A missão de Juan Gómez Bárcena em O céu de Lima é de obliterar o espaço entre a ficção e a realidade. Não apenas porque a história do livro baseia-se em acontecimentos reais: o anseio pela aproximação do mundo das palavras ao mundo real faz o autor adentrar o campo da metaficção e da teoria comunicacional, com direito à citação dos autores clássicos. Todavia, a prolixidade e a erudição são traços tão seus quanto são de seus protagonistas: os jovens aristocratas peruanos José Gálvez e Carlos Rodrígues. Na Belle Époque, os dois aspirantes a poetas criam um heterônimo – Georgina Hübner – para assinar correspondência ao escritor espanhol Juan Ramon Jímenez e pedir-lhe uma cópia de um de seus livros, ainda não encontrado nas livrarias limenhas. Desse contato inicial surge um relacionamento entre os dois – Georgina e o Mestre – , que cria na dupla de medíocres literatos peruanos uma esperança: de encantá-lo suficientemente para inspirar uma de suas produções.
Daí toda a discussão filosófica. Georgina, uma vez idealizada e posta em palavras, transcende a ficção: ela se materializa para Jímenez, e planta suas raízes no imaginário de Carlos e José. Estes dois têm completa consciência da estranha relação estabelecida entre suas cartas e a realidade: de certa forma, não estavam apenas escrevendo uma personagem, mas também o romance da vida do poeta espanhol. “O amor é um discurso, meu amigo, é um folhetim, um romance, e se não for escrito na cabeça, ou no papel, ou onde quer que seja, não existe, fica pela metade; não passa de uma sensação que imaginou ser um sentimento”, pontua eloquentemente Cristóbal, um escritor de cartas que a dupla consulta em determinado momento da trama. Bárcena ocupa o papel de narrador onisciente, categorizando as personagens d’O céu de Lima em principais e secundárias, e dividindo a obra em três seções: uma Comédia, um Romance e um Poema.
Sim, como facilmente se percebe, a prosa aqui é inteligente. Por vezes, inteligente demais. Há um charme na tão-pervasiva metalinguagem estabelecida por toda a obra – no entanto, esta também pode servir como uma muleta. São incontáveis os momentos em que os “mas isso não nos interessa” do livro deixam um gosto amargo de curiosidade e potencial não explorado – não como marca de uma escrita intrigante, e sim, preguiçosa. Em contrapartida, em suas curtas 245 páginas, O céu de Lima parece pecar por sua extensão. Quanto à narrativa, de fato não há muito mais a se descobrir do que o que já é dito na própria sinopse. O autor é indulgente ao explorar, por grande parte dos capítulos, os passados dos protagonistas. Por um lado, o desenvolvimento das personagens é relevante; por outro, o excesso de informações passa a impressão de que o livro é, na realidade, uma novela com ilusões de romance – pecado que parece imperdoável, considerando o conhecimento de gêneros e formatos literários que Bárcena não permite que o leitor esqueça que possui.
Ainda assim, apesar de toda a sua prolixidade, deve-se reconhecer o olhar afiado do autor em sua crítica social. Ler uma história sobre dois homens ricos, que não trabalham, e cujos únicos problemas são os que eles próprios criam, poderia ser uma tarefa enfadonha. Juan Gómez sabe muito bem disso, e não poupa seus próprios protagonistas de sua ironia sempre cirúrgica: José e Carlos são expostos em todas as suas falhas de caráter, privilégios, contradições e mediocridade; em estilo propriamente machadiano. Talvez aqui se encontre o grande mérito d’O céu de Lima: o delicado equilíbrio de humor, drama, romance e divagações filosóficas.
Por Fredy Alexandrakis
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