Não faz muito tempo que uma cinebiografia de Vincent van Gogh foi lançada. No último trimestre de 2017, Com Amor, Van Gogh (Loving Vincent) ousou em diversos aspectos: desde as cenas, memórias e roteiros surpreendentes, até o fato de que a animação deu vida a diversas obras do artista. Tamanha ousadia rendeu ao filme uma indicação ao Oscar 2018, na categoria Melhor Filme de Animação. Ao assistir No Portal da Eternidade (At Eternity’s Gate, 2019) torna-se inevitável as lembranças da animação, para os que já a assistiram.
Eu poderia dar o fato de uma ser animação e a outra uma live-action como diferenciação das duas cinebiografias. Contudo, seria ser simplista demais. O longa de 2019 não busca respostas sobre a morte de Van Gogh (Willem Dafoe), ele apresenta de forma singular, os diversos percalços que o artista teve que passar durante sua vida.
E mostrar isso já é desafiador. Por essa razão, a brilhante atuação de Dafoe lhe rendeu uma indicação de Melhor Ator na 91ª cerimônia do Oscar, a ser realizada em Los Angeles no dia 24 de fevereiro. Fato memorável para um experiente ator que já possuía três indicações da Academia para Melhor Ator Coadjuvante nas edições de 1987, 2001 e 2018. Outra curiosidade é a idade de Willem e Vincent. O ator tem 63 anos, enquanto Van Gogh faleceu nos seus 37. Mas isso passa longe de ser um impedimento à vivência que Dafoe dá à Vincent.
A maior parte do filme se passa em pequenas aldeias do interior francês. São elas Arles e Auvers-sur-Oise, locais que o holandês se refugia para escapar das pressões de Paris. Em Arles, ele fica hospedado em um quarto da Casa Amarela, que pertence a um café da vila, sob os cuidados de Madame Ginoux (Emmanuelle Seigner). Como inegável artista (ao menos hoje), usa as paisagens naturais desses lugares como válvula de escape para pintar seus quadros.
É Gaugin que alerta Vincent da toxicidade das pessoas de Arles, quando o pintor anuncia sua volta à Paris. Após isso, ocorre um episódio que poderia ter sido mais explorado no sentido dramático da coisa, mas que acontece com a naturalidade dos demais. Van Gogh decidiu cortar sua orelha esquerda para presentear Gaugin. Esse foi apenas um de seus extremos surtos, que o levou à diversas internações numa espécie de hospício da época.
São nessas internações que acontecem dois dos melhores momentos de No Portal da Eternidade. Na primeira internação, seu irmão Theo, quem sempre apoiou o protagonista enviando dinheiro e materiais artísticos, vai visitá-lo. Em uma forte demonstração de amor entre irmãos, os dois estão deitados na cama, com Vincent repousando a cabeça sobre o peito do Van Gogh caçula. Aqui percebemos o porquê de Theo sempre acreditar no poder artístico de Vincent, mesmo que não conseguisse vender uma obra sequer.
Quando internado pela segunda vez, vemos um Vincent confrontado por um padre sobre porque ele se considera pintor ou que faz obras bonitas. Em um grande diálogo entre os dois percebemos que No Portal da Eternidade quer nos mostrar também, como justificativa, o fato de Van Gogh estar a frente de seu tempo.
O final todos conhecem: Vincent morre após agonizar ao receber um tiro. No seu sepultamento, como forma de desprezo ou de consolação, Theo deixa no velório as obras do irmão jamais vendidas por ele em vida. E as pessoas escolhem qual levar, analisando uma a uma, sem saber que décadas depois teriam tesouros se preservassem corretamente (claro, pensando que esse evento de fato ocorreu).
O longa é marcante e o diretor Julian Schnabel, cineasta e também pintor, soube trabalhar muito bem todos os personagens, que, mesmo com a espetacular atuação de Willem, foram essenciais para o trabalho de Dafoe ser reconhecido pela Academia.
Com sucesso de construção de uma identidade única, No Portal da Eternidade acertou muito em escolher Willem Dafoe, além da brilhante fotografia e seu jogo de câmeras. Vale cada minuto, fique para os créditos finais.
O filme com indicação ao Oscar estreia dia 7 de fevereiro. Confira aqui o trailer: