Chega um momento em que a gente começa a perceber que crescer pode não ter sido a melhor estratégia. Aluguel, desastre acadêmico, problemas profissionais, crise existencial, política nacional, relações interpessoais… Nada disso parece seguir um rumo agradável. E, a essa altura, já se sente com muito pesar os cortes de algumas regalias conferidas apenas até certa idade. A sociedade para de tomar como aceitável, por exemplo, chamar a mãe para resolver pendências com outros adultos, como o seu chefe que não para de pegar no seu pé.
Reunir a turma para ir à piscina de bolinhas? Não se você quiser ser levado a sério. Apertar a campainha de um completo desconhecido e sair correndo liberando adrenalina no organismo, aparentemente, não é uma atitude que se espera de um “adulto responsável”. Quem decidiu isso, afinal de contas?
Mas não se aborreça. A gente sabe que, geralmente, a sua solução para as adversidades do mundo é manter-se de pijamas, com um pote de pipoca de microondas ou uma panela de brigadeiro, em frente a um notebook, maratonando aquela série genial. Então saia dessa posição fetal e vamos lá. Só que não com seriados americanos: alguns desenhos animados e programas infantis que passavam nos anos 2000 e continuam por aí sobrevivendo de saudosismo no Youtube ou na televisão.
“Bora” reviver a criança que habita em nossos corações entupidos de tempero de miojo e repartidos pelas crushes indiferentes nesta vida adulta ingrata. Convido-os a restaurar por algum tempo o toddynho way of life que marcou sua existência antes de entrar no plano dos sofredores engravatados pagadores de conta.
Bambuluá
Quando podia usar WordArt no trabalho sem julgamentos
Para começar, é preciso falar de Bambuluá. Necessidade real, drummondiana. Arrasto poucas lembranças da atração, mas sei que pelas manhãs do ano de 2001 eu me pegava assistindo a essa espécie de novela protagonizada pela Angélica na TV Globinho. Em conversas nostálgicas na escola eu sempre emplacava: “E Bambuluá, vocês lembram?”. Grilos e constrangimento. Por tempos achei que o programa fosse coisa da minha cabeça, até que a internet confirmou minhas memórias. Se está lá é verdade. Nunca cheguei a apurar o motivo do blecaute geral, porém duas hipóteses: todos os coleguinhas fizeram a pré-escola no matutino ou nasceram todos em berço de Cartoon Network, coisa que conheci mais tarde (à época, a luta de classes era materializada nas antenas DirecTV).
Provavelmente só tinham vergonha de dizer que viam uma coisa tão ruinzinha. Tratava-se de uma cidade chamada Bambuluá, cujos habitantes eram conhecidos como sonhonhocas. Começa aí. Bem, por algum motivo, a querida Angélica dirigia-se para lá, quando foi parada por uma trupe ultra-periculosa de motoqueiros mal intencionados. Surgem, então, os Cavaleiros do Futuro, algum tipo de Power-Rangers, só que mini. Eles representam, cada, uma cor do arco-íris e têm a função, devido aos poderes investidos por um Cristal, de defender a cidade e a fonte de suas habilidades contra a invasão do vilão Sr. Dumal – pegou o trocadilho do nome? -, uma criatura computadorizada presa numa televisão e, ainda assim, muito ansiosa por dominar regiões do bem. O Sr. Dumal é tão insistente que as crianças ficam adolescentes e ele ainda lá enviando capangas. Mas, tudo bem, vilão nunca sabe a famosa hora de parar. Este senhor é o criador da cidade Magush, concebida para fazer frente à Bambuluá e ao Mago Tchilim, criador de Dumal, contra o qual se revoltou. Parece familiar? Confira os primeiros capítulos dessa turminha aprontando altas confusões, depois continue matando a saudade, mas só se quiser:
https://www.youtube.com/watch?v=gzuuM6uInmk
Repare, em torno de cinco minutos do vídeo, a explicação do menino, quando a Angélica fica confusa com o pessoal do mal impossibilitado de adentrar Bambuluá. “É por causa da zona de proteção, ela purifica e recebe os visitantes. Se forem do bem”. A menina continua dizendo que o Cristal afasta as pessoas do mal. Calma. A zona purifica o quê, se só entra o bem? Se o mal tentar entrar, por quê não os purifica também de uma vez? Claro que na época não ligava, mas agora acho desnecessária essa polarização ética da elite sonhonhoca.
Exame rápido de consciência: você conseguiria entrar em Bambuluá?
