Jornalismo Júnior

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Para começar a falar de arte contemporânea

Imagem de destaque: Ingrid Luisa Souza/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior Quem tem medo de arte contemporânea? Daquelas que retorcem todo o desenho em formas indistinguíveis, das que pulam fora das molduras, transfiguram-se de óleo-sobre-tela-branca em monumento de material diferente, retorcido, desejoso de contato humano, que reage, que persegue. Aquelas que forçam diálogo, incomodam nossa existência …

Para começar a falar de arte contemporânea Leia mais »

Imagem de destaque: Ingrid Luisa Souza/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior

Quem tem medo de arte contemporânea? Daquelas que retorcem todo o desenho em formas indistinguíveis, das que pulam fora das molduras, transfiguram-se de óleo-sobre-tela-branca em monumento de material diferente, retorcido, desejoso de contato humano, que reage, que persegue. Aquelas que forçam diálogo, incomodam nossa existência para dar sentido à delas. Enfim, peças que a gente olha e logo pensa “mas o que é isso”, achando que a experiência no museu seria como deslizar o dedo no smartphone, ignorando Saramago e olhando tudo sem ver nada. Ledo engano: em vez disso, interação real.  

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O cordeiro de Deus, 1991 – Alex Flemming – Foto: Wagner Nascimento – MAC USP

Susto superado, é entrar num sem fim de indignação com a certeza de que se uma invenção daquelas pode figurar em uma exposição e custar todos aqueles zeros à direita, então estamos perdendo algum tempo rolando a barra do Netflix a troco de calar um turbilhão de vazios gritantes que muito bem poderiam virar maravilhosas galerias conceituais. Mas, calma lá, não é assim. É preciso estudar, discutir arte e tentar entender essa contemporaneidade que parte dela propõe. Uma discussão, ressalva importante, passando longe do ser ou não ser; não é a questão agora. Fiquemos na Matrix nessa área, de nada vale deitar esforços nessas distinções ontológicas.

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A não ser, claro, que você seja um jovem muito espirituoso e com algum tempo livre, pronto para questionar o que recebe o status de arte, como parece ter pretendido o sujeito do caso enunciado acima. Como é isso, afinal?

É uma indagação irrelevante no entendimento do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, crítico e curador de arte Agnaldo Farias: “A arte não quer responder nada, a ciência que quer responder. A arte quer apresentar novos problemas, apresentar situações, estimular os sentidos, a percepção”, afirma. E ainda lembra que o museu qualifica a obra, de modo que é perfeitamente razoável adentrar um e supor que os objetos ali colocados, descontextualizados, tratam-se de peças artísticas, seja um par de óculos, um abacaxi, ou combinações outras. Felipe Martinez, professor de história da arte na UNICAMP, concorda que as instituições têm o papel legitimador da arte moderna, assim como o mercado e a crítica. Esses três fatores costumam demarcar as obras, dada a dificuldade de achar um critério.

Um passo importante para compreender os caminhos do escopo contemporâneo, e para aliviar o desconforto que ele pode causar, é despir-se de algumas ideias fixas sobre a arte, aceitar que não é somente sobre traços comportados e fiéis ao mundo observável. A partir dos anos 50, conta Agnaldo, começa a haver um processo de abertura entre as linguagens – antes, apenas  pontuada por tendências dadaístas. Artes visuais com música, performance, teatro, dança, novas possibilidades surgem e alteram a posição de quem procura arte: “fazendo com que o espectador não seja mais um espectador, mas um agente, alguém que vivencia, interage com o trabalho, que antes era eminentemente contemplativo”. Quebra-se um modelo estrito e passa-se a ter uma confluência de métodos, símbolos e estéticas; técnicas são agregadas, reinventadas; espaço e tempo fundem-se, diminuindo a ponte entre criador e audiência.

Interação

O brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980), a exemplo disso, faz um convite à experimentação e à vivência em suas instalações (penetráveis) através do trabalho com os sentidos humanos e o tratamento empírico da ação filosófica que é tomar consciência de si mesmo.

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Foto: Reprodução

Tropicália foi um trabalho de 1967, plena ditadura militar. Era andar sobre areia, água, num labirinto de aparência tropical; ao final, uma televisão em contraste com cenário montado.

Esparramada no térreo do Museu de Arte Contemporânea da USP está a obra chamada Um Amor sem Igual da artista plástica Nina Pandolfo, um enorme felino feito de manta acrílica, resina epóxi, isopor, pelúcia e outros materiais. Em sua descrição, o alerta: “Este grande gato que ronrona e nos estimula a passar a mão sobre seu pelo (porque é feito de pelúcia e nos remete a uma experiência muito cotidiana e trivial), é uma obra de arte. Nesse sentido, ele apela para a interação, mas o público deve tocá-lo com delicadeza”.

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Foto: Wagner Nascimento – tirada no MAC USP.

Nele, a significação plena pressupõe contato. Acariciado, evoca memória humana e expande o leque de mensagens.

