“Aos que alimentam e aos que não conseguem arrancar raízes.”
Redemoinho em dia quente é o quarto livro da escritora cearense Jarid Arraes. A poeta, nascida em 1991 na região do Cariri em Juazeiro do Norte, é conhecida por escrever cordéis com protagonismo feminino e agora estreia no universo dos contos. O livro, lançado pela editora Alfaguara, é uma coletânea de 30 contos ficcionais sobre a perspectiva das mulheres acerca das experiências vividas na região. Longe de grandes metrópoles e padrões sociais, a obra é um convite para conhecer as realidades locais através do olhar das mulheres do Cariri.
Jarid revelou em entrevista ao Estadão que não se identifica com a cultura de uma cidade do interior, mas, através de seus contos, faz as pazes com suas raízes. Ao retornar para o Ceará depois de se mudar para São Paulo, a escritora percebeu que a região havia perdido parte de suas raízes e parte das cores que compõem suas memórias de infância. Para ela, a cultura da região perde forças frente à praticidade moderna de uma população que também não se identificava com a cultura local. Esta percepção foi o que motivou a escrita dos contos.
A história de abertura do livro é a da Francisca, uma senhora da igreja que leva para casa uma sacola com pílulas suspeitas e, a partir do impulso de experimentá-las, passa a vivenciar experiências sobrenaturais. No decorrer das páginas, o leitor transita entre histórias de amizade, infância, abuso sexual, solidão e a dificuldade de uma mototáxi em seu primeiro dia de trabalho. Jarid coloca em destaque problemas que, em geral, permanecem silenciados na região, sem fazer hierarquia de qual é mais importante. Através das narrativas, consegue dar atenção única a assuntos bastante delicados, como a violência doméstica, relacionamento abusivo e fome. Tudo narrado pelos mais diversos pontos de vista, desde mulheres acima dos 60 até o curioso olhar infantil.
Embora sejam narrativas breves, o impacto das histórias ultrapassa o limite de caracteres e reverbera no interior de quem lê. A escrita de Jarid traz à memória situações reais que já ouvimos ou vivenciamos, sendo fácil perder bons minutos nessas lembranças ao final de um conto, ou até mesmo após a leitura de uma frase simples, mas que comporta amplos sentidos. As personagens regionais conversam para além do Cariri, abordando temáticas de certa forma universais.
A maneira como os contos foram escritos atinge o público de um jeito específico. Entregar uma coleção de relatos objetivos faria com que as histórias se tornassem apenas mais do que já estamos acostumados a ouvir nos meios de comunicação, que esquecemos logo em seguida a fim de seguir nossas próprias vidas. A união entre literatura e descrições intensas esbarra em nossa subjetividade e provoca reflexões. Não se engane com o número pequeno de páginas. A proposta da obra vai contra uma sociedade que está acostumada a fugir daquilo que requer tempo.
Redemoinho em dia quente não é uma leitura confortável, daquelas feitas em uma única tarde e que distraem nossa mente. Cada história pede esforço e tempo para a interpretação de cada crítica social presente nos enredos. É quase impossível não sentir o impacto dos relatos. É uma leitura política, como afirma a própria autora em entrevista ao Bondelê.