Tinha também uma musiquinha muito contagiante na voz de Lenine, primeiro contato com o cantor. Não larguei mais. O tema de abertura sugere que havia um chafariz de pipoca, então meio que dá pra entender os esforços sombrios do Dumal, embora ele continuasse dizendo que seu propósito era dominar o mundo.
https://www.youtube.com/watch?v=V56gRdCTG3E
Caverna do Dragão
Ok. Depois de tirar esse peso das costas, vamos lembrar um desenho unânime quando se trata de reminiscências da infância: Caverna do Dragão. Minhas, suas, dos seus pais. Todo mundo viu aqueles adolescentes tentando voltar para casa. Baseada em RPG – sim, aquele que os meninos jogam em Stranger Things e Freaks and Geeks -, a trama gira em volta de quatro meninos e duas meninas tendo de aprender a vida fora de casa, em ambiente completamente inóspito, com poucos recursos e muitos desafios – até aí tudo bem, nós também -, guiados pelo enigmático e irresponsável Mestre dos Magos e atormentados pelo problemático Vingador. No processo, recebem do mestre armas mágicas para enfrentar seres maldosos do Reino onde foram parar. Esses itens são do interesse do Vingador, que os busca com o intuito de derrotar o dragão Tiamat e conseguir, imagine você, dominar o mundo! Sério. E eu só querendo um lugar pra sentar no ônibus todo dia.
Hank é o líder e recebeu um arco disparador de flechas de luz, energia, ou alguma substância pouco ofensiva. Sheila tem um capuz de invisibilidade; seu irmão, Bobby, tem um tacape quebradeira. Diana possui um bastão flexível que a ajuda em suas acrobacias. Eric ganhou um escudo tão útil quanto suas reclamações e Presto um chapéu de mago que muitas vezes o deixa na mão. Por último e também menos importante temos o unicórnio Uni, detentor de um chifre teletransportador e uma capacidade de sempre atrapalhar o rolê do pessoal.
O Mestre dos Magos só fica lá dando charadas e ordens, mas nada de fazer algo eficiente.
A serenidade no rosto de quem nunca vai te ajudar a voltar para os EUA.
Sabe-se, depois, que ele usava os jovens para tentar reaproximar seu filho rebelde, o Vingador, para o lado do bem. Sério, Vingador, não dava para sair de casa e não atender o telefone? Fazer uma tatuagem sem contar ao Mestre? Em vez disso, a pretensão dele era juntar os intens mágicos para ficar cada vez mais poderoso e talvez conseguir voar com as próprias asas e não precisar mais do seu cavalo não-alado para essa função.
Um desenho, na verdade, um tanto macabro e pouco infantil. Espie o primeiro capítulo e depois busque as teorias pela internet:
Digimon
Na época eu tinha uma tartaruga, mas não era tão legal
O meu pode ser o Patamon?Desenho favorito quando pequeno: Digimon Adventure, a primeira temporada da série. Tá, anime, mas vamos lembrar que desenho aqui tem o significado de qualquer coisa que o fazia levantar de manhã, de cobertor, para ligar na TV Globinho ou Bom dia & Cia.
Quem nunca pegou qualquer aparelho velho para fingir que era um Digivice? Nesta criação japonesa, sete crianças vão parar no Digimundo – aliás, roteiristas, o que há de errado com a Terra? – e ganham a companhia de um virtual pet, um digimon. Para variar, muitos super vilões tentam controlar o mundo digital e a responsabilidade de defesa cai, certamente, sobre pessoas que nem ali moravam. Durante as aventuras com seus tamagochis avançados, as crianças têm que lidar também com seus processos de amadurecimento e a relação delicada e intransferível com seus digimons. Tente não chorar ouvindo essa música:
O beijo do vampiro
Não era exatamente um programa infantil, mas tenho certeza de que fez parte das noites de muitas crianças. Pessoas clamam pela reprise dessa novela transmitida entre 2002 e 2003, mas a TV Globo parece ter nenhuma disposição de rodá-la novamente. Talvez seja melhor: o principal argumento da história toda é a perseguição de um vampiro machista, Bóris Vladesco (Tarcísio Meira), à princesa Cecília (Flávia Alessandra) que já havia dito não a ele no século XII. Nos anos 2000, ele volta a atormentá-la, ainda que casado com Mina (Cláudia Raia), matando seu noivo e tentando atrapalhar todos os relacionamentos posteriores. O vampiro misógino e assassino busca o amor de seu filho, Zeca (Kayky Brito), para ter um herdeiro e não ser rebaixado, como determina o Código dos Vampiros. Deve preocupar-se também com Nosferatu (Ney Latorraca), seu grande rival, com quem disputa o poder.
