“Se enxergar assim te ajuda no processo de aceitação. Como eu me aceito se eu não sou nada?”
– Rafa Courbassier.
Um mecanismo utilizado pela indústria de padrões estéticos para manter as pessoas numa busca insaciável por suprir um padrão irreal é mantê-las sempre insatisfeitas, e levá-las a comprar produtos e procedimentos para corrigir defeitos muitas vezes inexistentes. Prova disso está no fato de que, em 2019, o Brasil se tornou o país que mais faz cirurgias plásticas e procedimentos estéticos no mundo.
Um sintoma desses limites flexíveis e instáveis entre os rótulos é a criação de um grupo de pessoas que não se enxerga nem como gordas, nem como magras… são os corpos chamados de midsize.
Qual a diferença entre plus size e midsize?
A existência de uma intensa rotulação de corpos é evidente e, mesmo que em proporções e com o uso de ferramentas diferentes, a pressão estética se mostra presente na vida de todos. O preconceito estrutural e os obstáculos sociais enfrentados pelas pessoas gordas, a chamada gordofobia, entretanto, é um outro nível de pressão: ela escapa o limite do estético e forma barreiras materiais e socioeconômicas. É nesse ponto que corpos midsize se diferenciam dos gordos.
“Eu sei que a gordofobia vai muito além de uma questão social, ela é estrutural, e pensando nessa estrutura, eu estou no limite: eu consigo sentar num assento público, passar numa catraca de ônibus, [meu tamanho corporal] não atrapalha minha vida”, afirma Rafa Courbassier, influenciadora digital e mulher midsize.
Assim, a gordofobia se apresenta na vida de pessoas gordas como um tipo de preconceito estrutural, o superlativo da mera pressão estética — que impede, limita e categoriza essas pessoas antes mesmo que elas possam dizer uma palavra sequer. O tamanho do corpo fala por elas, do mesmo modo que a cor de pele fala para pessoas pretas e o gênero para as mulheres.
Mulheres midsize, portanto, por não viverem esses problemas, se diferenciam das mulheres gordas, que usam o plus size: “O midsize me fez sentir melhor com a minha voz também, além do meu corpo. Eu não estou ocupando o lugar de fala de uma mulher gorda, não passo pelo que elas passam”, explica Andressa Almeida, modelo midsize e também influenciadora digital.
A necessidade de um novo rótulo
Com a popularização do termo midsize, críticas surgiram no sentido de questionar a necessidade de um novo rótulo: há outras pessoas, principalmente mulheres, buscando incansavelmente quebrar com esses padrões que separam mulheres, e o novo termo cria mais uma divisão.
Alexandra Gurgel, fundadora do movimento Corpo Livre, postou no início de 2021 um vídeo no qual critica essa categorização de corpos. Em sua fala, a influenciadora repudia a criação de mais um termo, afirmando que plus size, por exemplo, não existe como um tamanho de corpo, mas sim como uma forma de se referir à moda. “A gente não é um tamanho de roupa”, afirma.
Andressa e Rafa concordam ao afirmar que o processo de aceitação corporal é pessoal, e, portanto, caso se encaixe numa nomenclatura — sair do “limbo” ou “nada” —, pode auxiliar as pessoas e, mais do que isso, mostrar que há espaço para quem não se enxerga nessa dualidade. Logo, torna-se positiva a existência do termo. Nesse sentido, elas defendem que, uma vez que a sociedade já coloca rótulos prejudiciais em todos, é essencialmente bom que exista um sem nem a conotação positiva que “magro” costuma carregar, nem a negativa associada a “gordo”, mas sim uma neutra, que apenas define um grupo.
Rafa, contudo, aponta para o perigo de dismorfias corporais causadas pelo padrão, o midsize incluso: “em teoria, o termo diz respeito a um tamanho de roupa, mas eu acho que é preciso considerar uma leitura social da pessoa: como ela é lida, como ela é esteticamente? Eu me considero assim por usar 48 e porque eu sei que toda vez que eu posto um vídeo vem alguém falar que preciso emagrecer, tendo assumido que eu quero emagrecer. Por isso me entendo: pelo que assumem de mim, para além do meu peso e tamanho. Mas o padrão está cada vez menor: o 42 é usado por uma pessoa muito magra, assim como por meninas midsize. Por isso, não é sobre tamanho, é sobre o corpo. Temos que pensar até que ponto a sociedade está fazendo as pessoas terem quase uma dismorfia corporal, se enxergarem como gordas ou midsize quando não são”.
A influenciadora digital Nanna Fernandes também aposta no ponto de vista das colegas de profissão, adicionando a liberdade que muitas mulheres sentem ao se rotular como midsize ao debate: Rótulos e caixas sempre vão existir, é ilusório achar que um dia viveremos sem isso. O que precisa ser feito é justamente ressignificar esses locais, por exemplo, lutar para que o termo “gorda” não seja mais visto como algo pejorativo enquanto o termo “magra” é visto como um elogio. Eu e várias mulheres não nos sentimos presas em uma caixa escrita MIDSIZE, muito pelo contrário, nos sentimos livres. O midsize levanta pautas sobre pressão estética, sobre autoestima, sobre papéis de gênero… Não é só sobre um tamanho de corpo. Corpo livre é aquele onde existe uma pessoa consciente de si. Se a pessoa não se sente confortável e pra ela não faz sentido, não precisa usar o termo”.
A moda midsize
A dificuldade na compra de roupas também é uma grande questão para as pessoas midsize. Andressa explica suas dificuldades para encontrar sua posição no mercado de roupas: seus tamanhos não eram vendidos nas lojas focadas em pessoas magras, mas também não eram contemplados em lojas para o plus size. Rafa conta que tinha o mesmo problema, procurando por modelos em lojas que não tinham corpos como o seu como público. Nanna analisa essa situação, que, em sua visão, ainda ocorre porque “se tem a ideia de que nós é que precisamos nos adaptar às roupas. É também uma forma de controlar nossos corpos”.
É nesse sentido que as amigas Yanka Pires e Thayana Barbosa, ambas desse grupo, decidiram fundar uma loja especializada nesses tamanhos, a UhYayá!: “O midsize é muitas vezes ignorado pelas grandes lojas porque é mais barato. Nós usamos muito tecido e aviamento nas produções. As costureiras também muitas vezes se negam a fazer tamanhos maiores pelo tempo de produção. Para lucrar, é mais fácil falar para as pessoas se encaixarem. É mais fácil fazer um padrão único. Temos muito mais trabalho, mas preferimos isso a restringir as pessoas.”, afirma Yanka.
Para além do termo
O midsize, portanto, ultrapassa a definição racional de tamanhos de roupa para ocupar o lugar de acolhimento e pertencimento que muitas vezes é ausente nas pessoas que se veem como duplamente fora dos rótulos convencionais. A inclusão dos tamanhos de vestimenta utilizados por essas pessoas seria, assim, uma consequência da força e mobilização proporcionados pela união e reconhecimento desse grupo.
Eu amei essa matéria! Eu estou passando por esse processo de auto aceitação. Venho de uma família com quase todas as mulheres obesas e plus size e sempre fui zoada por ser magra demais. hoje em dia eu tenho um tipo de corpo que não é de nada magro mas também não se encaixa no plus size, é uma dificuldade horrível para comprar roupas, além de ter de ouvir das pessoas que tenho emagrecer ou engordar de vez. Por mais midsizes se levantando por favor!!