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O culto a magreza nas séries teens 

As séries teens dos anos 2000 ainda são consideradas icônicas por seus fãs, porém impactaram negativamente a sua autoimagem
Por Lívia Uchoa (livia.uchoa@usp.br)

É inegável o sucesso de séries teens como Gossip Girl (2007-2012), Pretty Little Liars (2010-2017), The Vampire Diaries (2009-2017), Teen Wolf (2011-2017), The OC (2003-2007) e muitas outras. Apesar de terem sido lançadas há mais de 10 anos, ainda hoje, elas são consideradas icônicas por seus fãs brasileiros.

Para Guilherme Rodrigues, estudante de Engenharia Química, “personagens icônicos criam séries icônicas”. Com base em sua experiência, ele reconhece que a identificação do telespectador com o personagem é o que faz essas produções serem tão inesquecíveis.

Já para Isabelle Borges, estudante de Relações Internacionais e fã da série norte-americana Gossip Girl, além dos personagens que a inspiraram, o que faz a produção ser tão influente é a construção da identidade da série, em conjunto com os looks dos personagens, que para ela são atemporais já que na sua visão “a moda é reciclável”. 

Outros fãs apontam que o que faz essas séries serem tão memoráveis é o sentimento de pertencimento ao assistir os episódios, como diz a aluna de Jornalismo Letícia Heloísa:

“Essa era a sensação: de que você era parte da história e era um dos motivos da série acontecer e se desenvolver. Foi como assistir uma narrativa para que eu pudesse construir a minha própria”.

Esse sentimento acontece porque os personagens têm a mesma idade dos telespectadores, eles passam pelas mesmas crises da adolescência, as mesmas dúvidas, problemas no amor, questões na escola e na vida que fazem com que o jovem que as assiste se sinta compreendido. É como se o fã amadurecesse junto com seu personagem favorito. Eles crescem assistindo essas produções e criam um vínculo que pode explicar o porquê de muitas pessoas ainda amarem as séries teens dos anos 2000. O sentimento de nostalgia ao assistir um episódio ou ao escutar a música da introdução também faz com que essas produções sejam lembradas mesmo depois de tanto tempo.

A supervalorização do corpo magro 

Apesar das crises dos personagens serem parecidas com os problemas dos adolescentes fora das telas, algumas séries ainda eram ficcionais e muitas vezes iam para o lado místico, como é o caso de The Vampire Diaries e Teen Wolf.  Suas tramas são cheias de magia e efeitos especiais, mas são também uma “ficção da realidade”, tendo em vista que elas mostram um padrão de vida e estético irreal para a maior parte do público da série, os adolescentes. 

Essa representação idealizada da vida, como em Gossip Girl, que mostra a rotina glamourosa e privilegiada de jovens nova-iorquinos, para muitos gerou uma exacerbada comparação que impactou negativamente o desenvolvimento de sua autoestima, principalmente para as meninas. 

A série encantou os fãs com os dramas da elite do Upper West Side [Imagem: Divulgação/Instagram @gossipgirl]

No caso das séries teens dos anos 2000, a problemática do padrão de beleza está diretamente ligada com a valorização extrema da magreza, tendo em vista que as personagens principais eram exaltadas por serem magras, além de apresentarem comportamentos tóxicos em relação a alimentação ou aos seus corpos, o que não foi questionado e problematizado nas produções da época.

Na série Pretty Little Liars, Hanna Marin, uma das protagonistas, interpretada pela atriz Ashley Benson, é constantemente humilhada por ter estado acima do peso no passado. A questão é que Hanna desenvolve uma relação tóxica com a comida e com a sua auto imagem, sendo influenciada por Alison DiLaurentis a praticar atos bulímicos, como mostra o episódio 13 da primeira temporada.

Na série a personagem era ridicularizada com o apelido “Hanna Baleia” [Imagem: Reprodução/Flickr]

Além disso, a imagem de Alison, que era considerada como a “popular” do grupo, é associada à magreza, trazendo assim a ideia de que para a adolescente ser feliz, bonita e ter amigos é necessário que ela seja magra, e a série mostra que foi isso que aconteceu com Hanna após emagrecer.

“Eu ficava: ‘Ah, mas faz sentido porque depois que ela ficou magra ela ficou bonita, ficou popular, se eu fizesse isso, talvez eu conseguiria ter essa coisa’’

 Isabelle Borges 

Já em Gossip Girl, a valorização do corpo magro estava muito presente na narrativa da personagem principal Blair, já que a personagem sofria muita pressão estética de sua mãe, como no primeiro episódio, em que ela diz que se preocupa com o que sua filha veste, porque em suas palavras ela nunca será tão bonita, magra ou feliz como é naquele momento. Assim como Hanna, Blair se comparava muito com suas amigas e também sofria com a bulimia, como mostra o episódio 9 da primeira temporada. 

Com esses exemplos, é evidente que as séries são como espelhos da sociedade atual, que ainda propaga e normaliza falas e comportamentos gordofóbicos. A exposição prematura de jovens mulheres a esse pensamento de que “ser magra resolve tudo” é extremamente perigoso, em especial no cenário brasileiro, já que os padrões dessas séries norte-americanas não representam os diferentes biotipos brasileiros. 

A comparação fantasiada de inspiração: reflexo na vida dos adolescentes

Um dos motivos de fazermos qualquer coisa nesse mundo é nos identificarmos com algo, e isso não muda nas séries. 

Guilherme Rodrigues

Para um pré-adolescente, criar uma identidade e personalidade própria é um desafio, por isso eles buscam sua individualidade dentro de grupos para que se sintam mais seguros e aceitos. As séries teens podem atuar como esse “grupo”, como afirma Letícia: “Me sentia amiga das personagens principais e incluída em um grupo”.

O adolescente, quando está nesses grupos, vai buscar constantemente a aprovação dos outros, e consequentemente vai se comparar, como explica a psicóloga infanto-juvenil Sabrina Pani. 

A comparação é a constante busca pela aceitação [Imagem: Reprodução/Pixabay]

“Eu não vou falar que eu desenvolvi um transtorno alimentar por causa disso, mas eu me comparava sim…eu queria ser magra igual a elas, queria ter a vida delas. Então teve muita comparação, ainda mais na pré-adolescência”, diz Isabelle.

Pani também esclarece que essa comparação exacerbada com personagens fictícios pode influenciar no desenvolvimento de transtornos alimentares: “A gente sabe que o componente cultural é muito forte, e esse conteúdo se expressa tanto em séries, publicidades, revistas e está muito presente esse padrão corporal magro”. Essas séries, sozinhas, não são responsáveis pelos transtornos alimentares, mas quando em conjunto com outros fatores, podem ajudar a desencadeá-los. 

Hoje, com 19 anos, Isabelle reconhece muitas problemáticas envolvendo a autoimagem que foram normalizadas pelas séries e por ela mesma, até porque assistiu a maioria delas com menos de 15 anos. ”Não me arrependo porque acho que foi com isso que foi me moldando, sabe?”, e ainda acrescenta a importância de reassistir os episódios com mais maturidade para ter uma visão mais crítica.

Sasha Pieterse e o bullying fora das telinhas 

Um reflexo dessa pressão estética é o caso da atriz Sasha Pieterse, que interpreta a protagonista Alison, de Pretty Little Liars. No lançamento da quinta temporada da série, em 2015, a atriz sofreu duras críticas em relação ao seu aumento de peso, sendo muitas dessas críticas vindas dos próprios telespectadores da série. A rejeição gerou revolta nos fãs brasileiros de Sasha, que responderam as críticas no Twitter com as hashtags “Sasha Pieterse is our angel” (em tradução livre: Sasha Pieterse é nosso anjo) e “Sasha Pieterse is strong” (em tradução livre: Sasha Pieterse é forte).

A atriz sofreu por anos com a variação de peso, consequência de um problema hormonal gerado pelo ovário policístico, e veio à mídia, pelo seu Instagram, para responder os comentários maldosos, que desqualificava todo seu trabalho e resumiam ela e sua personagem apenas à questão estética. Em seu pronunciamento, Sasha defendeu o amor e a diminuição do julgamento ao próximo, além de reforçar a importância da saúde em primeiro lugar.

Atriz Sasha Pieterse que interpreta a personagem Alison em Pretty Little Liars. [Imagem: Reprodução/Flickr]

Um novo olhar 

Atualmente, a falta de representatividade de corpos diversos nas produções teens é duramente criticada, principalmente na internet, que já reconhece o impacto negativo na saúde mental de muitas meninas que crescem assistindo essas séries e não se sentem representadas. 

Um reflexo disso é o aumento da diversidade de corpos nas séries teens, com ênfase para a diversidade no elenco principal, mostrando, por exemplo, que personagens gordas podem ser protagonistas ao invés de apenas a amiga da principal ou o alívio cômico da série. Um caso disso é a série britânica My Mad Fat Diary (2013-2015), com a protagonista Rae. Além disso, muitas séries antigas estão sendo relançadas em forma de reboots, como é o caso de Gossip Girl e Pretty Little Liars. 

“Foi a primeira vez que eu vi uma história como essa em que eu poderia ser a protagonista”, conta Sharon Rooney, atriz que interpreta Rae em entrevista para “The Guardian” (tradução livre). [Imagem: Divulgação/Prime Video] 

Os reboots muitas vezes são duramente criticados pelos fãs por não terem a mesma “essência” dos originais, mas o intuito deles não é ser uma substituição dos originais, e sim uma nova versão da produção. Eles são importantes para refletir o pensamento atual, que questiona os preconceitos antes normalizados. 

“Levo essas séries antigas como uma parte da minha vida, toda vez que eu reassisto é um quentinho do coração”, declara Isabelle. 

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