Mas um ponto positivo dessa produção toda com certeza é sua trilha sonora. Lembro ter comprado os CDs na época, vinha com jogos de computador e tudo. A abertura era ao som de The Marcels, Blue Moon e a trilha contava com nomes como Adriana Calcanhotto, Shakira, Julio Iglesias, Coldplay, Titãs, Maskavo. A Internacional:
https://www.youtube.com/watch?v=biBB6mnpVpk
Baby Looney Tunes
Se a senha “beterraba vermelha” quer dizer algo pra você, então deve ter acompanhado um pouco de Baby Looney Tunes no Bom dia & Cia. Iniciada em 2002, a série de desenho mostra como pode ser normal a vida de uma senhora de idade criando animais falantes bebês. Vovó tem o papel de educar os Looney Tunes para a sociedade enquanto nos prova que essa fase pode gerar muitos aprendizados mesmo que você seja de outra espécie. Passa longe de estar entre os favoritos, mas tem muito gosto de infância mesmo, se você estava crescendo nos anos 2000.
Maternidade é complicada mesmo.
Castelo Rá-Tim-Bum
Saudades crises existenciais da Celeste
Seria necessário um post só para abordar a TV cultura, seus desenhos e programas marcantes. A emissora moldou muito caráter por aí com sua programação educativa muito apreciada, embora eu tivesse gosto maior pelas lutas sangrentas de Dragon Ball. Entre os melhores da sua exibição, o cult Castelo Rá-Tim-Bum, a Hogwarts brasileira, moradia do entediado bruxo de trezentos anos Antonino Stradivarius Victorius II, onde vive desde que seus pais decidiram fazer uma viagem espacial com seus irmãos mais novos. Com ele, mora seu tio Victor inventor e assalariado de uma empresa. Sempre fora a trabalho, as aparições do tio consistem basicamente em dar lições de moral ao Nino e em evocar raios e trovões quando as coisas não vão do seu agrado. Também a tia Morgana vive lá, uma feiticeira muito experiente e muito ocupada no seu quarto contando histórias e tirando sonecas de beleza.
Enquanto isso, no lustre do castelo…
Nenhuma escola teve a sensibilidade de aceitar uma criança de trezentos anos, e por isso Nino passava seus dias no castelo, triste e solitário. Sua solução foi fazer algum tipo de truque para atrair os humanos Zeca, Biba e Pedro, que começaram a frequentar o casarão todos os dias após a escola. Juntos, eles vão explorar o imóvel com outros visitantes e dar um show ao abordar temas como autoaceitação, morte, diversidade, amizade, vida adulta etc – além de um rato ensinar a tomar banho em quase todo capítulo – e também combater o desagradável capitalista Dr. Abobrinha, vilão que sempre usa disfarces ridículos para tentar tomar e tombar o castelo com a finalidade de construir seus elefantes da especulação imobiliária.
Coragem, o Cão Covarde
Cachorro idiota.
Covardes éramos nós também que sofríamos com esse desenho. Não pra menos. No geral, ele tinha mesmo uma feição muito sinistra; não só os monstros de quem o Dog tentava estupidamente salvar os senhores seus donos, mas toda a composição chegava a assustar um bocado: a casa sozinha em Lugar Nenhum (nome do lugar), as cores, as músicas, as personalidades das personagens e, sobretudo, as histórias e situações. Mesmo assim, foi um dos meus favoritos da Cartoon Network, junto com A vaca e o frango e Meninas Superpoderosas.
Não bastasse o relacionamento conturbado entre Muriel, Eustácio e Coragem, os protagonistas eram constantemente impedidos por toda sorte de seres de outros mundos e planos de prosseguir uma vida que tinha tudo para ser pacata.Geralmente quem percebe os problemas primeiro é o Coragem, provavelmente porque sua característica principal é o oposto de seu nome. Entretanto, é ele quem tem de tomar as atitudes contra o mal, já que Eustácio está muito ocupado sendo um patriarca velho resmungão e Muriel não dá muita bola aos chamados de atenção do cachorro por não acreditar no início em um perigo real, o que é muita ingenuidade dos donos da casa, uma vez que aparecem figuras claramente suspeitas como:
Você deixaria este ser entrar na sua casa e sentar-se à sua mesa?
E aquele capítulo em que o diretor de cinema Tarantella (referência ao Tarantino) chega dizendo que gostaria de filmar um longa naquela casa:
Vê se isso tinha potencial pra dar certo.
Realmente não tem muita desculpa pra ficar preso na vida adulta, ainda mais com essas e outras atrações da sua infância completamente disponíveis nesse mundo vasto mundo chamado internet.
Por Wagner Nascimento
wagneriano7@gmail.com