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Das Áfricas contemporâneas: ciência e resistência radical

O professor Kehinde Andrews traz um debate sobre o radicalismo negro ao redor do mundo

O evento

Áfricas Contemporâneas: do continente às diásporas foi um encontro internacional possibilitado por diversas instituições brasileiras, entre elas a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal Fluminense e a Universidade Federal de São Paulo, em conjunto com a Universidade de Lisboa.

A proposta era de expor e discutir as visões do mundo sobre as Áfricas e a visão sobre o mundo através das Áfricas. Contando com a presença de pensadores, artistas e ativistas convidados da África do Sul, Angola, Cabo Verde, Egito, Mali, Senegal, Portugal e Inglaterra, o evento trouxe uma semana de reflexão sobre o continente africano, os movimentos políticos e sociais de suas populações na atualidade, as diásporas, o racismo, a produção intelectual a partir da visão africana, entre muitos outros aspectos.

Professor Kehinde Andrews, da escola de Ciências Sociais da Birmingham City University, no Reino Unido.

Conferência “Ativismos negros na contemporaneidade”

“A revolução é possível”, defendeu em inglês o professor Kehinde Andrews, da escola de Ciências Sociais da Birmingham City University no Reino Unido ao fim de sua fala principal na conferência, que aconteceu no auditório István Jancsó da biblioteca Brasiliana, na USP, na última quarta-feira (16).

Trazendo um ponto de vista interessante e cientificamente embasado sobre a definição de radicalismo no contexto das militâncias, a palestra do professor Kehinde deu uma resposta à visão do senso comum sobre esses radicalismos e os motivos pelos quais a retomada deles é importante para a construção de uma realidade melhor para as populações negras.

De início, a diferenciação entre radicalismo e extremismo: o extremismo seria caracterizado por um grande fundamentalismo de um conceito ou uma crença; o extremismo cristão, por exemplo, acontece quando se procura seguir os preceitos religiosos de forma rígida e ao pé da letra. Segundo Andrews, o radicalismo seria exatamente o contrário: acontece quando se refuta a base, os preceitos fundamentais de um conceito, instituição ou crença.

Dessa forma, o radicalismo negro deve refutar desde a base tudo na sociedade que a torna estruturalmente racista, como o sistema de governos, que não são feitos para atender à população negra, ou do sistema carcerário, por exemplo.

Para responder à  pergunta inicial, “como está o radicalismo negro hoje?”, o professor começa do contexto. O Brasil, por exemplo:

  • é o segundo país com maior número de habitantes pretos, depois da Nigéria, que correspondem a 55% do total da população;
  • possui a 3ª maior população carcerária do mundo, da qual 64% são pessoas negras.

Uma dinâmica semelhante acontece ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, um jovem preto que não termina o ensino médio tem 60% de chance de ir para a prisão em algum momento da vida.

Segundo Andrews, as lutas atuais, mesmo em países em que a visão do futuro se mostra mais otimista, não serão suficientes para a criação de um mundo sem diferenças raciais.

Isso acontece porque, segundo ele, as vias de melhoria buscadas atualmente admitem a proposição de que a representatividade e o acesso ao sistema são as chaves para que se resolva o problema: quanto mais pessoas negras tiverem acesso e exercerem seu direito de voto, mais representatividade a população negra terá nas instâncias públicas e, portanto, melhor serão atendidas pelo sistema.

As estatísticas, porém, mostram que mesmo em um país como os Estados Unidos, que já até elegeram democraticamente um presidente preto e têm uma das melhores legislações do mundo sobre a questão racial, além do enorme legado da luta por direitos civis, as coisas não melhoraram para a população negra em geral. Na verdade, ficaram piores: hoje há mais pretos ocupando vagas de trabalho informal e ganhando menos e, portanto, vivendo em situações de maior vulnerabilidade.

Imagem de protesto nos Estados Unidos. Imagem: Sean Rayford/Getty Images News/Getty Images

“O que deu errado?”, questionou Kehinde. Ele explica: “o problema não é que o sistema público não funciona, é que ele funciona exatamente como foi programado aqui e nos outros países, inclusive nos africanos”.

Ele vê outro jeito de enfrentar a questão: “sempre houve quem acreditasse que o sistema é fundamentalmente racista e, por isso, a única solução é a revolução.” É aí que entra o radicalismo. Para essa revolução, seria necessário rejeitar os fundamentos racistas que regem o sistema para buscar algo novo. O problema está no fato de que o radicalismo é bastante conectado à violência, o que afasta as pessoas. Andrews argumenta que a violência é importante para autodefesa, pois quando se tenta desestabilizar o sistema, ele logo em seguida reage de forma violenta.

Por isso, diz o professor, é preciso que a população negra estruture um projeto de independência para conseguir prover para a comunidade sem o apoio do Estado. Ele cita o partido dos Panteras Negras como exemplo. “Quando pensamos nos Panteras Negras, nos lembramos deles com armas nas mãos, imagens de violência, mas o principal trabalho ali era o de prover coisas como comida e assistência médica para a comunidade”.

Integrantes do partido dos Panteras Negras oferecendo comida gratuitamente em uma de suas ações comunitárias. Imagem: Reprodução

Outro problema trazido por ele como central para a discussão envolve as formas como as diásporas afetaram a comunidade negra, separando-a por nações com línguas diferentes. Andrews acredita que é importante que essas barreiras sejam minimizadas ao máximo, para que as pessoas se lembrem “você não é um afro-americano; é um africano na América”. O objetivo seria criar o que ele chamou de “global black nation” ou, traduzido, “nação negra global”.

Essa organização funcionaria com sedes no mundo todo, que seriam unificadas por um sistema geral que funcionaria quase como uma forma de governo, mas que tratariam de solucionar problemas locais. Assim, quanto mais pessoas se envolvessem, mais fortes ficariam essas unidades, arrecadando mais fundos para melhor prover para as comunidades locais até um ponto em que, utopicamente, elas não precisariam mais ser atendidas pelo Estado. Todo o trabalho seria guiado pela utopia de uma “black unity”, uma aldeia global. Na Inglaterra, já existe a Organisation of Black Unity, com esse propósito.

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