Lady Gaga irrompeu no mainstream com irreverência. Ao longo dos anos, cimentou seu espaço na cultura pop ao revitalizar tendências e navegar por gêneros e estéticas diversas. Gaga nunca inventou a roda, mas sempre a dominou, a fim de expelir sua arte com a assertividade de quem conquistou sua própria pista de dança. É esse, entre outros feitos, que a cantora-compositora celebra em seu sexto álbum, Chromatica, lançado em 29 de maio.
Em 16 faixas, constrói uma nova realidade, infestada de cores e aspirações retrofuturistas, ocupada por batidas eletrônicas da house music e orquestrações análogas a épicos cinematográficos. Pelos 43 minutos de duração, o álbum consolida o retorno à música pop monumental que a alçou ao estrelato. Longe de uma revisitação simplista a antigas sonoridades, Gaga, com o auxílio do produtor executivo BloodPop®, narra uma jornada extremamente pessoal.
A divisão em três atos, cada qual marcado por seu próprio interlúdio sinfônico, esboça a procura da cantora por salvação da realidade que a circunda, seja ela fama, cicatrizes psicológicas ou convenções sociais. Nessa busca, encontra Chromatica, ambiente livre de amargura e regido por quem chama de “punks gentis”. É um delírio utópico que parece ambicioso e escrachado demais, mas sutileza e modéstia nunca foram sinônimas à Gaga.
Ao longo do ato de abertura, observamos sua determinação à tal busca. “Preferia estar seca, mas ao menos estou viva”, ela vocifera ao lado de Ariana Grande em Rain on Me. Não é a escrita mais potente ou única, mas a entrega implacável parece ameaçar qualquer um que ouse a confrontar. A vulnerabilidade está em todas as canções, e potencializa o impacto do tom, contrário à depreciação da imponência de uma personalidade escultural e dona da própria dimensão. Se no infame Artpop, seu quarto álbum solo, imaginava a fusão entre o popular e o erudito, em Chromatica faz seus próprios rótulos, ainda que os destrua ao mesmo tempo.
A síntese da jornada chega com Sine From Above, colaboração com Elton John e abordagem mais direta da emancipação pretendida. Verbalizam em uníssono: “antes do amor, havia silêncio”. E se para Gaga o amor é o som, Chromatica é a declaração mais efetiva de tal afirmação. Não há sequer um segundo de quietude. As baladas que sempre marcaram os álbuns da cantora não deixam traço a ser visto. Se o esperado era uma suave canção no espírito de sucessos do pianista, como Your Song (que já foi até regravada por Gaga), o que há é a entrega de 20 segundos finais disruptivos, puramente compostos por percussão e baixo.
Chromatica é o sincretismo dos dez anos de carreira de quem já virou parte indispensável da música contemporânea. É a junção de seu corpo ensanguentado sobre o palco do Video Music Awards de 2009 ao coração de seus esforços mais acústicos na trilha de Nasce Uma Estrela. O que faz de Chromatica algo especial é a introspecção positiva e dançante, executada antes por nomes como Robyn, mas aqui completamente própria à Gaga. Se, há três anos e meio, tentava compreender o trauma alheio em Joanne, hoje explora sua própria psique e nos leva em uma jornada intergaláctica e crua, polida em suas perturbações e sua excentricidade.