Havia uma tensão no ar. Em 7 de agosto de 1992, a seleção brasileira enfrentou um fantasma do passado: os Estados Unidos na semifinal das Olimpíadas de Barcelona. Oito anos antes, o Brasil foi derrotado pelo país em Los Angeles. A situação não era favorável: os jogadores brasileiros começaram perdendo o primeiro set. Os ânimos baixaram, mas não demorou para a situação mudar, com a vitória nos segundo e terceiro set. O quarto set acirrado: por causa de uma bola fora de Giovane, levantador da seleção, e um erro na recepção, os Estados Unidos quase viraram a pontuação, que foi de 13/10 para 13/12, ainda com o Brasil à frente no placar. Foi um jogo difícil, mas o elenco brasileiro saiu vitorioso por 15/12.
O êxito contra os americanos colocou a seleção na reta final rumo ao ouro. Os jogadores nem imaginavam que a campanha de 1992 faria deles ídolos nacionais e marcaria para sempre a trajetória do esporte no país.
Revisitando do passado: a seleção brasileira em Barcelona
“92 foi quando… se eu falar para você que foi ali que começou, não foi. Foi em 84, na medalha de prata, quando Brasil sobe pela primeira vez no pódio”, comenta Anderson Rodrigues, oposto da seleção no ouro olímpico de 2004 (o segundo ouro do voleibol masculino do Brasil) e da prata em Pequim-2008. “Temos que ter um respeito muito grande pelo grupo de 84. A campanha de 92 veio para carimbar uma era de prata.”
Após o vice em Los Angeles-84 e o 4° lugar em Seul-88, ambos comandados pelo técnico Bebeto de Freitas, um dos melhores do mundo, a seleção brasileira desembarcou nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 sem estar entre as favoritas: “Um quinto lugar era perfeito para nós, que éramos um time novo, uma seleção buscando seu espaço, mas sem expressão até então no mercado e no ranking internacional”, conta Paulão, central da seleção de 92.
“O ouro em 92 foi meio inesperado”, diz Anderson. “O próprio Zé Roberto falou que era um projeto para ganhar em 96.” Depois de anos sob o comando de Bebeto, José Roberto Guimarães, ex-levantador, assumiu o comando da seleção já no ano Olímpico. O técnico jovem, com 37 anos, e pouca experiência vinha traçando sua carreira para treinar as bases, mas acabou no maior evento esportivo do mundo com o desafio de substituir Bebeto. “No meu ponto de vista, Bebeto é um precursor tanto de Zé Roberto, quanto de Bernardinho. Isso deu uma condição muito boa de técnica para os dois. O Zé Roberto entra em uma seleção desacreditada, novata pra caramba”, relembra Paulão.
Fato é que, mesmo desacreditada, aconteceu o que “quase ninguém esperava”, nas palavras de Paulão, e o Brasil conquistou o ouro olímpico, o primeiro do vôlei e de esportes coletivos do país. De forma inovadora, Zé Roberto buscou novas formas dos jogadores atuarem em quadra e aproveitou as características de cada um.
O coletivo forte também fez a diferença: “O principal fator para a vitória foi a unidade da equipe em todos os sentidos. Tínhamos objetivos comuns muito fortes”, conta Talmo, levantador da seleção de 92. Paulão concorda. “De repente, há uma série de pequenas coisas, como rezar junto, usar o uniforme e sair junto para comer, que até então a gente fazia por conta própria. Isso foi marcante.”
E os resultados começaram a aparecer: “Fomos para fazer nosso melhor na Olimpíada. O resultado foi construído e passou a ser acreditado no decorrer dos jogos. A confiança foi sendo adquirida e tudo chegou ao ponto máximo com o título”, recorda Talmo.
Na quadra
A campanha invicta, com 8 vitórias em 8 jogos e apenas 3 sets perdidos ao longo da competição, começou com o confronto contra a Coreia do Sul. O 3 a 0 (15/13, 16/14 e 15/7. Na época, o set fechava em 15 pontos) foi só o início do caminho que levaria Maurício, Talmo, Marcelo Negrão, Janelson, Jorge Edson, Tande, Giovane, Paulão, Pampa, Douglas Chiarotti, Amauri, Carlão e o técnico Zé Roberto para o lugar mais alto do pódio.
O segundo jogo foi contra a Equipe Unificada, formada por países da União Soviética – que havia se dissolvido um ano antes, em 1991. O Brasil começou muito bem o confronto, com vitória nos dois primeiros sets, por 15/6 e 15/7. A Equipe Unificada venceu o terceiro set por 15/9, mas o jogo terminou em 3 a 1 para o Brasil. Essa vitória começa a chamar atenção do mundo para o potencial da seleção brasileira: um time entrosado, com jogadores atacando de várias posições, além do bloqueio e a defesa efetivos.
Mais três jogos da seleção fecharam a fase de grupos: um 3 a 0 na Holanda (15/11, 15/9 e 15/4), 3 a 1 em Cuba (15/6, 15/8, 12/15 e 15/6) e 3 a 0 em cima da Argélia (15/8, 15/13 e 15/9). As cinco vitórias garantiram o primeiro lugar do Brasil no grupo e o chaveamento reservou um confronto com o Japão pelas quartas de final.
Mais uma vitória por 3 a 0 (15/12, 15/5 e 15/12) levou o Brasil para a semifinal contra os Estados Unidos. Entre as quatro melhores da competição, a seleção já havia cumprido sua meta inicial. Mesmo assim, havia uma grande pressão nesse jogo, pois nas duas edições anteriores dos Jogos Olímpicos, a equipe tinha sido eliminada justamente pela seleção norte-americana.
Para Paulão, o jogo contra os EUA foi o mais difícil de toda a campanha olímpica. “O jogo mais difícil foi contra os americanos, porque eles têm uma tática de jogo muito forte, marcam muito bem seus adversários. Isso é tradição. Eles ganharam o primeiro set e deu um nervosismo, pois até então nós tínhamos perdido muito pouco.” O Brasil começou com derrota no primeiro set, por 12/15, mas a reação veio rápido, com 15/8, 15/9 e 15/12 e a seleção fechou a partida em 3 a 1.
Com ao menos a prata garantida, os jogadores poderiam repetir a melhor campanha do país até então. Mais uma vitória e a equipe chegaria ao ouro histórico. Mesmo ansiosos e com dificuldades para dormir, a seleção manteve os pés no chão, concentrou-se nos treinos e em sua coletividade até o dia da partida.
A final
Em 9 de agosto de 1992, Brasil e Holanda se enfrentaram no ginásio de Montjuïc. Os holandeses começaram com o domínio do jogo, mas logo a seleção brasileira se encaixou. A partida terminou em um 3 a 0 (15/12, 15/8 e 15/5), com um saque indefensável de Marcelo Negrão no match point: “Todos os momentos são marcantes na campanha do ouro Olímpico, mas o ponto final e a comemoração sem ainda entender o que havia acontecido ficará na memória para sempre”, recorda Talmo.
“O momento de subir ao pódio, botar medalha de ouro no peito e cantar o hino nacional, isso é um orgulho muito grande. É muito marcante, não sai da nossa memória até hoje e dos torcedores que lembram desse momento. Eu nunca imaginava, nem esperava e de repente foi tudo acontecendo de uma maneira muito espetacular”, concorda Paulão.
Em tempos sem internet, sem saber da repercussão do título no Brasil, a seleção desembarcou em São Paulo e foi surpreendida no aeroporto por centenas de torcedores, que tentavam chegar mais perto dos campeões olímpicos. A festa continuou com um desfile no caminhão de bombeiros e lotou a Avenida 23 de Maio.
O ouro olímpico levou a atenção da mídia e do público para a modalidade, que passou a receber mais investimento, patrocínio e a ter maior profissionalização das equipes nacionais. “Foi uma coisa que inspirou todo o restante do país a respirar um pouquinho mais de voleibol, e não só o futebol”, resume Anderson.
Ícones de uma geração: o legado da vitória
A conquista do ouro em Barcelona foi um momento histórico para os brasileiros, que acompanharam com emoção o triunfo dos jogadores da seleção. A vitória foi muito além de trazer uma medalha para casa: a equipe de atletas inspirou uma geração e o legado que deixaram se mantém vivo até hoje.
Após a vitória em 1992, o vôlei ganhou ainda mais força no Brasil, uma modalidade que estava em ascensão desde a conquista da medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles.
Talmo reconhece a importância da campanha de 92 para as gerações que vieram a seguir: “A conquista de Barcelona abriu caminho para novas conquistas. Alguém precisa ganhar para que outros conheçam o caminho da vitória e nossa equipe foi a primeira. Certamente as outras que vieram souberam aproveitar com nossos erros e acertos para dar continuidade às vitórias. Servimos de inspiração para tantas outras equipes de diversas modalidades.”
Desde então, o Brasil acumulou cinco medalhas olímpicas de ouro, três no masculino — em 1992, 2004 e 2016 — e duas no feminino — em 2008 e 2012.
