Quando eu tinha 13 anos, minha irmã veio para São Paulo cursar medicina na chamada “melhor universidade do Brasil”. Até hoje, não sei dizer exatamente como me senti em relação a isso. O que lembro de fato é da saudade. Incontrolável e, por vezes, devastadora. A minha mente se prendia numa questão sem resposta: como exatamente ela consegue?
As dificuldades de mudar de cidade não tardaram a aparecer e, como se sabe, a faculdade faz aos estudantes uma série de exigências não tão promissoras para a manutenção de uma boa saúde mental. Nesse contexto, lembro de quando, nas nossas conversas – digitais ou, eventualmente, presenciais – o nome Med Dança começou a aparecer. Desde então, não ameaçou sumir.
Desde muito cedo, a dança esteve presente nas nossas vidas como um refúgio único e indispensável. Por um instante, pareceu que a mudança de cidade poderia afastá-la da vida daquela nova estudante. Entretanto, esse grupo de universitários promovia um espaço para que os alunos exercessem a arte da dança no espaço da faculdade, e evitou um afastamento progressivo da parte da minha irmã. Mais que nunca, a dança tomou forma de acolhimento, e era exatamente isso que pretendia ser.
Por quatro anos, ouvi constantemente sobre o grupo e, de alguma forma, acabei me afeiçoando a ele. As pessoas que o promoviam estavam dispostas a oferecer um espaço aberto para a prática da dança, sem barreiras de técnica ou conhecimentos. Por três anos, ouvi sobre a anual Grande Apresentação do Med Dança, a energia que ela transmitia e a importância que tinha para os seus participantes, mesmo sem nunca ter a oportunidade de presenciá-la de fato. Até que, agora, no dia 23 de outubro de 2019, talvez por uma combinação de forças do destino e esforços pessoais, a oportunidade chegou.
A IV Grande Apresentação do Med Dança, This Is Where You Wanna Be, aconteceu no Teatro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). As cadeiras não foram suficientes para o público, que lotou o teatro e ocupou as escadarias. Grande parte da audiência era composta por familiares, amigos e colegas estudantes. Afinal, a apresentação não é famosa ou profissional.
Mas é justamente isso que dá o toque especial do espetáculo. O objetivo dos dançarinos amadores não é ser impecável, reconhecido ou bem avaliado. A Grande Apresentação é uma tentativa de expressar o ambiente único e acolhedor cultivado pelos estudantes ao longo do ano. Busca-se fugir de cobranças e exigências, não incentivá-las. A sensação é de que o palco explode de energias positivas.
Apesar disso, as coreografias apresentadas não decepcionam em qualidade. A ausência de roteiro ou tema definido faz com que a união entre as danças esteja apenas na entrega dos participantes e na bem-humorada, embora por vezes exagerada, apresentação que as acompanha. A liberdade na qual baseia-se o grupo permite uma grande variedade de músicas e estilos que vão desde o K-Pop ao contemporâneo, do hip-hop ao forró e do musical ao MPB. Há espaço para tudo e todos. Composições líricas cheias de emoção e significado alternam-se com explosões ousadas de atitude e sensualidade. Com tantas possibilidades, é difícil que alguém sinta-se excluído.
Alguns números apresentam precisão técnica e estilística dignas de companhias de dança, com evidente dedicação dos participantes. Fica claro o carinho entre os envolvidos e a vontade de participar, sem grandes exigências e limitações, compromissos externos e cobranças exageradas nem pretensões profissionais e financeiras. Movidos pela paixão pelo grupo e pela dança, o grupo de estudantes de medicina relembram uma importante lição: a arte é livre. A arte não tem restrições, definições nem expositores específicos. A cultura está em todos os lugares. E, como ilustrado pelo grupo no título da apresentação desse ano, é aí que você quer estar.