Screamers, documentário de 2006, traz o relato mais popular e verdadeiro sobre o que representa hoje o genocídio armênio para os seus descentes e para a população de uma maneira geral. O roteiro é elaborado em cima da rotina da banda System of a Down e o seu ativismo diante da luta Armênia pelo reconhecimento do genocídio pelos Estados Unidos e pela população em geral.
O genocídio armênio foi arquitetado pelos turcos e colocado em prática a partir de 1915. O dia que marca o início é 24 de abril, um domingo de páscoa em que os armênios acordaram sem liderança e foram postos para marchar, as marchas da morte.
O documentário acerta no tom, é extremamente bonito e triste também, é preciso dizer. Nos desperta um sentimento de compaixão e revolta. Por que não reconhecer? Espinhos diplomáticos impedem que os mais de 1,5 milhão de armênios tenham seus assassinos expostos. Why don’t presidents fight the war?, pergunta System of a Down na primeira música a ser apresentada no documentário.
O grupo se apresenta em diversos países levando a bandeira da causa armênia. Com intervenções audiovisuais eles contam um pouco de uma história desconhecida por muitos. “Uma das grandes contribuições do SOAD é conscientizar o mundo a respeito do genocídio armênio e assim foi no Brasil. Praticamente foi a banda que apresentou o tema para a maioria dos fãs não armênios, ou pelo menos nos fez prestar mais atenção nisso.”, diz Lika Rodrigues, tradutora do site original da banda para o português.
Mostrado no Brasil pela primeira vez em 2007, na 31ª Mostra de Cinema de São Paulo, ele voltou a ser exibido no Cinusp na Mostra Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea. Sobre a recepção à época, Lika conta “Eu tenho certeza de que o filme tocou os corações de quem viu. A trilha sonora e participação do SOAD foram atrativos para os mais jovens”. Ela acredita que o engajamento de artistas populares contribui muito para a causa. “Acredito que quem procura aprofundar-se no que a música diz, não somente curtir o ritmo, realmente reflete sobre as questões abordadas, entre elas o genocídio. Foi assim comigo”. É a voz geral dos fãs, que tem uma participação significativa no documentário. Eles falam de suas experiências ao serem apresentados pela primeira vez ao tema, se solidarizam e pedem pelo reconhecimento norte-americano.
É preciso se falar sobre o assunto. “Não podemos nos esquecer”, se repete indefinidamente por longos minutos. Não se pode fingir que não aconteceu. 98 anos de história não conseguiram apagar a dor de milhares de armênios que perderam entes queridos, parte da terra natal – anexada pela Turquia -, o direito de freqüentar um local sagrado para os armênios, o Monte Ararat, uma montanha sagrada para os cristãos – segundo o Gênesis, é onde está localizada a arca de Noé.
As fontes consultadas para levantar o debate sobre o assunto são extremamente gabaritadas: Samantha Power, prêmio Pulitzer de 2008 pelo livro A Problem from Hell: America and the Age of Genocide.
Parte da história pessoal das famílias dos integrantes é escrachada nas telas. Como uma chaga que se abre, os músicos permitem que o filme revele uma parte de suas vidas extremamente dolorosa. Um dos momentos altos de comoção acontece quando Serj Takian vai visitar seu avô em uma clínica de repouso. O velho senhor está bastante debilitado e não consegue contar sua história, mas as cenas de Serj com o avô se intercalam com um depoimento antigo dele, contando de como foi separado de seu pai durante as marchas pelo deserto. “Eu tentei voltar para beijar meu pai. Eles não me deixaram. Eu corri para tentar beijá-lo e eles me impediram, me empurraram para longe. E essa foi a última vez que eu o vi. Não o vi nunca mais”, conta Stepan Hayatayan.
Uma série de depoimentos, ainda mais duros e mais dolorosos, é exibida, diversos relatos das atrocidades turcas e das sagas de diversas famílias que tiveram que se refugiar em outros países para escapar da limpeza étnica planejada pelos jovens turcos.
Mesclando bem as entrevistas com as apresentações da banda, o documentário se mostra uma fonte parte da história, imprescindível para quem quer entender os conflitos armados que envolvem as práticas de genocídio contemporâneas.
“Quem ainda se lembra do massacre dos Armênios?”, perguntou Hitler em 1943. Quando nos esquecemos, permitimos que aconteça de novo.
por Paloma Rodrigues
martinho.paloma@gmail.com