por Jullyanna Salles salles.candido@gmail.com
No ano de 1989 o muro de Berlim foi derrubado e com isso, se iniciava um processo de unificação entre a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental, comunista) e a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental, capitalista). Muitos consideram este fato o maior símbolo do fim da Guerra Fria que, durante décadas, dividiu nações de acordo com sua ideologia política. A Noruega, país do norte europeu, sempre possuiu relevante envolvimento político em questões internacionais. Tore Renberg, escritor do país, fez uso deste cenário para um romance que, em 2008, seria adaptado ao cinema e teria uma boa repercussão.
O Homem Que Amava Yngve (Mannen Som Elsket Yngve, 2008), dirigido por Stian Kristiansen é um filme que foge de todos os padrões e clichês adolescentes. A sensibilidade da produção se concentra, principalmente, na interpretação dos atores. No roteiro, Jarle Klepp (vivido por Rolf Kristian Larsen) é um jovem descontente com tudo, como deixa claro na primeira cena. Sozinho, o protagonista discursa para a câmera suas insatisfações com a política, com as relações humanas e com a vida. É assim que conhece o futuro amigo Helge, que após concordar com suas reclamações subjetivas, aponta para Katrine, uma garota da turma e que, para eles, representa um problema mais palpável da adolescência: sexo.
Após alguns meses, Jarle já está em uma situação bem mais estável: namorando Katrine, sendo vocalista da Mathias Rust Band e com a amizade de Helge. Ele já não está sozinho e sua rotina é repleta de prazeres juvenis. É neste momento que Yngve é inserido na história. O novo aluno da classe é absurdamente tímido, joga tenis e é fã de músicas vindas de um país imperialista, ou seja, bastante adverso ao punk, comunista e icônico Jarle Klepp. As diferenças não impedem que os dois se apaixonem, vivendo uma aproximação problemática e desesperadora para o protagonista.
Tal qual o muro de Berlim, a paixão de Klepp é extrema e tem consequências mais complicadas do que se pode esperar. Algumas das atitudes irresponsáveis do jovem culminam no fim de seu namoro com Katrine e da amizade com Helge. Com Yngve, as coisas são ainda mais delicadas, já que envolvem problemas psiquiátricos e muito remorso. Ao final, Jarle se vê novamente sozinho, voltando a dar atenção à câmera, mas dessa vez em silêncio. Tentando dizer o impronunciável através de um olhar fixo e com a ajuda da (tão bem colocada) música Love Will Tear Us Apart do Joy Division.
Após três anos do sucesso do longa, a história ganhou uma sequência. Em I Travel Alone (Jeg reiser alene, 2011), Jarle está fazendo pós graduação, é um pesquisador de Proust. É neste momento não muito oportuno de sua vida que descobre que possui uma filha, Charlotte Isabel, com já sete anos. A mãe da garota a envia ao pai por uma semana, alegando problemas pessoais em seu relacionamento atual. De um dia para o outro, o rapaz precisa readaptar a sua rotina e aprender a lidar com um papel paternal que sempre desconheceu. Não existem referências à Katrine, Helge ou Yngve e o longa se diferencia de forma relevante da história que o precedeu.
Desta vez, Stian Kristiansen dirige uma comédia recheada dos clichês inexistentes no primeiro filme. Um destaque que deve ser feito é o da trilha sonora, repleta de material regional e que contribui para a originalidade e valorização de um filme tipicamente norueguês.
Em seguida, foi lançado também um prequel (uma produção cujo o enredo se passa em um momento cronológico anterior ao de outro filme já lançado da saga). Desta vez, o tom dramático é recuperado e aprofundado, não há muita comicidade a ser explorada. The Orheim Company (Kompani Orheim, 2012) apresenta Jarle pré-adolescente, tendo de conviver com um pai alcoólatra que se torna violento a ponto de agredir fisicamente sua mãe. É neste momento que a relação conturbada dos dois, mostrada de maneira bem rasa em O homem que amava Yngve, é explicada ao público.
Além disso, é nesta época que o senso político e o pensamento crítico do personagem é desenvolvido. Só então o garoto vai além das já cansativas histórias sobre a resistência norueguesa à Alemanha nazista e se depara com ideologias e movimentos sociais como o comunismo, socialismo e feminismo. Existem algumas incoerências no longa em relação ao primeiro. Neste, Jarle se torna amigo de Helge bem antes de 1989, ambos envolvidos no movimento estudantil da época. O ator que interpreta o protagonista também muda, passa a ser o jovem Vebjørn Enger, mas é necessário reconhecer a sua interpretação de alta qualidade, sobretudo nas cenas mais delicadas e dramáticas.
Em nenhum dos filmes a produção é medíocre, todos apresentam cortes bem feitos e uma fotografia agradável. The Orheim Company, no entanto, supera expectativas e mostra não só paisagens incríveis, mas também harmonias de cores entre as cenas. A preferência por tons claros evidenciam sempre os cabelos ruivos do ator, conferindo a ele um destaque estético além do protagonismo garantido pelo roteiro. A trilogia não seqüencial é uma ótima oportunidade de conhecer um pouco mais do cinema norueguês, além da cultura e do rígido idioma do país.
Que demais me deparar com esse texto mesmo que cinco anos depois de publicado! Jarle é um personagem apaixonante e uma pena Yngve se dissipar no vai e vem dos outros dois filmes. I Travel Alone baixei com legenda em inglês, mas Orheim Company nunca encontrei. Nesse mês, enfim estou lendo o livro, publicado no Brasil pela Editora DBA, e que surpresa boa! Todo o não-dito do primeiro filme, o que estaria por trás dos olhares de Jarle, são tão detalhadamente esclarecidos. Ele estava enlouquecidamente apaixonado! Era um louco de amor. Coisa que o filme não diz assim tanto às claras. O livro também fala desse início com Helge no movimento estudantil. Vou tentar mais uma vez encontrar o terceiro filme! E parabéns pelo texto.