Por Sofia Calabria
Em meio à cidade cinza, nós, paulistas podemos ver aqui e ali, pedaços de cor. Em ruas e avenidas, principalmente nas regiões no centro e da paulista há desenhos que conversam com a cidade e com quem mora nela. A arte nos muros, agora mais forte do que nunca, é a representação em tinta do urbano: da sua beleza, dos seus problemas, do seu caos. A primeira coisa em que se pensa quando se fala em arte de rua é no grafite, e ele é, sem dúvida, um dos seus maiores expoentes. A arte do “um spray na mão e uma ideia na cabeça” já foi por muito tempo vista e criticada como pichação, mas isso foi mudando com o reconhecimento de artistas como Eduardo Kobra, Alexandre Orion, Daniel Melim, Os Gêmeos, Crânio, e muitos outros que mais do que colorirem a cidade, transmitem mensagens rápidas e precisas, que dão certo com a correria da metrópole. A arte urbana é um choque: você sente e reage de alguma forma: pensando sobre isso, comentando, contemplando. Ela está lá, a céu aberto e acessível a quem passa de dia, de tarde e de noite, de qualquer idade e classe social, e afeta cada um de um jeito diferente, suscitando interpretações infinitas. “Você está passando na rua e do nada no muro você vê um desenho super bonito. Você não tem que estar dentro de um local para ver, você tá só passando e de repente vê. Eu acho isso maravilhoso”, diz a estudante de Design de Interiores, Ludmila Alves.
O grafite, em sua forma primordial existe desde o Império Romano. A estética e a técnica foram mudando ao longo dos anos, mas a essência é praticamente a mesma: expressão pública de sentimentos e pensamentos. Na sociedade contemporânea, o grafite ressurge como manifestação artística na década de 60, com o movimento da contracultura em Paris, a fim de colocar a mobilização e contestação sociais em mais uma plataforma. Ganhou mais força em Nova York, em 1970, difundindo-se pelo mundo. No Brasil, foi tomando forma e espaço aos poucos, já que inicialmente era visto apenas como contravenção. “Hoje você em qualquer canto você vai ver algum tipo de pintura. Antes não era assim; você tinha que andar, que conhecer, saber onde tinha. Era bem mais underground”, diz o artista Daniel Melim, autor do famoso painel na Avenida Prestes Maia, na Luz, e que recentemente esteve ameaçado de ser apagado pelo proprietário do prédio.
Mas a arte em muros não se restringe apenas ao grafite. Outra técnica antiga e muito usada até hoje é o lambe-lambe. Hoje, o lambe tomou novas formas e foi adotado como marca por artistas que, assim como os que grafitam, querem conversar com a cidade e fazer as pessoas pensarem ao se depararem com sua arte. Dois grandes expoentes dessa variante urbana são os franceses Levalet e JR. Em 2008 e 2009, JR veio ao Brasil, no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, em continuação ao projeto Women are Heroes.
Na última virada cultural, nos dias 18 e 19 de Maio, aconteceu a oficina de estêncil no Memorial da Resistência. Na mesma semana, os artistas Daniel Melim, a dupla B-47 (DME e FRG) e Ignore (Pedro Sussumu) criaram um painel de para o memorial.
Na oficina vieram bastantes pessoas, e acabou até faltando material. Você vê nisso um interesse maior pelo grafite, pela arte em muros?
Acho que tem sim. Pela divulgação de hoje, a galera sabe mais o que é arte de rua. A arte de rua está mais acessível. Sempre esteve na verdade, mas acho que a galera hoje está enxergando melhor isso. Acho que é uma das artes mais acessíveis que existem porque ela tá na rua, então você não precisa entrar numa instituição, você não precisa pagar ingresso. Você precisa andar pela cidade. Mas eu acho que isso mostra também o interesse da galera em saber mais sobre o que é arte de rua, o que é o grafite, o que é esse movimento, e São Paulo é um dos pólos dessa cultura.
Sobre o seu estilo: você tem influências da Pop Art, quadrinhos, propaganda. O que você busca para unir todas essas pontas? Há uma temática que você sempre quer passam com o seu trabalho?
Eu tento buscar coisas do meu cotidiano. Eu fui pintar o mural da luz. Era um grande painel que tinha propaganda, então eu busquei elementos da propaganda para poder desconstrui-la. Eu peguei um monte de clichês, tanto de pop art quanto de propaganda: aquele estouro que tem lá “promoção”, a tipografia e fiz uma desconstrução disso. Aqui [no Memorial] já é outro caso; é uma questão política. E eu sou de uma região que sempre teve uma mobilização social muito grande. Tinha o tio meu que era frente de greve, então esses assuntos sempre estavam circulando na conversa do almoço. Eu busco esses assuntos que estão ao meu redor.
Você já expôs em bastantes galerias. Começou com a arte no muro, na rua, e também foi para a galeria. O que a rua te proporciona que a galeria não, e vice-versa?
Na rua tem que ser um trabalho mais direto, porque o cara tá passando, não dá para você encher de muitos detalhes. Na rua, por mais que você leve todos os materiais que você acha, você tem uma limitação. Você vai ter que trabalhar com aquilo ali naquela parede. Tem que ser quase uma porrada; o cara ver e entender. Na galeria é outro processo: você pode fazer uma tela muito mais trabalhada. Você tem mais tempo, tranquilidade, então isso faz com que o trabalho tenha uma diferença. Mas tem coisas que eu faço na rua que eu penso: “po, isso aqui eu consigo aplicar na tela, e coisas que eu faço na tela que eu falo “ isso aqui eu consigo levar pra rua”
Como foi adaptar seu estilo do grafite para outras plataformas (artes visuais, vídeo, animação) para a exposição “Novos Planos”, na galeria Choque Cultural?
Nós trazemos muitas referências, de vários assuntos e de várias técnicas. Ali eu quis mostrar que o artista de rua, principalmente no meu trabalho, consegue desenvolver muitas técnicas. Eu fiz um estêncil recortado em aço, fizemos projeção, eu tentei pegar meu desenho e transformar em uma experiência de animação. Então não necessariamente quem começa a fazer grafite tem que fazer isso para o resto da vida. Tem que ter essa liberdade.
Como você viu o sucesso da Bienal de Grafite, agora na segunda edição?
É ótimo porque é outro espaço que a gente conquista. Outro ponto bacana é que é um jeito de encontrarmos a turma. Tinha muita gente que eu não via e acabamos nos encontrando ali. E lá são vários artistas, cada um com uma técnica diferente da outra. É muito rico, tanto pra quem está pintando, quanto pra quem vai visitar.
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