Por Alex Teruel (alexteruel@usp.br) e Beatriz La Corte (beatrizlacorte@usp.br)
No dia 10 de junho, a divulgação dos primeiros resultados parciais das eleições para o Parlamento Europeu, órgão legislativo da União Europeia, revelou um cenário já esperado de ascensão da extrema-direita. Essa tendência impacta diretamente assuntos relevantes da geopolítica europeia, como a imigração e as decisões econômicas, sociais e ambientais.
Com o encerramento da contagem de votos em 20 dos 27 países votantes até o momento da apuração (18/06), as principais mudanças registradas foram o ganho de 14 cadeiras para o Partido Popular Europeu (PPE) — coligação de ideologia conservadora, democrata e cristã, desde 1999 majoritário no Parlamento Europeu —, e a perda de 22 cadeiras para o Renovar a Europa (RN), grupo parlamentar de alinhamento liberal e associado ao presidente francês Emmanuel Macron.
Tal evento político, que teve início na quinta-feira, 6 de junho, e se encerrou no domingo, dia 9, ocorre a cada 5 anos, e é a única eleição direta da União Europeia (UE) — bloco econômico e político composto por países europeus. A eleição conta com a participação de todos os seus membros, apesar de o voto ser obrigatório em apenas quatro (Bélgica, Bulgária, Grécia e Luxemburgo) dos vinte e sete países que o compõem.
Após as eleições, os assentos no Parlamento são distribuídos proporcionalmente com base nos votos recebidos por cada partido em cada país. Isso significa que os partidos com mais votos têm mais representantes no Parlamento. Uma vez eleitos, os membros do Parlamento Europeu devem trabalhar juntos para criar legislação, fiscalizar as instituições da UE e representar os interesses dos cidadãos europeus em questões políticas e de governança.
Em relação ao mandato anterior, o número de eurodeputados — representantes eleitos para o Parlamento — aumentou de 705 para 720.
A quantidade de eurodeputados por país é decidida antes da eleição, considerando a proporção populacional dos Estados-Membros, de forma a garantir representação de países menores por meio de uma chamada “proporcionalidade degressiva”.
Ascensão da extrema-direita
O internacionalista e cientista político Matheus Fröhlich comenta em entrevista à Jornalismo Júnior que essas eleições funcionam como um “termômetro” do cenário político nacional. Isso porque, nesse processo, o eleitor vota em partidos de seus países, que, após eleitos, se reagrupam em coligações no Parlamento.
Segundo Fröhlich, observa-se uma virada conservadora nestas eleições, já que os três países com mais assentos no Parlamento, a Alemanha (96), a França (79) e a Itália (76), tiveram votações expressivas na extrema-direita.
O crescimento da direita na Europa já podia ser observado, com a ascensão de políticos como Viktor Orbán (primeiro-ministro da Hungria), Marine LePen (apontada como maior oponente do atual líder francês) e Giorgia Meloni (primeira-ministra da Itália). Porém, o resultado em alguns países surpreendeu os eleitores e especialistas, como foi o caso da Alemanha.
“Após os traumas da 2a Guerra Mundial, o sistema alemão tornou-se mais rígido em relação a extremismos. Não tinha muita vocalização da extrema-direita por lá”
Matheus Fröhlich
Os resultados atuais, entretanto, demonstram uma mudança. O partido alemão AfD (Alternativa para a Alemanha), conhecido por seus extremismos e retórica populista, ficou em segundo lugar nessas eleições. “Apesar do crescimento constante do AfD nos últimos anos, a sua alta posição nas urnas não era algo esperado”, comenta o internacionalista.
O resultado expressivo da extrema-direita na Alemanha também foi uma surpresa para Giulia Vercelli, italiana que reside em Berlim há cinco anos. “Não tenho ideia de quem são esses votos, tenho dificuldade de conversar com pessoas da extrema-direita alemã, por nem saber onde elas estão”, diz a italiana à Jornalismo Júnior. Para Giulia, os extremismos crescem dentro de suas próprias bolhas ideológicas e, por isso, o público geral só toma consciência do fenômeno quando ele já está grande. Segundo ela, esse pode ter sido o caso da Alemanha.
Em geral, alguns fatores políticos explicam o descontentamento dos europeus com a atual gestão da União Europeia. Fröhlich comenta que duas questões estão em alta nos debates políticos na Europa: as imigrações e as guerras, especialmente a da Rússia e Ucrânia.
A crise migratória no continente europeu aumentou de maneira expressiva em 2015, na época dos conflitos na Síria e no Afeganistão. Desde então, a Europa tem apresentado fortes movimentações xenofóbicas, diz Giulia.
“Existe um mundo em que os povos europeus são misturados com aqueles que chegam de fora da Europa. Esse é um mundo de raças mistas. […] Não queremos nos tornar povos mestiços.”
Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria
Fröhlich desenvolve sua tese de doutorado com foco nas migrações internacionais e explicou como esse fenômeno ocorre na Europa. O Sistema Europeu Comum de Asilo é regido pela Regulamentação Dublin. Esse código determina que o imigrante deve residir no país por onde entrou no continente.
O especialista explica que refugiados em situação de vulnerabilidade geralmente migram por vias marítimas ou terrestres. Segundo ele, a forma com que essa imigração é organizada sobrecarrega algumas vias de entrada, como a Itália, a Grécia e a Espanha, países os quais tecem críticas a essa legislação.
Com o aumento das migrações, a União Europeia tem revisitado esse acordo para uma “compensação” pelo recebimento dos refugiados. Esse sistema, porém, gera insatisfação nos países que anteriormente recebiam menos imigrantes, como é o caso da Polônia, explica o internacionalista.
“A forma com que a União Europeia pautou essa legislação dificulta uma acolhida humanizada dos refugiados”
Matheus Fröhlich
No que diz respeito às guerras, apesar de uma movimentação europeia maior em relação à Questão Palestina, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia é o que mais movimenta os debates políticos atuais no continente. O internacionalista aponta que existem discussões a favor de uma “europeização” da guerra: os ataques deixariam de ser percebidos como direcionados à uma parte da Europa, para serem vistos como uma afronta ao continente.
De maneira geral, Fröhlich comenta: “A ascensão de partidos reformistas ao poder representa a insatisfação com a maneira que a política está sendo feita e expressa uma vontade da população de serem ouvidos”. O especialista aponta que esse apelo estava firme nos movimentos Anti-União Europeia. Porém, após a repercussão negativa do Brexit, a estratégia desses grupos tem sido tentar alterar o sistema por dentro.
Impactos das eleições na Europa
No panorama geral, o cenário político do Parlamento Europeu e dos líderes nacionais não sofreu alteração brusca. Fröhlich explica que os partidos políticos dominantes — em geral, de centro — continuam na liderança, mas, com os resultados atuais, espera-se uma vocalização maior da oposição extremista.
“O impacto a curto prazo é a diferença na própria composição do Parlamento e uma mudança na maneira que as costuras políticas são feitas na União Europeia”, diz o especialista. Ele explica que, no bloco econômico, os projetos e documentos são sempre muito revisados e discutidos antes de serem lançados. “A opinião da UE é quase sempre um consenso, porque todas as palavras são muito bem calculadas, não existe vírgula fora de um contexto já previamente discutido. A questão é que agora tem uma ‘gangorra’ que puxa para a extrema-direita e eles vão ter que alocar esses novos atores”, completa.
Na França, uma hora após o fechamento da votação e a menos de 50 dias das olimpíadas de Paris, o presidente Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional e antecipou as eleições parlamentares nacionais para o dia 30 de junho. No país, o partido de ultradireita Reagrupamento Nacional (RN), liderado por Marine Le Pen, recebeu 31,37% dos votos para o Parlamento Europeu.
A decisão de Macron é interpretada como uma busca por um parlamento governista, antes de um crescimento ainda maior da oposição. Na França, os atuais primeiro-ministro Gabriel Attal e presidente Emmanuel Macron fazem parte do mesmo partido, o Renascimento. Fröhlich comenta que com a ascensão da RN, um parlamento oposicionista dificultaria a ação do governo.
Em relação às imigrações, o especialista aponta que existe uma tendência de tentar diminuir a entrada de pessoas, focando em absorver apenas imigrantes brancos ou do Norte global. Para exemplificar, Fröhlich explica que, apesar da movimentação anti-refúgio, os países europeus fazem ressalvas para os ucranianos e se demonstram mais dispostos a recebê-los.
No cenário italiano, Giorgia Meloni comemorou os resultados do seu partido, Amigos da Itália (FdL) nas eleições, que obteve 28,59% dos votos. “Estou orgulhosa de que a Itália se apresentará ao G7, à Europa, com o governo mais forte de todos. Isso é algo que não aconteceu no passado, mas está acontecendo hoje, é uma satisfação e também uma grande responsabilidade”, afirmou a premiê em discurso oficial na sede do partido no dia seguinte ao encerramento das eleições.
Embora na maior parte da Europa tenha havido um crescimento da extrema-direita, o mesmo movimento não foi registrado nos países nórdicos. A Dinamarca, a Suécia e a Finlândia registaram melhores desempenhos dos partidos de centro-esquerda, e Verdes — grupo que defende a proteção do ambiente, a justiça social e a existência da União Europeia — nessas eleições até o momento da apuração.
*Imagem de capa: Reprodução/Parlamento Europeu