Por Andrey Furmankiewicz (andreyffurman@usp.br) e Breno Marino (brenomarino2005@usp.br)
Em 20 de abril de 1924, um time de futebol foi fundado na zona leste de São Paulo, a partir da iniciativa de trabalhadores operários: o Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube, ou melhor dizendo, o Juventus da Mooca. Mesmo não estando mais na elite do futebol paulista, e sem divisão nos campeonatos nacionais, o clube possui uma vasta história e importância, além de uma torcida que pulsa a cada jogo pelo amor ao clube e ao bairro.
Fundação
Em meio à ascensão da industrialização na cidade de São Paulo no início do século 20, diversas indústrias instalaram-se na região da Mooca, zona leste da capital. Dentre elas, encontrava-se a Cotonifício Rodolfo Crespi, indústria têxtil considerada uma das maiores da cidade no período, com 50 mil m². Os empregados da empresa, que desejavam formar uma instituição esportiva que representasse a companhia, conseguiram o apoio da diretoria da instituição e fundaram o Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube, a partir da fusão das equipes de várzea Extra São Paulo e Cavalheiro Crespi, tendo como data simbólica da fundação o dia 20 de abril de 1924.
Equipe e dirigentes do clube no século 20 [Reprodução/ Site Oficial Juventus]
Ao longo dos anos, ainda no amadorismo do futebol, a equipe da Mooca ultrapassou as fronteiras esperadas e obteve grandes resultados em pouco tempo de existência, como a conquista da Segunda Divisão do Campeonato Paulista em 1929. Em entrevista ao Arquibancada, Fernando Galuppo, jornalista, historiador e um dos autores do livro Glórias de um Moleque Travesso, comenta: “A criação deste novo clube, proveniente da fusão, superou as fronteiras de seu ideal inicial e rompeu os limites da várzea da Mooca, a partir de seus êxitos esportivos, tomando um impulso inimaginável em um curto espaço de tempo, sensibilizando funcionários e dirigentes do Cotonifício Crespi, bem como os moradores do bairro da Mooca, em prol da evolução técnica, moral e social do recém-fundado Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube”.
No dia 19 de fevereiro de 1930, o conde Rodolfo Crespi propôs uma mudança importante na história do time: o nome do clube. Imigrante italiano, o empresário homenageou a equipe da Itália que tinha mais preferência, a Juventus de Turim. A partir de então, o time do leste paulistano recebeu a alcunha pela qual ficou conhecido: Juventus, não da cidade italiana, mas sim da Mooca. As cores da equipe, entretanto, não poderiam ser preto e branco como as do time italiano, já que equipes como Santos e Corinthians já as utilizavam. Dessa forma, Rodolfo escolheu as cores do rival de seu time italiano preferido, grená e branco, que constituíam o emblema e uniforme do Torino.
O estádio Conde Rodolfo Crespi, símbolo do clube e do bairro da Mooca e que permanece intacto até hoje, foi inaugurado em 1941. Em partida de celebração ao feito, o Juventus perdeu para o Corinthians pelo placar de 3 a 1. O local ainda se mantém como figura de resistência aos modernos palcos esportivos e arenas atuais, e expressa a tradição do bairro e da equipe grená.
Estádio, localizado na Rua Javari, conta capacidade para receber 5 mil pessoas, mas já registrou a presença de 15 mil espectadores [Breno Marino/Acervo Pessoal]
Eventos históricos
Depois de vencer a Segunda Divisão do Campeonato Paulista em 1929, o Juventus foi convidado a participar, em 1930, da primeira divisão do estadual. A estreia foi contra o Santos, na Vila Belmiro. O time da Mooca foi goleado por 6 a 1, o que não estragou a festa e alegria que contagiava toda a torcida juventina. Estar entre os grandes do estado não era uma realidade prevista nem em seus sonhos.
No mesmo ano, o “Garoto” — apelido pelo qual a equipe era conhecida, dado o seu status de estreante na competição estadual — surpreendeu a forte e favorita equipe do Corinthians ao vencer o jogo pelo placar de 2 a 1, em pleno Parque São Jorge, com gols de Nico e Piola. O resultado emblemático na história do time da Mooca foi imortalizado nas palavras do jornalista esportivo Thomaz Mazzoni, que caracterizou a atitude do, até então, Garoto como uma travessura, dando origem à expressão “Moleque Travesso”, denominação usada até hoje para se referir ao Juventus.
