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‘Golpe de Sorte em Paris’: nem tanto ao céu, nem tanto ao mar

O 50º filme de Woody Allen joga com a previsibilidade dos romances clichês e diverte o espectador, mas não passa disso
Por: Clara Zamboni (clara.candiotto@usp.br)

Golpe de Sorte em Paris (Coup de chance, 2024) chegou aos cinemas brasileiros em 19 de setembro de 2024. Estrelado por Lou de Laâge, Melvil Poupaud e Niels Schneider, o longa ambientado na capital francesa foi lançado no Festival de Veneza de 2024. Com visuais e iluminação convidativos, o filme brinca com um molde de enredo clichê e mostra como o imprevisível pode mudar vidas, mas não é impactante o suficiente para impressionar os espectadores.

O longa foi gravado em língua francesa e conta, pela primeira vez na carreira de Allen, com um elenco totalmente francês [Imagem: Divulgação/O2Play]

Fanny (Lou de Laâge) trabalha em uma casa de leilões e é esposa de Jean (Melvil Poupaud), um rico empresário que, em suas próprias palavras, faz fortuna “ajudando os ricos a ficarem mais ricos” por meios geralmente legais. A agenda do casal é lotada de eventos de gala e viagens junto aos membros da alta sociedade francesa, em que o papel da protagonista se resume a acompanhar o marido e passar uma boa aparência.

O mundo deslumbrante de Fanny  estremece, no entanto, quando um antigo conhecido, o escritor Alain (Niels Schneider), reaparece em sua vida, confessando sentimentos guardados desde os anos escolares. A protagonista, então envolvida em um relacionamento extraconjugal, transita entre o luxo estável de seu casamento e a simplicidade que vive com seu amante. O que ela não espera é a dimensão das consequências de seus atos, a partir do momento em que seu marido passa a suspeitar das traições e se mostra capaz de tudo para manter o casamento.

O contraste entre as cores como forma de representar os diferentes mundos dos personagens fica claro no momento em que Fanny e Alain caminham juntos no parque [Imagem: Divulgação/O2Play]

No enredo, é evidente a paródia a uma das fórmulas mais tradicionais das histórias românticas, em que a protagonista coloca em risco o casamento para viver aventuras com seu amante. Durante a primeira metade do filme, o espectador consegue antever os passos da narrativa, o que dá espaço para o humor, que ocorre, sobretudo, nos diálogos. Falas de um bom poeta apaixonado, como “voltei a sonhar desde que te conheci”, saem da boca de Alain, enquanto pérolas como “me sinto mal por traí-lo, mas continuo mentindo” partem de Fanny em um tom que não carrega tanta culpa.

A brincadeira com a previsibilidade da história a torna atrativa pelas sutilezas. Não há momentos de crise nem cenas de grande drama ou melancolia, mas o segredo está nos detalhes. Os hábitos da protagonista, por exemplo, mostram a sobrecarga de sua rotina, com destaque para seu consumo exagerado e rápido de álcool nos eventos de gala. 

O filme coloca o espectador em um papel  onisciente, sabendo de tudo que ocorre debaixo dos narizes dos personagens. Apesar de parecer superficial, o roteiro aparentemente genérico prende os espectadores na narrativa, em busca de alguma surpresa. Neste ponto, entretanto, o longa falha em impressionar: apesar de destacarem a importância dos acasos e dos acidentes, os acidentes que determinam a história são tão clichês quanto a representação da vida estática de Fanny, impedindo-os de arrancar grandes emoções dos espectadores.

A representação dos personagens também tem toques de humor, em especial a de Jean, que apesar de estratégico e manipulador, é vaidoso e paranoico. Seu passatempo favorito é brincar com um conjunto de estações de trem, que toma um cômodo inteiro de seu apartamento. Ao ouvir de um colega que a esposa de um conhecido havia traído o marido com o conselheiro de relacionamentos, o momento em que Jean visualiza o mesmo acontecendo com seu casamento é cômico e confirma que os personagens não devem ser levados a sério. 

“Gostamos de pensar que controlamos tudo, mas isso não é verdade”, comenta Woody Allen em entrevista à CNN Brasil [Imagem: Divulgação/O2 Play]

O visual do filme é muito agradável. Os tons de amarelo presentes na iluminação  não só tornam a fotografia do longa aconchegante e convidativa, mas têm um efeito estético poderoso: na maioria das cenas do casal Fournier, os eventos e cômodos são  iluminados de forma viva, por lâmpadas e abajures, demonstrando o estilo de vida artificial e plástico do casal. Já as cenas entre Fanny e Alain contam com mais iluminação natural, passando uma sensação de normalidade.

Alfinetadas à cultura americana também não ficaram de fora do filme. Jean, ao sugerir uma cerimônia de renovação de votos com Fanny, reconhece que o evento é um costume “bem americano” – expressão usada como sinônimo de ridículo – mas, mesmo assim, deseja organizá-lo. Momentos como esse fazem referência à atual rejeição sofrida por Allen por parte da  cultura de seu país, após acusações de abuso sexual.

Em uma recente entrevista à Folha de São Paulo, o diretor Woody Allen, demonstrando desapego a seu legado como cineasta, comentou: “Quando eu morrer, podem jogar meus filmes no Mar”. Golpe de Sorte em Paris entretém, diverte e foi bem planejado, tanto no aspecto narrativo quanto no visual, mas não passa disso e não se propõe a provocar emoções mais intensas do que um riso curto. Não é de se jogar no mar, mas para aqueles que vão ao cinema sem o objetivo de celebrar a obra de Allen, não parece um filme feito para fazer história.

O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer

*Imagem de capa: Diculgação/O2Play

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