Por Regina Lemmi (regina_lemmi@usp.br)
Há 24 anos, Gladiador (Gladiator, 2000) conquistou o público e a crítica especializada com seus incríveis visuais e narrativa contagiante. A obra cinematográfica foi indicada a 12 troféus do Oscar 2001, levando 5 deles, contando com a categoria de Melhor Filme e Melhor ator, pela atuação de Russell Crowe. Em 2024, Ridley Scott retoma a direção de uma continuação promissora.
O roteiro misterioso vinha sendo discutido desde 2001 e prometeu o que cumpriu. Gladiador 2 (Gladiator II, 2024) surpreende o espectador ao entregar muito mais que o seu antecessor. A sequência tem melhorias visuais e história envolvente, mas a sua história é banhada por clichês e semelhanças ao primeiro filme.
O filme inicia de forma inesperada: pinturas em movimento em cores fortes de cavalos, espadas, soldados e capacetes romanos. Após os créditos iniciais, duas mãos surgem apanhando grãos de trigo. Desde o início, já percebe-se que a continuação não será nada como o que já foi feito em qualquer obra cinematográfica sobre o Império Romano (27 a.C. a 395 d.C.).
Em Gladiador, Lucius, interpretado por Spencer Treat Clark na obra original, filho de Lucilla (Connie Nielsen) e sobrinho de Commodus (Joaquin Phoenix), é salvo por Maximus Decimus Meridius (Russell Crowe). Adulto, em Gladiador 2, Lucius (Paul Mescal) deve encarar o passado e a honra para reconquistar a glória do Império Romano ao seu povo.
Apresentado inicialmente como Hanno, Lucius é um guerreiro de Numídia que se torna prisioneiro de guerra escravizado, após a invasão romana no território, comandado pelo General Acacius (Pedro Pascal). Para vingar a morte de sua esposa no campo de batalha, o protagonista se torna gladiador com o patrocínio de Macrinus (Denzel Washington).
Hanno depara-se com uma Roma diferente de sua infância, com os conflitos internos no governo dos césares Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger), a fome generalizada da população e desconfianças políticas. Diante do caos e corrupção na política do antigo regime imperial, Gladiador 2 se destoa de seu antecessor ao abordar as constantes revoltas populares e inconstâncias na política romana. Essa escolha é certeira para alterar a visão enviesada de Hollywood, presente em filmes como Cleópatra (1966), sobre a grandiosidade imbatível do Império Romano e reconhecer a invisibilidade das demandas populares ao governo já em decadência.
O filme Gladiador também possuía vestimentas incoerentes com a época em que é retratada a trama. Na produção dos grãos de sua continuação, a figurinista Janty Yates atentou-se às minúcias, uma vez criticadas anteriormente, para produzir figurinos que assemelham-se aos do século retratado, o que auxilia na imersão ao filme.
A sequência, assim como o original, não é baseada em fatos reais, mas inspirada em figuras históricas. Os personagens existiram, mas a sua versão nos cinemas não é coerente com a da realidade. Lucius, por exemplo, foi um imperador romano, irmão adotivo de Marcus Aurelius, pai de Lucilla. Curioso que na História, Lucius casa-se com Lucilla. Na trama ficcional, Lucilla é a sua mãe.
Outros personagens que roubam a cena e são baseados em fatos reais são: Macrinus e os imperadores Caracala e Geta. Na narrativa, os três conseguem trazer um alívio cômico e irônico em suas passagens de tela. Eles são também os personagens que mais divergem com as motivações do protagonista. O que sugere ao espectador que, neste filme, não há vilão, há conflitos de poder para a governança de Roma, que segundo o próprio Lucius “Roma é uma cidade podre”.
As cenas de ação não deixam a desejar. Enquanto o primeiro filme utiliza efeitos de slow motion e evita mostrar sangue, Gladiador 2 surpreende com imagens fortes de sangue espirrando à vontade. O combate corpo a corpo também corresponde à expectativa, a ponto do espectador sentir as pancadas em sua pele, com os dentes cerrados. Destaque ao conflito inicial entre Numídia e Roma e o combate entre Lucius e Acacius no Coliseu.
A história, entretanto, aparenta ser muito semelhante ao original. É desanimador para o público que o filho tenha a mesma trajetória de vida de seu pai. Mas ambos, Lucius e Maximus são movidos pela vingança e buscam a justiça em nome de Roma, o que reduz ao banal. Para os roteiristas, o único caminho em meio à colheita de grãos para um escravizado prisioneiro de guerra é se tornar um gladiador, para pagar a sua liberdade.
O primeiro grão mal colhido é o momento em que Lucila reconhece o seu filho: quando este fica de joelhos e apanha a areia do chão, o mesmo gesto do antigo protagonista, Maximus. A ideia de que ele é o seu filho apenas por conta desse gesto é blasé. Ela define certeza com relação a isso, o que é propício para que a história siga em frente, mas raso para a densidade da identidade pessoal de Lucius.
Outro elemento que falha é em relação aos plot twists da narrativa. A questão de identidade de Lucius já suspeitada pela maioria dos fãs é um deles. O verdadeiro vilão do filme também se revela de forma inesperada, mas também inevitável, pois o personagem já roubava a cena antes mesmo de ser o antagonista.
Gladiador 2 é, sem dúvida, uma boa repaginada da história do primeiro filme, ainda valorizando os traços de seu antecessor. A sequência, mesmo com uma narrativa semelhante, reconstrói efeitos de CGI e visuais da primeira cinematografia às capacidades cinematográficas atuais. Ela também surpreende com personagens contagiantes aos olhos e denota em retratá-los de maneira viva.
Mesmo com uma narrativa semelhante ao original, Gladiador 2 é uma sequência bem-sucedida em prestar homenagem ao passado e mirar no futuro cinema. A história encanta todos os públicos, entusiasma o espectador nas cenas de ação que pode até soltar uma risada ou outra dos diálogos. Ridley Scott definitivamente acertou na seleção dos grãos na colheita.
O filme está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução / YouTube / Paramount Pictures