Atenção: esse texto contém spoilers da série Dark.
Retroceder ou avançar no tempo como uma simples função do controle remoto. Fazer escolhas opostas às originais. Interferir no antigo e assim embaralhar o novo e o futuro. Traçar caminhos que ainda não foram trilhados. Consertar um erro ou, tentando consertar, acabar por provocá-lo. A profusão de possibilidades compõe um antigo sonho da humanidade que é romantizado por diversos filmes e séries de ficção científica: viajar no tempo. Pois quem nunca pensou em retornar aos eventos do passado com a cabeça de hoje (em hipótese, mais sábia) para, quem sabe, alterar a nota de uma prova de matemática do ensino médio?
É com uma premissa parecida que Dark (2017), a prestigiada série alemã de drama, suspense e ficção científica da Netflix, conquistou o público mundial. Os criadores, Baran bo Odar e Jantje Fries, ousaram ao trazer alguns conceitos da física sobre relativismo temporal, multiversos e buracos de minhoca atrelados a uma narrativa familiar desenvolvida entre os personagens de uma trama que à primeira vista, não aparentam possuir relações mais densas e complexas que a simples eventualidade de todos morarem na mesma cidadezinha do interior da Alemanha.
A cidade de Winden, ficcionalmente conhecida por manter umas das usinas nucleares remanescentes do país, é palco dos misteriosos desaparecimentos de crianças e adolescentes que acontecem a cada 33 anos. O evento que desencadeia os acontecimentos ambientados em 2019 é o sumiço de Mikkel Nielsen (Daan Lennard Liebrenz), logo no piloto da série. Sem muitas delongas, nos episódios posteriores descobre-se que o garoto foi parar em 1986, ou seja, regressou 33 anos no passado. Não conseguindo retornar ao seu tempo de origem, Mikkel é adotado, cresce no passado, casa-se e torna-se pai do próprio amigo da infância anteriormente vivida em 2019, que é também protagonista da série, Jonas Kahnwald (Louis Hofmann).
Um componente prévio e importante da série é a fotografia única que, espetacularmente, foca em detalhes escondidos, mas que futuramente demonstram-s fundamentais para o enredo; bem como capta de maneira singular o sentimento de tristeza, raiva e remorso, comumente estampados nos rostos dos personagens. É da responsabilidade da fotografia e dos efeitos especiais que alguns cenários da locação sejam criados, como, por exemplo, as temidas cavernas na floresta, inventadas a partir da técnica de chroma key.
Outro elemento essencial em que a produção de Dark se apoia é parte da Teoria da Relatividade Geral desenvolvida por Albert Einstein – os buracos de minhoca. Segundo a teoria, a possibilidade da viagem no tempo-espaço tem início a partir deste artifício. De maneira simplista, um buraco de minhoca é como um atalho temporal e em, Dark, este se origina a partir de um acidente na usina em 1986, possibilitando que a energia nuclear gerada fosse suficiente para locomover indivíduos entre os ciclos de 33 anos. Ao decorrer dos episódios, é dessa forma que os entrelaçamentos da série ganham maior espaço: as linhas temporais de cada personagem convergem com versões passadas e futuras deles mesmos.
Em meio a uma trama cheia de reviravoltas que se desenvolvem ao longo das três temporadas, o protagonista Jonas tenta consertar e cessar os gatilhos que propiciaram todas as confusões temporais, mas posteriormente compreende que o tempo é imutável e que toda as ações tomadas são necessárias para sua própria existência. É notável a similaridade ao eterno retorno de Nietzsche, em que os indivíduos são predestinados a continuar repetindo os mesmos eventos como padrões cíclicos, representados pela cobra que devora a própria cauda, sutilmente inserida na trama como um amuleto; bem como a frase “o fim é começo e o começo é o fim” proferida repetidamente pelos personagens ao longo de suas próprias trajetórias.
Paradoxal? O sentimento de confusão é comum à maioria dos espectadores, que podem demorar um pouco para situar os personagens, elementos e épocas presenciadas. No entanto, Dark possui um enredo com desenvolvimento coordenado e devidamente amarrado, evidenciando seus propósitos à medida que cada peça se movimenta neste quebra-cabeça.
Nos momentos finais da série são inseridos os conceitos de multiversos, que são, hipoteticamente, um conjunto de universos possíveis: inclui o universo que habitamos e outros; estes são teoricamente variados entre si, mas decisivamente ligados. Na história, é a partir da criação deles que as distorções intrínsecas do tempo-espaço passam a existir.
Outras explicações ficam um tanto rápidas quando a série demonstra os primeiros sinais de adeus, o que confere a leve sensação de que os diretores estavam com pressa para concluir o enredo. Porém, a atuação dos intérpretes não deixa de ser exímia e tenaz, transmitindo as emoções dos personagens com vivacidade ao conectar os espectadores à trama e criando empatia no público aos dilemas enfrentados pelos sujeitos e solidariedade com muitas das dores ficcionais.
O final da história se desvenda primorosamente belo e justo, enquanto permeia e nega as dualidades humanas (como luz e trevas, bem e mal), expostas como explicações rasas acerca dos acontecimentos cotidianos; Dark triplica sua própria sustentação e afirma-se como uma carta de amor à ciência, ao tempo e aos seus inevitáveis desdobramentos. E é nas infinitas possibilidades – infinitos multiversos – que consagra-se como uma das séries mais brilhantes e aclamadas de ficção científica dos últimos tempos.
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A curiosisade das viagens no tempo (futuro) não é tão interessante e diria ate sem proposito quanto à do passado. Se o futuro nao existe, e o que foi feito e fazemos no presente determinará os acontecimentos que virão, e se queremos o melhor lá na frente, seria ótimo podermos muda-lo e melhorar para nós e para todos. Muito boa esta ideia é parabéns a esta série.
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