Em 2008, na Olimpíada de Pequim, a seleção brasileira de voleibol feminino conquistou sua primeira medalha de ouro. Fabi Alvim, jogadora que ocupava a posição de líbero, revelou em uma mensagem de despedida no Instagram como a geração de Barcelona a inspirou. “A geração campeã olímpica de Barcelona me inspirou e me fez sonhar! Mas jamais imaginei que tanta coisa bacana fosse acontecer! E isso tudo foi o vôlei que me deu!”
O êxito da campanha intensificou a paixão nacional pelo vôlei e revelou grandes nomes. Muitos atletas que vieram a seguir entraram na modalidade devido à vitória em 1992 e a vontade de ser como a seleção, estar perto e jogar com ela.
Anderson teve essa oportunidade nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, quando o vôlei nacional masculino conquistou seu segundo ouro. Maurício, ponteiro da seleção de 1992, e Giovane estiveram presentes na equipe. “O Maurício estava indo para sua quinta Olimpíada, Giovane para quarta. Então, foi muito louco. Eles passaram pro grupo muita confiança, muita sabedoria”, conta Anderson.
O triunfo dos atletas em Barcelona foi responsável por colocar a modalidade em outro patamar. “O Brasil parou para nos assistir. Começaram a respeitar muito mais o voleibol nacional e isso realmente foi marcante para nós e para o nosso esporte a partir dali. Todo mundo começou a rever: como enfrentar o Brasil? Que cuidados temos que ter com o Brasil agora?”, pontua Paulão.
E esses cuidados não eram sem fundamento. Após as Olimpíadas em Barcelona, o vôlei nacional percorreu um caminho vitorioso. A seleção masculina ganhou nove títulos na Liga das Nações e o vôlei feminino foi além, ao acumular 12 títulos da competição.
A criação da Superliga Masculina de Vôlei, competição nacional, foi uma consequência do desfecho em Barcelona. O surgimento do campeonato ocorreu para reunir os atletas da seleção em equipes nacionais. Isso contribuiu para a elevação do nível da modalidade no país.
Com essas conquistas, o que já era fato se tornou ainda mais evidente: o vôlei brasileiro possuía um grande potencial. Com isso, vieram muitos investimentos e patrocínios, que ajudaram a pavimentar o caminho para as próximas gerações de atletas. O Brasil, que começou como uma seleção sem grandes expectativas, tornou-se um dos maiores países na modalidade. O apoio financeiro trouxe muitas melhorias para o esporte.
“O Brasil tomou uma proporção absurda em termos de esporte dentro do país. E esse ouro veio também para sacramentar. Então, o Brasil começou a ser mais respeitado, a ser visto de uma forma diferente. Nossa Superliga melhorou muito. Também existiram mais intercâmbios: jogadores brasileiros jogando pelo mundo afora, houve uma procura muito grande de mercado”, confirma Anderson.
Voltando ao presente: o vôlei brasileiro de olho em Paris-2024
Apesar da trajetória vitoriosa do vôlei brasileiro nos últimos 30 anos, o quarto lugar na Olimpíada de Tóquio-2020 frustrou as expectativas. Para 2024, Talmo acredita que a seleção pode voltar ao pódio: “A seleção masculina tem grandes chances de mais uma conquista Olímpica em 2024. O equilíbrio é enorme e certamente estaremos entre os favoritos ao título.”
Paulão concorda ao dizer que “o Brasil sempre que entra em qualquer competição, seja no vôlei feminino, seja no vôlei masculino ou no vôlei de praia, vai brigar pelo título. Torço e acredito muito na medalha do Brasil”, mas faz uma observação: “O nível do voleibol está muito alto. O esporte cresceu muito, todo mundo estuda e analisa os números de cada atleta, de cada set, então fica muito difícil manter um padrão. Um time que ganha um ou dois anos dificilmente consegue manter esse processo.”
Anderson não tem expectativas muito otimistas. Para o atleta, a atual renovação de jogadores chegou tarde. “Em outros países, as seleções estão fortes, compostas por grandes gerações, como é o caso da França, dos Estados Unidos e da Itália”, destaca. Essa diferença, na percepção do atleta, pode dificultar a trajetória da seleção brasileira.
Na direção da equipe atual do Sesi-SP, Anderson explica o problema. “Ao meu ver, essa renovação é um pouco tardia. Não por culpa da direção e nem da comissão técnica, e sim por culpa do calendário. Nós precisamos ter um calendário para seleções mais jovens, para que eles acostumem a estar em quadra, no alto rendimento. Do sub-21 até o adulto tem uma lacuna muito grande.” Considerando o passado glorioso, há espaço para sonhar. Anderson aponta que o trabalho é a única saída para contornar as adversidades. “É força, foco e fé”, conclui.