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Os “não serve para nada” matemáticos

A matemática elaborada não é inútil como o ensino médio faz parecer: ela é complexa e simplesmente está em tudo ao nosso redor Por Ana Carolina Aires (airesanacarol@gmail.com) É comum ouvirmos diversas vezes, durante a longa jornada escolar, frases como “pra que serve tal conteúdo que estou aprendendo na aula de matemática?” ou até mesmo …

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A matemática elaborada não é inútil como o ensino médio faz parecer: ela é complexa e simplesmente está em tudo ao nosso redor

Por Ana Carolina Aires (airesanacarol@gmail.com)
Amanda Panteri/ Comunicação Visual - Jornalismo Júnior
Amanda Panteri/ Comunicação Visual – Jornalismo Júnior

É comum ouvirmos diversas vezes, durante a longa jornada escolar, frases como “pra que serve tal conteúdo que estou aprendendo na aula de matemática?” ou até mesmo “isso não serve pra nada, só preciso saber – a contragosto, diga-se de passagem – porque cai no vestibular”. Os professores “torcem os narizes” para esse tipo de frase. “Exatas é exatas, não procuramos porquês, chegamos no x da questão e aceitamos as condições de existência”, é o que eles parecem querer nos dizer.

O ensino escolar tem a tradição de se manter positivista e tenta ensinar aos alunos, única e exclusivamente, a pensar os números, entender a lógica e resolver, quase mecanicamente, os exercícios propostos. Em geral, poda-se qualquer tipo de questionamento curioso em relação à aplicabilidade da abundância numérica que ocupa folhas e folhas do caderno e que poderia ser muito saudável para o desenvolvimento do fascínio pelo que a matemática pode criar.

A Profª. Drª. Edna Maura Zuffi, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), nos ajuda a desmitificar os “não serve para nada” das aulas de Matemática, explicando um pouco da aplicabilidade dessa disciplina no cotidiano, na vida acadêmica e no mundo profissional técnico e universitário.

(As) Funções (da matemática)

Zuffi explica que, como já é esperado, todo curso de ciências exatas do ensino superior tem como pré-requisito o conhecimento matemático do ensino médio. Cursos como as Engenharias, Matemáticas (Pura ou Aplicada), Química e Física terão no currículo uma matéria chamada Cálculo Diferencial e Integral, que, segundo a professora é, em linhas gerais, um estudo de “taxas de variações das funções, e que incluem analisar mais profundamente funções trigonométricas, logarítmicas, polinomiais, exponenciais; todos esses, conceitos de ensino médio”.

Entretanto, a professora ressalta que não é somente nos cursos de exatas que a matemática e o Cálculo Diferencial Integral estará presente. Esse conceito também se aplica às biológicas e até a alguns cursos da área de humanidades, como a Arquitetura, Economia e Administração.

“Na economia, por exemplo, para determinar se uma dada aplicação terá um ponto de máximo retorno de lucros ou rendimento, é preciso construir uma função que represente a variação desses rendimentos. Para verificar o ponto de máximo ou de mínimo durante um período de tempo, é preciso utilizar derivada (conceito mais avançado do Cálculo Diferencial e Integral) que dará a taxa de variação instantânea, possibilitando a previsão do comportamento do gráfico”, exemplifica Zuffi.

Números complexos: os números que não existem

Na nossa vida cotidiana pode não fazer sentido trabalhar com coisas que não existem, tirando raros casos de licença poética e estudos metafísicos. Mas aquele famoso i = √-1, representando um número que é impossibilitado de existir, é muito utilizado na Engenharia Elétrica e Matemática Aplicada. As Leis de Elétrica propostas por Maxwell são quase que inteiramente baseadas nos números complexos.

Além disso, o Cálculo Diferencial e Integral pode se utilizar de números complexos como técnica de resolução. “Às vezes é necessário fazer esse ‘truque’, passando a operação para o conceito de números complexos e depois retornando para o campo dos reais”, explica Zuffi.

Seno, cosseno e tangente: o mistério das tabelas trigonométricas

A professora conta que as noções de trigonometria começaram a surgir nas sociedades antigas com os Babilônicos, através do estudo do céu e das estrelas para prever ciclos de colheita, ciclos lunares, ano solar. “[Esses povos] tinham uma ideia muito vaga ainda do seno, cosseno e tangente no triângulo e faziam tabelas para utilizá-la na astronomia da época”, explica Zuffi.

Todas as funções trigonométricas são imprescindíveis para qualquer curso de ciências exatas. Nas Engenharias, para a resolução de algumas Equações Diferenciais utiliza-se Séries de Fourier, que são baseadas em funções trigonométricas que aprendemos no ensino médio.

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Séries de Fourier. Note que “f(x) original” é uma parábola dada a função f(x) = x², conceito de ensino médio. (Imagem: IME-UNICAMP)

Edna Zuffi ressalta que a trigonometria no triângulo retângulo é utilizada mais comumente na vida cotidiana de um marceneiro, por exemplo. Geralmente, o cálculo da altura de determinada peça é calculada frequente e naturalmente pelos profissionais dessa área, usando-se a trigonometria do triângulo retângulo.

Sistemas Lineares e Matrizes na tela do seu computador

Podemos codificar sistemas lineares em matrizes e vice-versa. Matrizes são muito utilizadas na computação e programação. “Uma matriz associada determina a cor dos pontos (pixels) da tela. Em geral, os softwares que utilizamos foram programados a partir de bases matriciais”, principalmente na computação gráfica, diz Zuffi. Sistemas lineares também podem ser utilizados na resolução de Equações  Diferenciais, através de métodos de linearização.

Na vida cotidiana, Zuffi afirma que “um administrador de loja pode representar os estoques através de matrizes e verificar variações nesse estoque através de um pequeno sistema linear que pode ser resolvido pelo computador ou manualmente”. Muitas vezes a lógica de algumas planilhas automáticas que realizam essa função é baseada em sistemas lineares e matrizes.

Geometria analítica: formas expressas em equações

“A geometria analítica nada mais é do que reescrever objetos geométricos usando equações”, afirma Zuffi. Arquitetos podem utilizar para calcular com precisão os espaços e proporções geométricas de um desenho.

“Um objeto tridimensional chamado Paraboloide Hiperbólico, que é representado por uma equação do segundo grau envolvendo três variáveis (x, y, z)  pode dar uma forma de teto curvo com diversos estiramentos de cabos de aço ou ferro (retas), por exemplo, na Arquitetura. Essa superfície formada por retas, mas que é curva, é chamada, conceitualmente, de superfície regrada”, a professora exemplifica.

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Representação Gráfica de um Paraboloide Hiperbólico
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Aplicação prática de um Paraboloide Hiperbólico na arquitetura – Colegio Marianistas, Capilla

Estatística: a matemática humana

Diversos cursos da área de humanidades e biológicas têm em sua grade curricular Estatística. Zuffi explica que a razão para isso é que algumas pesquisas dessas áreas precisam ter bases estatísticas para respaldar a veracidade dos dados.

“É preciso estudar e ter noções de estatística para poder compreender os parâmetros de análise correlacional dos dados, variabilidade e viabilidade através de taxas de média, frequência e variação de amostras”, afirma Zuffi. Essa coleta e análise de dados é feita através de procedimentos matemáticos e científicos determinados e podem ser aplicáveis na Psicologia, Sociologia, Biologia, etc.

Matemática: onde estamos errando?

A matemática é encarada por muitos estudantes, desde quando entramos na escola, como um fardo a ser carregado. Entretanto, há muito o que explorar no mundo dos números e aplicar no mundo real.

Edna Zuffi acredita que o ensino da Matemática Financeira deveria ser reforçado, visando o planejamento doméstico e melhorar a aplicação cotidiana da matemática, diminuindo, assim, a sensação compartilhada pela maioria dos estudantes de uma matemática abstrata e fora da “vida real”.

“As pessoas entendem pouco da matemática dos juros. O ensino médio poderia trabalhar um pouco mais com a economia doméstica para que as pessoas tenham uma noção maior do próprio endividamento, de como fazer um empréstimo, podendo, assim, tomar atitudes mais acertadas, tendo mais sucesso nessas escolhas financeiras cotidianas”, completa Zuffi.

É preciso apagar o estigma de uma matemática que “não serve para nada” e instigar a curiosidade. O questionamento “para que serve isso?” deve ser incentivado, porque grandes invenções foram consagradas a partir do interesse além de simples números colocados no papel. Grandes cientistas criaram grandes teorias porque se frustraram e não se contentaram com as explicações precárias que lhes foram dadas. E esse é o espírito matemático que se tem perdido nas escolas.

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