É impressionante a forma como Jordan Peele extrai de histórias aparentemente simples ideias criativas e mirabolantes que nos fazem questionar “como foi que ele pensou nisso?”. O diretor, que ganhou os holofotes da indústria do cinema com Corra! (Get Out, 2017), seu primeiro longa-metragem, traz mais uma vez outro filme igualmente assustador e perturbador. Nós (Us, 2019) causa desconforto, incômodo e é eficaz ao assustar com uma premissa simples: uma família que viaja para sua casa de veraneio na praia e começa a ser perseguida por clones bizarros.
O trabalho estético do longa é impecável. A fotografia se molda a cada momento e é essencial para passar o clima das cenas. No começo, geralmente durante o dia, as cores são vivas e intensas. Já nas situações mais tensas torna-se obscura, deixando tudo mais sugestivo e contribuindo para o aumento da tensão.
Peele não surpreende ninguém ao apresentar direção impecável. É possível ver seu brilhantismo a todo momento já que nada, absolutamente nada, é filmado sem algum propósito. A família andando pela praia sob o Sol intenso é mostrada de cima, ressaltando suas sombras. No começo isso não parece indicar nada além de um plano puramente estético, mas basta esperar o caminhar da história para descobrir a ligação com a aparição dos clones e a história contada por um deles. Não só isso, mas a menção a passagem bíblica de Jeremias 11:11 e o uso constante da figura de coelhos.
O roteiro também não deixa a desejar. Nós é aquele típico filme que instiga todos a criarem teorias sobre o que está acontecendo. Nesse ponto, prende o espectador que passa a prestar atenção em cada detalhe em busca de solucionar o mistério. E sim, o diretor consegue surpreender na hora de explicar a motivação dos clones. Macabro e bizarro são palavras que conseguem descrever muito bem o longa e seu desfecho 一 que se torna mais genial ao deixar algumas “pontas soltas” responsáveis por instigar a imaginação de quem assiste.
As personagens femininas roubam completamente a cena. Lupita Nyong’o interpreta Adelaide, a matriarca da família. Com uma atuação impecável e de tirar o fôlego, é ela quem toma a frente e as atitudes mais sensatas quando os clones aparecem, subvertendo o estereótipo de personagens burros em filmes de terror. A inversão feita com Gabe (Winston Duke), seu marido, também é um ponto de destaque. Ele é atrapalhado, faz piadas a todo instante (o que não quebra o clima do filme) e não é nada daquilo que espera de um homem, diferente de Adelaide que é mais racional e estrategista, protagonizando quase todas as cenas de conflito. Zora (Shahadi Wright Joseph), filha do casal, também recebe muito destaque, principalmente nos momentos em que luta contra os clones. Elisabeth Moss também compõe o elenco, surpreendendo mesmo com poucos minutos de tela.
O terror se concentra na aura bizarra da história. O longa não investe no gore e em jumpscares, mas sim na tensão da premissa e na forma como desenvolve os acontecimentos. Outro elemento muito bem utilizado e que causa arrepios é a trilha sonora, escolhida a dedo para gerar incômodo. As metáforas do filme são muito mais sutis ficando mais a cargo das interpretações de cada um. O foco é contar uma história de horror criativa, diferente e perturbadora.
Nós preza pelo desenvolvimento de personagens e enredo, fazendo isso da maneira mais satisfatória possível. Não dá para tirar os olhos da tela que sugere, aterroriza e provoca. Parece cedo falar mas é um longa que todos devem ficar de olho durante a temporada de premiações.
O filme chega aos cinemas no dia 21 de março. O trailer estará linkado no final do texto, mas tomando certa liberdade, sugiro que não assista. Quanto menos você souber do que se trata melhor será sua experiência.
por Marcelo Canquerino
marcelocanquerino@gmail.com