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Nem todos os clichês do mundo salvam Lino: Uma Aventura de Sete Vidas

Animações talvez sejam o que há de mais difícil de ser fazer dentro do universo cinematográfico. Há, para começar, as dificuldades técnicas: é preciso dominar tecnologias muito específicas — e caras — que evoluem e mudam constantemente e que, por vezes, demoram a chegar em países que não sejam os Estados Unidos. Encontrar dubladores adequados …

Nem todos os clichês do mundo salvam Lino: Uma Aventura de Sete Vidas Leia mais »

Animações talvez sejam o que há de mais difícil de ser fazer dentro do universo cinematográfico. Há, para começar, as dificuldades técnicas: é preciso dominar tecnologias muito específicas — e caras — que evoluem e mudam constantemente e que, por vezes, demoram a chegar em países que não sejam os Estados Unidos. Encontrar dubladores adequados para cada personagem também pode ser um problema. Optar por pessoas famosas traz visibilidade, mas se o dublador for famoso demais pode dar muito errado — vide Luciano Hulk dublando Flynn Ryder em Enrolados (Tangled, 2011). Mas provavelmente o maior desafio é conquistar o público infantil. Esse público é muito exigente: acostumado com a qualidade dos filmes da Disney e Pixar, muitas vezes prefere conferir longas de personagens já conhecidos e espera um enredo que entretenha do começo ao fim. Se, além disso, a história conseguir prender a atenção dos pais das crianças, sucesso garantido. Lino: Uma Aventura de Sete Vidas (2017), animação brasileira dirigida por Rafael Ribas, acerta nos dois primeiros pontos, mas falha em apresentar uma história que desperte interesse e cative a audiência.

Lino
Imagem: reprodução

Lino (Selton Mello) é apresentado como a pessoa mais azarada do mundo: desde criança, não pôde contar com a sorte em nenhuma situação de sua vida e essa maré de azar o acompanhou na vida adulta. Para sobreviver, trabalha como animador de festas infantis vestido de gato. Mas o jovem não é exatamente a alegria da festa: ele não é nem um pouquinho amado pelas crianças — pelo contrário, é agredido por elas e ridicularizado pelos pais e por seus colegas de trabalho. Esse emprego, no entanto, não é suficiente para pagar as contas: depois de meses devendo o aluguel, Lino é despejado da pensão caindo aos pedaços em que vive. Exausto com a situação em que se encontra, ele procura os serviços de Don Leon, um mago charlatão que promete resolver todos os seus problemas com um feitiço. O encantamento obviamente dá muito errado e Lino, ao invés de se ver livre de seus problemas, acaba se tornando o maior deles: é transformado na fantasia de gato que tanto desprezava. A partir de então, embarca em uma aventura com Don Leon para reverter o feitiço. Ao mesmo tempo, precisa fugir da polícia, uma vez que está sendo procurado por crimes cometidos por seu antigo bully dos tempos da escola, vestido com a fantasia de Lino.

O filme, produzido em 3D estereoscópico, é interessante até a parte da transformação do personagem em gato. Conseguimos nos identificar com Lino e sentir simpatia por seu azar e pelas situações humilhantes que se sujeita. Contudo, depois do feitiço, o enredo se torna uma sucessão de clichês de animações populares americanas complementado por piadas ruins — no estilo clássico tiozão durante almoços em família —, referências à cultura pop forçadas e uso de estereótipos que chegam a ser ofensivos. Um exemplo é a cena em que Lino e Don Leon têm que entrar em uma reserva indígena. Os índios são retratados de maneira extremamente estereotipada e americanizada e, ingênuos e distraídos com a tecnologia, são enganados pela perspicácia dos visitantes.

Lino
Imagem: reprodução

Os elementos que apenas não funcionam não param por aí: o mestre de magia de Don Leon, que seria capaz de fazer Lino voltar à forma humana, chama-se Henry Topper (sim, realmente) e coordena uma escola idêntica à Hogwarts. Os assistentes da policial Janine, que estão em uma missão para prender Lino, têm o nome de Osmar e Melos — Os Marmelos, entendeu? É, não tem graça — são incompetentes, comem rosquinhas e fazem piadas sobre gases. Em uma cena de fuga, Lino acaba salvando uma criança, a quem chama de Pestinha, que, depois disso, embarca na aventura com ele e o mago. É basicamente a mesma personagem que Boo, em Monstros S.A. (Monsters, Inc, 2001), que inicialmente é um estorvo para o protagonista mas aos poucos conquista seu afeto. Os momentos compartilhados pela criança e Lino, no entanto, não são fofos o suficiente para sustentar o longa.

Depois da grande aventura, em que todos os desafios são resolvidos de maneira relativamente simples, o filme chega a um desfecho previsível. Mas decide não parar por aí: aposta em uma cena final mal amarrada e  digna de livro de autoajuda com a lição de moral de que “quem acredita sempre alcança”. Além de não se encaixar muito bem na história, ela é complementada por um número musical de Mais Uma Vez, canção do Legião Urbana, que na prática não funciona tão bem quanto na teoria.

Unindo cenas e situações que já foram vistas várias outras vezes em animações com histórias mais consistentes, trama que se desenvolve sem surpresas e um 3D dispensável, o filme não se salva pela qualidade técnica e time de dubladores competentes — que inclui Dira Paes como Janine. Faltando originalidade e sem a vantagem de contar com um personagem já familiar ao público, vai ser difícil Lino chamar a atenção e conquistar as crianças ou seus pais.

Lino: Uma Aventura de Sete Vidas chega aos cinemas no dia 7 de setembro. Assista ao trailer

por Mariana Rudzinski
marianarudzinski71@gmail.com

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