Uma velha senhora chora por sua casa que arde em chamas. Um adolescente vietnamita é humilhado e espancado por um soldado americano. Crianças nuas correm desesperadamente com o corpo repleto de queimaduras. Espirra sangue do buraco de bala na cabeça de um homem. É por meio destas imagens perturbadoras e chocantes que o filme Corações e mentes (Hearts and minds, 1974) desenvolve um argumento que denuncia os horrores praticados pelos EUA na guerra Vietnã.
Dirigido por Peter Davies e vencedor do Oscar de melhor documentário, o filme, em cartaz no Cinusp Paulo Emílio pela mostra Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea, aborda o período compreendido entre 1955 e 1975, no qual os EUA participaram do conflito no Vietnã como forma de barrar o avanço soviético na região asiática. Cerca de dois milhões de vietnamitas e 45 mil soldados norte-americanos foram mortos.
Há um contraponto entre os dois lados do conflito. No lado americano prevalece o pensamento imperialista, explicitado pelas falas de governantes, militares e civis. Já no lado vietnamita, é dada voz para os inocentes, vítimas de um conflito pautado por interesses meramente econômicos.
Os depoimentos são curtos, e a câmera, que primeiramente focaliza o rosto, pode aos poucos revelar os resquícios da guerra, como um braço amputado ou uma cadeira de rodas de um soldado que ficou paralítico. As cenas de guerra infelizmente são reais. Por vezes a câmera também passeia por cenas do cotidiano de cidades atingidas (como Saigon, por exemplo) como se indagasse por qual motivo um povo inocente fora massacrado.
O ponto alto do documentário é o relato incisivo de uma sociedade norte americana alienada, criada sob a sombra da violência. Os cidadãos não sabem o motivo do conflito, mas afirmam com toda a certeza que os orientais são “primitivos” e que os EUA seriam a solução do “atraso” cultural e social da Ásia. É interessante notar que tal concepção deriva desde a época do movimento de expansão americana (a chamada “marcha para o oeste”) na qual se acreditava na teoria do “destino manifesto”, ou seja, os EUA seriam os escolhidos de Deus para “salvar” o mundo.
De qualquer forma, os EUA desistem do conflito, inconformados de como a população do pequeno país asiático resistiu por tanto tempo. É colocado então, ainda que de forma subentendida, um dos questionamentos que talvez seja o ponto alto do filme: até que ponto o ser humano é capaz de destruir como forma de conquistar o poder? Quem são os verdadeiros patriotas: os americanos, que defendem a bandeira com o sangue alheio, ou os vietnamitas, que apenas lutavam pela conquista da própria liberdade?
Não é um filme recomendado para os mais sensíveis. O ser humano banaliza a morte escreve a história com sangue. Corações e mentes é um filme poderoso, com total capacidade de mobilizar ações contra a violência que se arrasta pela sociedade.
“And it’s true we are immune
When fact is fiction and TV reality
And today the millions cry
We eat and drink while tomorrow they die”
(“Sunday bloody Sunday” – U2)
por Gabriel Lellis
g.lellis.ac@gmail.com