Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

‘Piquenique na Estrada’: da Visitação à natureza humana

Os maiores nomes da ficção-científica da União Soviética, os irmãos Arkádi e Boris Strugátski entregam um enredo detalhista e questionador

O romance Piquenique na Estrada (Editora Aleph, 2017), publicado em 1972 na União Soviética em formato de revista, sofreu uma grande censura, com cortes tanto de palavras quanto de comportamentos “imorais” dos personagens. Após um embate de oito anos com a editora, a versão em livro foi veiculada e, nos dias de hoje, temos acesso à original dos autores. A obra ainda inspirou o filme Stalker, de Andrei Tarkovski, um dos melhores cineastas de todos os tempos.

pôster do filme Stalker
O filme Stalker, lançado em 1979, foi inspirado no livro dos irmãos Strugátski, porém o texto original foi radicalmente alterado. [Imagem: Divulgação/ Editions Denöel]

O livro de ficção-científica tem como premissa uma invasão alienígena na Terra, porém o seu foco não é nos seres extraterrestres em si, mas nas consequências que a brevíssima passagem deles deixou.

“Existem seres inteligentes no espaço. Mas, para eles, a humanidade é irrelevante.”

A Visitação aconteceu: seres de outro planeta invadem o nosso e vão embora logo em seguida, deixando certos objetos nas chamadas, posteriormente, Zonas. Espalhadas pelo mundo inteiro, essas áreas foram cercadas e, em Harmont, a cidade fictícia onde a história se passa, o Instituto Internacional das Culturas Extraterrestres é quem as estuda.  

Redrick Schuhart é o protagonista do enredo. Ele é assistente de laboratório do Instituto. Um homem ranzinza e de gênio forte. Muitas das passagens do livro, quando não estão descrevendo um ambiente ou um objeto não identificado, são construídas pelos pensamentos de Redrick. Ele trabalha para um cientista chamado Kirill e o considera um “estereótipo” de cientista: sabe de muitas coisas, nomeia essas com termos científicos, alegra-se facilmente com novos objetos deixados pelos extraterrestres pelo planeta e é uma boa pessoa, como indicado em diversas partes por Redrick.

Porém, Redrick não é um cara “bom” do ponto de vista do governo. Clandestinamente, ele é um stalker. Advindo da palavra em inglês stalk, que significa perseguir cuidadosamente, e também do personagem Stálki do livro de Stalky & Co., de Kipling, stalker é como são chamados aqueles que roubam os objetos extraterrestres da Zona e os vendem para as pessoas mundo afora, sendo elas abastadas ou até cientistas.

Entretanto, a Zona não é um local simples. Ela é como um acúmulo de radiação extraterrestre. Stalkers que têm contato com a Zona são contaminados e podem ocasionar mudanças ao seu redor, como a morte de pessoas da cidade caso emigrem, nesse caso, de Harmont ou terem suas próximas gerações deformadas com olhos inteiramente negros, penas, entre outras características inusitadas e maléficas a longo prazo. Caso não bastasse essa contaminação, a Zona também é extremamente perigosa. Carecas de mosquito, caldo de bruxa e moedores são alguns nomes das armadilhas mortais dessas áreas. É sempre desesperador o fluxo de pensamentos de Redrick dentro desse local, mas, ao mesmo tempo, ele nos faz refletir sobre algumas coisas, como as questões da sobrevivência, do altruísmo e do medo.

“[Os extraterrestres] Fizeram muita sujeira, mas definiram um limite para ela.”

cena do filme stalker
Cena do filme Stalker, de Andrei Tarkovski. [Imagem: Reprodução/ YouTube]
Um ponto interessante da trama é a comparação entre a experiência, apresentada por Redrick, que está há anos entrando e saindo da Zona, e a ciência, na figura de Kirill, que nunca esteve na Zona, mas a estuda e crê que sabe muito sobre.

Outras personagens como: Abutre e Arthur, um stalker veterano e seu filho; Guta e Monstrinho, mulher e filha de Redrick; Richard Noonan, amigo de longa data do protagonista; Valentin, um cientista, entre outras, são muito importantes para a construção da narrativa, mesmo que não apareçam constantemente.

Piquenique na Estrada abre diversos questionamentos tanto éticos e intelectuais quanto sentimentais. O que é certo e o que é errado quando, no contexto, se tem uma invasão extraterrestre e a necessidade de roubar os objetos deixados por esses seres para sobreviver? Dentro da Zona, é um por todos e todos por um ou salve-se quem puder? Qual a importância da vida humana? O que é ser um humano? Essas são algumas das reflexões feitas e deixadas pela obra.

“É da natureza humana. Se não fosse a Visitação seria outra coisa qualquer. O porco sempre achará lama para chafurdar…”

O ritmo de leitura da obra é lento devido ao detalhamento dos pensamentos das personagens e ao excesso de descrição das cenas. Apesar disso, a sensação de tensão e de dúvida presente nas personagens nos invade e transforma uma leitura cansativa em uma experiência densa e reflexiva.

“Imagine um piquenique. Uma estrada no interior, uma clareira na mata, perto da estrada. O carro sai da estrada e vai até a clareira. Abrem-se as portas e sai uma turma de jovens. Começam a tirar do porta-malas cestas com mantimentos (…) De manhã, eles vão embora. Animais, pássaros e insetos da floresta assistiram horrorizados àquele evento noturno, saem de seus esconderijos. E o que eles encontram? Manchas de óleo que pingou do radiador, uma lata (…) Exatamente, um piquenique na beira de alguma estrada cósmica”

*Imagem de capa: reprodução/Editora Aleph e montagem por Alessandra Ueno

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima