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Observatório | PEC Kamikaze: entenda a proposta que pretende aumentar os gastos com benefícios sociais

Na iminência de ser aprovada na Câmara dos Deputados, a PEC 1/22 pode colocar o país em estado de emergência nas vésperas das eleições

Um minuto. Essa foi a duração da sessão realizada pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira (07) para agilizar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 1, também conhecida como PEC Kamikaze ou PEC dos Auxílios. O texto-base foi aprovado no mesmo dia. Se a rapidez da sua aprovação no Senado, uma semana antes, tinha chamado atenção, a sessão relâmpago deixou claro que a votação será feita às pressas. A PEC será votada — e aprovada, como contou o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), para a jornalista Andréia Sadi —  na segunda sessão, na próxima terça (12), e pretende decretar no Brasil um estado de emergência que permitirá a ampliação e a criação de benefícios sociais a poucos meses das eleições.

 

O que é a PEC Kamikaze?

De autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), a PEC Kamikaze se chama PEC 1. Quem a deu o apelido pelo qual ficou conhecida foi o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, que considerava o texto original da proposta “suicida”, capaz de causar grande desarranjo nas contas públicas brasileiras. 

A PEC 1 tem a intenção oficial de ampliar os valores de alguns benefícios já existentes: o Auxílio Brasil e o Auxílio-Gás que passariam, respectivamente, de R$ 400 para R$ 600 e de R$53 para R$ 120. Além de criar outros benefícios, como uma bolsa de R$ 1000 para caminhoneiros e auxílio para taxistas pagarem o combustível. 

Os custos da PEC, estimados em 41,2 bilhões, não precisarão respeitar o teto de gastos, que impõe um limite ao crescimento dos gastos públicos para controlar as contas do governo e manter as taxas de juros no país mais baixas. A proposta também exime o governo de responsabilidade em desobedecer às leis eleitorais. As alterações nos benefícios durarão apenas até o fim do ano.

 

Íntegra da sessão da Câmara de um minuto para agilizar aprovação da PEC Kamikaze, ocorrida no último dia 07. 

 

Constitucionalidade da PEC e estado de emergência 

A lei eleitoral brasileira proíbe que a Administração Pública realize “transferência voluntária de recursos” nos anos de eleição, com exceção dos “destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública”. Isso é feito para evitar disparidades na concorrência política — explica Vitor Blotta, doutor em Direito e professor da Universidade de São Paulo: “Se quem faz parte da máquina pública está participando das eleições, como é o caso do Bolsonaro, há posição de desigualdade. É preciso várias limitações para não haver desequilíbrio”.

No entanto, para contornar a lei e viabilizar a criação dos benefícios a três meses das eleições, é exatamente sobre o estado de emergência que a PEC 1 se apoia. De acordo com a lei n° 10.593/20, um estado de emergência pode ser decretado em situações anormais, causadas por desastres que causem danos que impeçam parcialmente a ação do Poder Público ou exijam a adoção de medidas extraordinárias para resposta e recuperação. Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, houve a decretação desse estado.

A justificativa da PEC para a instauração do estado de emergência é a Guerra na Ucrânia e o consequente preço dos combustíveis. Para Blotta, as justificativas são insuficientes e podem abrir uma insegurança jurídica: “Não se trata de um evento de calamidade pública, como, por exemplo, foi ou vem sendo a pandemia”.

A fragilidade da justificativa coloca em discussão a constitucionalidade da PEC. Para Tatiana Stroppa, doutora em Direito e professora de Direito Constitucional no Centro Universitário de Bauru, “o desemprego e a miséria crescente no Brasil são questões que exigem respostas imediatas. Todavia, tais atitudes não podem ser tomadas à margem da Constituição Federal com finalidades que contaminam o próprio processo eleitoral”.

Tatiana afirma que “já é possível indicar a inconstitucionalidade material da PEC Kamikaze ao afetar o voto, que tem que ser fruto de um processo de escolha em igualdade e liberdade”, que são princípios constitucionais. Outro ponto questionado pela professora é a agilidade na aprovação, isso porque o processo legislativo exige que a deliberação e aprovação sejam feitas em duplo turno de votação. “A finalidade de tal rigor procedimental está na constatação de que as alterações no texto constitucional não devem ocorrer de forma apressada, sem debates e reflexão aprofundada das consequências das modificações. Por isso mesmo, a realização dos dois turnos no mesmo dia, com intervalo mínimo entre eles, representa uma violência ao limite formal estampado na Constituição de 1988”.

 

O que pensa a oposição

A oposição enxerga a proposta como uma ação para atrair votos para o presidente Bolsonaro, que busca a reeleição. José Serra, o único que votou contra a PEC no Senado, afirmou em suas redes sociais que “o ‘pacote de bondades’ é eleitoreiro, só vai até dezembro de 2022 e compromete o futuro das contas públicas”. 

O mestrando em ciência política da USP Fellipe Bernardino explica que a intenção de Bolsonaro é crescer em popularidade nas pesquisas eleitorais — em que aparece atrás do ex-presidente Lula —, como aconteceu durante a pandemia, quando houve o aumento da sua taxa de aprovação após o governo pagar as parcelas do auxílio emergencial. Segundo Bernardino, isso pode ser afirmado pois o atual presidente “ganhou a eleição com um discurso muito contrário a políticas redistributivas”, e agora vai contra o que costumava defender.

Ainda que as intenções da PEC sejam claras para os opositores, há grandes chances do texto ser aprovado pelos mesmos, já que existe um histórico de apoio a medidas de redistribuição monetária dentro da oposição. No entanto, não há garantia de que a proposta realmente ajudaria Bolsonaro em outubro. Para Bernardino, “nós temos que esperar para saber se isso vai realmente converter [votos]. Não é impossível, mas não dá para saber de imediato”.

 

Consequências políticas e econômicas

Com a iminente aprovação da PEC nesta semana, já se começa a pensar nas consequências políticas e econômicas da medida para além das eleições. A entrada de mais de R$ 40 bilhões no mercado nacional ainda em 2022 vai gerar um aumento da inflação — que já está em 11,89% acumulado dos últimos 12 meses de acordo com dados divulgados pelo IBGE na última quinta-feira (07) — e, também, um aumento da taxa básica de juros.

O novo drible ao teto de gastos também pode afastar investidores estrangeiros do país. Essa não é a primeira vez que o governo Bolsonaro escapa da medida para aumentar as despesas do governo. Desde 2019, cinco emendas alteraram a regra fiscal. A falta de credibilidade nas contas públicas provoca a desvalorização do real: “O país perde credibilidade nessa dimensão do orçamento, porque é um ‘vale tudo’ eleitoral que vai ser normalizado”, resumiu Bernardino.

 

Aprovação da PEC 01 no Senado, em 30 de junho.

 

Se a aprovação da PEC Kamikaze se concretizar na Câmara dos Deputados, o Judiciário ainda pode intervir para barrar o desequilíbrio nas contas públicas. Embora Bernardino acredite que o Supremo Tribunal Federal (STF) “não se envolverá, porque a situação do país está muito difícil do ponto de vista social”, Blotta e Tatiana discordam:

Para o professor, serão feitas ações diretas de inconstitucionalidade para o STF e “provavelmente essa PEC será considerada inconstitucional pelo Supremo”. Tatiana vai pelo mesmo caminho: “Certamente haverá a judicialização da questão com a provocação do STF e isso acaba ‘deslocando’ mais uma vez as discussões para o Judiciário. Isso passa uma ideia incorreta de que este ao resguardar a Constituição não deixa o governo e o Congresso atuarem”.

Na quarta-feira (06), o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União solicitou uma investigação para avaliar a flexibilização do teto de gastos e o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal trazidos pela PEC 01/2022.

 

Imagem de capa: [Reprodução/Twitter @otempo]

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