Corpo

Em se tratando de artes corporais, Marina Abramovic talvez seja a que mais rapidamente vem à cabeça. O reconhecimento mundial que a artista conseguiu é resultado de suas performances perturbadoras e provocativas. Grande parte delas apenas tem razão de ser quando tira dos visitantes a passividade característica e os coloca como elementos sem os quais não há obra, como quando Marina ofereceu seu corpo e objetos diversos para que o público a violasse  em Rythm0 (1974).

Em 2010, a artista realizou uma peça no MoMA (Museum of Modern Art), Nova Iorque, chamada The Artist Is Present (A artista está presente), na qual permaneceu sentada durante todo o tempo diário de exposição do museu, pelos três meses que durou. Ela apenas ficava imóvel frente a frente com outras pessoas, olhos nos olhos, enquanto em outras salas artistas mais novos recordavam suas performances mais marcantes de anos anteriores. Os resultados da preparação e dos encontros viraram um documentário com o mesmo nome, do diretor Jeff Dupre, lançado em 2012.

Ver a reação de pessoas desconhecidas em contato com a arte de Abramovic é como uma resposta à pergunta que ela vinha recebendo desde o início de sua carreira: “Como isso é arte?”. Neste ano, estreou um audiovisual sob direção de Marco del Fiol com o nome Espaço além – Marina Abramovic e o Brasil, mostrando a exploração espiritual da artista no país.

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Nesta cena, à época muito viralizada na internet, senta-se a sua frente Ulay, o homem com quem viveu e trabalhou por muitos anos.

Pintura

Entretanto, o encontro como arte, a interatividade, não é a única forma de manifestação contemporânea. Ainda podemos encontrar artistas dentro desse círculo que não tenham abandonado de todo certas estruturas modernas. Farias lembra que a ruptura não é radical e que a arte não é linear, lembrando as pinturas de Paulo Pasta cuja preocupação com as variações de cor é um marco de suas produções.

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Óleo sobre tela – Cruz Vermelha, 2008

Liberdade é a palavra que melhor pode ser associada à arte contemporânea. Não há compromisso com formas, mas também não há a necessidade de desapegar-se completamente delas. Os códigos mudam com o tempo, cada época e sociedade vai apresentar suas demandas e inquietações e isso vai, invariavelmente, influenciar também no campo da arte, o qual, nas palavras do professor Agnaldo, a rigor, tem a ver com a plasticidade da linguagem.

E é com isso em mente que a artista Alessandra Vilaverde faz sua pinturas, como a preencher uma necessidade física e espiritual. Utilizando acrílica e aquarela, tela e papel, busca transmitir leveza e pureza que, segunda ela, “a gente não vê no mundo se não olhar direito”. Ainda que prefira afastar-se das definições de estilo, considera a arte contemporânea uma possibilidade de criação desregrada. Em sua página de rede social, Casa da Vilaverde, a extensão de sua produção: junto a cada quadro um trecho de poema ou música.

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Frida e suas asas, 2015. Acrílica espatulada sobre papel. – Alê Vilaverde
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Elefante Azul, 2015. Acrílica espatulada sobre papel. – Alê Vilaverde
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Alados, 2014. Acrílica espatulada sobre papel. – Alê Vilaverde

Aprender e ensinar arte contemporânea

Arte é cara. A contemporânea, ainda com suas peculiaridades, também mantém-se nesse circuito restrito. O professor Felipe Martinez explica que a mercadoria obra de arte tem servido bem a investimentos e como símbolo do monopólio cultural e material das classes privilegiadas. É difícil, assim, esperar ter uma peça na parede do quarto, mas há maneiras outras de obter acesso e poder estudar arte contemporânea, como em feiras populares, por exemplo.

A internet também é um bom lugar para conseguir iniciar estudos, o que é premissa para uma melhor apreciação. O Instituto Arte na Escola, por exemplo, é uma associação que busca estimular o ensino da arte através da formação do professor no ensino básico; dispõe, para tanto, de materiais online para o educador, além de outros projetos. Entre eles, o arte br (http://artenaescola.org.br/artebr/) e Todo o passado dentro do presente (http://artenaescola.org.br/todo-passado/). Em contato com o Sala33, o Instituto mostrou os dados do MEC afirmando que, dos 535.964 mil docentes de arte no país em 2013, apenas 6% possuíam formação na área. Isso, somado ao estranhamento, pode aumentar a resistência da difusão desse tipo de arte.

Para transpor a arte contemporânea às salas de aula, o professor Agnaldo Farias considera primordial uma boa seleção – visto que se trata de um universo virtualmente infinito – ancorada em pensadores do campo. Martinez busca discutir o desenvolvimento histórico, de modo a mostrar o valor enquanto obra, ainda que não seja de modalidade convencional nem que inspire um sentimento de beleza. Ressalta a necessidade de ferramentas para entender como as coisas funcionam, para que nem tudo seja aceito ou rejeitado.

Por Wagner Nascimento
wagneriano7@gmail.com

 

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