprios sentimentos. Mas, afinal, quais os porquês dessa dificuldade em falar sobre suicídio? Para Sandra, esse tabu está sendo superado, mas ainda deixa sequelas: “Tudo que envolve morte é um assunto difícil para as pessoas. O suicídio coloca o profissional de saúde diante de uma questão grandiosa, do ponto de vista existencial. Como uma pessoa chega ao ponto de querer tirar a própria vida? Então entra em cena o juízo de valor que as pessoas têm em relação ao comportamento suicida, ainda com muita força”. 

Sandra também tem experiência hospitalar, e avaliou como tentativas de suicídio são tratadas nesse ambiente. Apesar das melhoras, muitas vezes, persiste esse juízo de valor: “Existe uma visibilidade e um conhecimento maior desse tipo de demanda, porém existe ainda muita desinformação e, mais ainda, uma desqualificação dessa pessoa que tenta suicídio”. Segundo a psicóloga, isso se dá principalmente em ambientes de hospital e pronto-socorro, primeira instância onde essas pessoas são levadas. “Infelizmente, ainda existe esse tipo de profissional. Ao mesmo tempo que temos uma maior consciência sobre o que é o suicídio, do quanto ele está interligado à depressão, ainda ocorre a segregação dessas pessoas em serviço de saúde”.

Durante a pandemia, representantes do Samu, serviço responsável pelo atendimento de urgência, alertaram para um aumento no número de casos e tentativas de suicídio. Esses dados preocupantes indicam, sobretudo, a necessidade da atuação dos serviços de saúde pública nesse tipo de caso. 

Mas é claro que não é apenas o suicídio que recebe esse tipo de tratamento. Pessoas que sofrem de depressão, ansiedade e outras doenças são vítimas de muitos estigmas da sociedade, consequências de falta de conhecimento e informação. Além disso, a ideação suicida possui correlação com esses problemas. “Existem transtornos que envolvem uma certa impulsividade, então pessoas que tem muita dificuldade para elaborar certas atividades de sua vida e acabam partindo para a ação de tirar a própria vida.” A doutora também alerta para os transtornos de personalidade, já que a ideação suicida, às vezes, se acompanha de quadros psicopatológicos.

 

O nosso papel

Diante desse quadro, todos podemos contribuir. Seja espalhando a mensagem de conscientização, seja olhando por aqueles próximos a nós, o importante é trabalhar para que esse tabu seja superado e, com isso, vidas sejam salvas. Não só em Setembro, esse assunto e as pessoas ao nosso redor precisam de atenção. 

Sandra também destaca a importância de não se esquivar desse problema e estarmos atentos aos sinais. Alguns deles são mais perceptíveis, como mudanças radicais de comportamento quando a pessoa começa a se isolar, fica mais calada outros vêm de atitudes discretas, como tentar encerrar conta corrente de banco. A orientação da psicóloga é que, caso esses sinais sejam notados, seja realizada uma abordagem, oferecendo ajuda com delicadeza e bom senso. Outra opção é o uso das redes sociais, que podem ser grandes aliadas ao estabelecer uma rede de proteção. “Dentro da psicologia, se um paciente nos revela a intenção firmada de tirar a própria vida, isso faculta o psicólogo a quebrar o sigilo profissional, acionando pessoas do em torno do paciente para firmar uma rede de apoio e evitar que ele leve isso adiante.” 

João também descreveu alguns desses indícios da ideação suicida, com destaque para a subjetividade de muitos deles. “Alguns indícios são claros, como a ameaça em si. Mas a ideação suicida é como uma escada, em vários níveis. Às vezes, ela se manifesta naquele pensamento “hoje eu queria dormir e não acordar”, e vai até planos definidos para executar o suicídio”. O psicólogo explica que outros indícios surgem quando a decisão já foi tomada, como que em uma tentativa repentina de reorganizar a própria vida. Para João, exemplos desses sinais são: “vontade de visitar lugares que nunca visitou, parentes que não via há muito tempo, como uma espécie de despedida. Mas, muitas vezes, eles são subjetivos, então também é importante que a família não se culpe por não percebê-los a tempo.” 

João falou mais sobre esses indícios no Instagram: 

Mas é claro que apenas percebê-los não é suficiente. Quando diante de um caso de ideação suicida, a recomendação é acionar os recursos de auxílio disponíveis. João detalha: “O fundamental é ouvir. Geralmente, a pessoa com ideação suicida não é ouvida, então isso é importante. Porém, ao mesmo tempo que a gente escuta, devemos tomar uma providência: levar a um serviço de saúde, como os CAPS, postos de saúde, ou o CVV.” Esses serviços oferecem uma escuta treinada, um ponto de ação sobre esse comportamento, algo que, muitas vezes, a pessoa não encontra em sua roda de convívio. “Durante o Setembro Amarelo, houve uma mobilização para não disponibilizar as caixas de mensagem. Porque, por mais que a gente queira ajudar, não temos uma escuta treinada, de um profissional. Então o ato de encaminhar essa pessoa à ajuda especializada é, também, o de dar importância e validar seus sentimentos”. 

O mês de setembro já passou, mas a mensagem e a importância dessa campanha não podem parar por aí. O assunto precisa de visibilidade, a informação precisa ser passada, e essa missão é de órgãos como o CVV, de profissionais da área, mas também de todos dispostos a ajudar. 

“A principal coisa que devemos fazer é divulgar. Os dispositivos (CAPS e CVV) estão em funcionamento há anos, e as informações precisam chegar às pessoas. Nem que seja compartilhar um post no Instagram, isso com certeza já vai ajudar bastante”, comenta João, que mostrou mais maneiras de ajudar em suas redes sociais: 


Sandra conclui: “Temos que falar mais, se olhar mais e estarmos atentos a sutilezas. E se pudermos fazer isso o tempo todo, e não só em setembro, estamos em um bom caminho”. 

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