Em âmbito estadual, seu título mais importante só foi reconhecido recentemente, em 2021, quando a Federação Paulista de Futebol reconheceu o Juventus como campeão paulista de 1934, ao lado do Palestra Itália. Em meio à transição entre o amadorismo e o profissionalismo, ocorreram dois campeonatos estaduais: um organizado pela FPF (Federação Paulista de Football) — instituição que não está relacionada com a entidade atual do futebol paulista — que continha os clubes amadores e era reconhecida pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos), e um organizado pela APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), em que participavam os clubes profissionais e era tido como não-oficial. Como já havia se profissionalizado, o Juventus mudou de nome e escudo para disputar o campeonato amador, para evitar a competição com grandes clubes como Palestra Itália, Santos e Corinthians, que disputavam a competição profissional. Com o nome de Clube Atlético Fiorentino, o clube sagrou-se campeão paulista ao vencer a Ponte Preta, de Campinas, por 5 a 3, no dia 28 de outubro de 1934, no Estádio da Rua Javari.
A partir de 1950, a família Crespi, que bancava e mantinha o clube em funcionamento, se afastou da instituição, depois de cogitar, em 1949, uma fusão com a Ponte Preta, equipe de Campinas, que não foi aceita pelo Conselho Deliberativo do Juventus. Dessa forma, o clube passou a depender de outras fontes de renda para se manter. “Dali em diante, as receitas passaram a ser do clube social, famílias, colaboradores e pequenos comerciantes do bairro”, explica Galuppo.
O título mais importante da história do Moleque Travesso foi conquistado somente em 1983: a Taça de Prata, equivalente à Série B do Campeonato Brasileiro. Em uma final disputada em três partidas contra o CSA, o Juventus levou a melhor, vencendo o último confronto contra o clube alagoano pelo placar de 1 a 0, com gol de Paulo Martins.
Elenco campeão da Taça de Prata em 1983 [Reprodução/Site Oficial Juventus]
Logo após a conquista da Taça de Prata, o clube também alcançou êxitos esportivos nas categorias de base. Em 1985, a equipe venceu a Copa São Paulo de Futebol de Juniores, a Copinha, ao vencer o Guarani, de Campinas, por 1 a 0.
Grandes jogadores
Dentre os ídolos juventinos, podemos citar Antônio Lima dos Santos, ou apenas Lima. O meio-campista do lendário Santos da década de 1960 iniciou sua trajetória futebolística no time da Mooca, atuando pelo Juventus por dois anos (1959 e 1960), o suficiente para entrar para a história do clube. Ajudando o time a permanecer na primeira divisão do futebol paulista em 1959 e em 1960, o jogador foi convocado para a Seleção Paulista e atraiu a atenção do Santos, que o contratou em 1961.
Édson Ataliba, conhecido por ser carrasco do Corinthians e depois ter atuado com a camisa alvinegra, também brilhou no Juventus. Com nove gols em 12 partidas contra o time do Parque São Jorge, o atacante atuou pelo Juventus por oito anos (1974-1982) e ficou entre os artilheiros do Campeonato Paulista de 1979. Após sair do time de Mooca, foi tricampeão paulista em 1982, 1983 (ambos pelo Corinthians) e 1984 (pelo Santos). Em sua estreia pelo Moleque Travesso, o atacante foi chamado para atuar contra o XV de Piracicaba depois que todos os atacantes titulares se machucaram. Ataliba marcou o único gol do Juventus na partida, em um empate por 1 a 1.
Já o grande ídolo da torcida juventina não é conhecido por fazer gols ou dar assistências, mas sim pela sua postura defensiva. Clóvis Nori, o Professor, começou sua carreira no extinto Comercial Futebol Clube de São Paulo, transferindo-se posteriormente para o Corinthians, onde foi campeão paulista. Em 1957, Clóvis chegou na equipe da Mooca, em que jogou até 1968, quando encerrou sua carreira. Depois de sua aposentadoria, treinou a equipe da base e o profissional do Juventus. Hoje, um busto em sua homenagem pode ser encontrado no estádio da rua Javari.
Além de ídolo nos gramados, Clóvis Nori representou o Juventus como técnico, responsável por revelar jogadores como Ataliba, por exemplo [Davi Caldas/Acervo Pessoal]
Além desses ídolos, grandes jogadores foram revelados pelo time da Mooca, como Thiago Motta, meio campista brasileiro, naturalizado italiano, que jogou em clubes como Internazionale de Milão e Paris Saint-Germain, e Luisão, zagueiro com passagens pela Seleção Brasileira e ídolo do Benfica. O atacante Wellington Paulista, um dos maiores artilheiros do Brasileirão na era dos pontos corridos, e os meio-campistas Vampeta e Elias, que tiveram passagens pela Seleção Brasileira, também atuaram pelo Juventus.
Hoje: crise e instabilidade
Com uma receita mensal em torno de R$ 900 mil e despesas que alcançam R$ 1,1 milhão, o Juventus coloca suas esperanças em se tornar uma SAF (Sociedade Anônima de Futebol), processo que está atualmente paralisado, sem previsão de ser retomado. O clube ainda precisa encontrar um caminho para conciliar os interesses dos diferentes grupos, como sócios, torcedores, investidores e comunidade local. Na década de 1980, o clube chegou a ter 100 mil frequentadores, e hoje conta com 1,2 sócios pagantes e 3 mil remidos, que não pagam mensalidade. Cerca de 12 mil pessoas frequentam o clube atualmente, porém os sócios pagantes não cobrem um terço dos salários de 210 funcionários. Já a folha de pagamento dos atletas é de R$ 350 mil, uma das mais baixas do futebol paulista, ainda se comparada com clubes de tamanho parecido, como o São José e o Monte Azul, com folhas salariais de aproximadamente R$ 800 mil.
O panorama econômico reflete-se na situação esportiva do time da Mooca. A equipe tem alternado frequentemente entre a segunda e a terceira divisão do campeonato estadual, e hoje encontra-se disputando a série A2 do Campeonato Paulista, além da Copa Paulista. Este ano, bateram na trave pela subida à elite do Campeonato Paulista, mas foram eliminados na semifinal da série A2 em partida contra o Velo Clube, com o agregado de 1 a 0. A vitória neste confronto poderia ter significado um retorno histórico do Moleque Travesso à elite do futebol paulista no ano do seu centenário.
Jogo de volta entre Juventus e Velo Clube, pela série A2 do Paulistão [Reprodução/Instagram: @oficialjuventus]
O clube social, a torcida e a identidade
Após a saída da família Crespi, o Juventus precisou se reinventar para seguir funcionando. Mesmo em meio a dificuldades financeiras, o clube decidiu investir na construção de um núcleo poliesportivo, a fim de gerar um novo meio de receita. No dia 15 de abril de 1962 foi inaugurado o clube social, em um terreno adquirido da Companhia Imobiliária Parque da Mooca e com recursos advindos da venda de títulos patrimoniais, que ficaram por responsabilidade da Companhia Santa Paula Melhoramentos.
Nas décadas seguintes, diversas obras e reformas foram realizadas na sede social para atrair mais sócios e, consequentemente, mais renda para o clube. Houve a inauguração de piscinas, saunas, quadras e de um moderno salão de festas, o Palácio Grená, com 3.600 m².
Entrada da atual sede social do clube [Reprodução/Site Oficial Juventus]
Os projetos de modernização do clube e do estádio Conde Rodolfo Crespi, que buscam transformar o Juventus em uma marca a ser explorada, não são apoiados por grande parcela dos torcedores do Moleque Travesso. Na tentativa de manter as tradições do Juventus e o respeito pela história do clube, a Setor 2, grupo de torcedores da equipe, levanta uma bandeira contra a atual fase de modernização do esporte, proclamando nas arquibancadas o lema “ódio eterno ao futebol moderno”.
João Kuba, integrante da Setor 2, afirma que o foco da diretoria atual no clube social, e não no futebol, deixa os torcedores do time grená insatisfeitos. “Esses caras (diretoria) buscam muito mais acabar com o futebol do que ajudar. Por exemplo, o Juventus tem uma chance de virar SAF por um valor de venda relativamente baixo, porque a diretoria não liga mais para o time e para o futebol, e não quer mais ter os diversos gastos que o futebol proporciona. Em todas as competições, remanescem muitos poucos jogadores, então não tem continuidade de trabalho”, complementa.
Desde sua fundação, o time da Mooca exerce grande importância para os moradores do bairro. “Um clube representativo do bairro e das fábricas se tornou um símbolo afetivo, ponto de encontro, lazer e comunhão para seus moradores. Era através do futebol que as famílias se reuniam e transformavam a rua Javari em uma grande confraternização. Eram nos bailes, festas juninas e eventos sociais do clube que os casais se formavam, que amizades se fortaleciam”, afirma o jornalista Fernando Galuppo.
Juntos, o clube e o bairro formam uma sinergia que cativa os seus habitantes, uma conexão que absorve a cultura típica da Itália de valorizar as tradições e de paixão aos seus valores e história. Ruas e bares da região são customizados com as cores em referência ao time. Guilherme Dalla, torcedor do Juventus, diz: “Todos os domingos de manhã tem cores grená e branco na Mooca. Por aqui somos muito apaixonados, e esse ano estamos muito animados por estar comemorando o centenário desse lindo clube”.
Hoje, o Juventus não é apenas uma equipe de futebol, mas sim um ponto turístico da Mooca, um símbolo de resistência à modernidade, de orgulho da sua origem operária e de apoio incondicional por parte de seus torcedores, mesmo fora dos holofotes do cenário futebolístico estadual e nacional por bastante tempo. A experiência de torcer por uma equipe menor, a qual o torcedor nota o seu crescimento e história pessoalmente, difere de qualquer outra. “É um sentimento muito bom, porque é o time do seu bairro, aquele que está sempre ali presente e você está sempre perto dele, é diferente do sentimento que você tem por qualquer outro clube maior”, comenta o torcedor. Como diz a frase utilizada pelos adeptos do Moleque Travesso, o clube é “o primeiro de muitos, o segundo de todos”.