Imagem: Larissa Fernandes/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior
Em meio ao cenário da Nigéria da década de 1990, marcado pelo regime militar, Ifemelu e Obinze, dois jovens, vivem o primeiro amor. Juntos na universidade, encaram as constantes greves e assistem a partida de diversos estudantes para outros países, onde há a perspectiva de um futuro melhor. Uma dessas pessoas acaba sendo Ifemelu, que consegue uma bolsa nos Estados Unidos e se muda para lá. Longe da família e de Obinze, ela precisa se adaptar em um país totalmente diferente do seu e encarar, pela primeira vez, a questão racial. Na América ela se descobre negra, mulher e imigrante.
A vida no outro lado do Atlântico não é fácil, Ifemelu sofre – para achar um emprego, entender os códigos sociais da cultura americana e encontrar a sua identidade em meio a tudo isso – e se afasta de Obinze. Este, por sua vez, com o sonho de ir para o Estados Unidos interrompido, se muda para Londres e também precisa enfrentar diversos problemas como imigrante ilegal: documentos falsos, casamento arranjado e deportação. A vida os separa, mas o coração não esquece.
Ifemelu fica famosa com seu blog sobre questões raciais chamado “Raceteenth ou observações diversas sobre negros americanos (antigamente conhecidos como crioulos) feitas por uma negra não americana”. De volta ao seu país de origem, a Americanah – forma irônica como chamam as pessoas que tentaram a vida nos Estados Unidos e voltaram para a Nigéria – reencontrará seu antigo amor e precisará se adaptar às mudanças do país.
Americanah (Companhia das Letras, 2014), terceiro romance da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, não pode ser considerado apenas uma história de amor contemporânea. Isso seria uma afronta, porque é muito mais que isso. De uma forma franca e crítica, a autora coloca em destaque a questão do racismo. Por vezes abordado na literatura com sutilezas, Chimamanda mostra, através da vivência e dos textos do blog de sua personagem, que o preconceito existe e não pode ser acobertado pela hipocrisia de se achar que o racismo é coisa do passado. “Não diga: “Estamos cansados de falar sobre raça” ou “A única raça é a raça humana”. Os Negros Americanos também estão cansados de falar sobre raça. Eles prefeririam não ter de fazer isso”, diz um destes textos.
A narrativa do livro não é linear, mas a leitura é fluída e as mais de 500 páginas são lidas rapidamente. Ao longo do livro são colocados alguns textos do blog de Ifemelu. Com uma acidez característica, fruto da indignação perante os acontecimentos, os assuntos apresentam diversas perspectivas do racismo, que vão desde o fato de um negro causar incômodo quando é o chefe até a imposição de padrões de beleza – cabelos lisos, por exemplo – para “causar uma boa impressão”.
A história consegue se voltar ainda para a questão da imigração, desigualdade de gênero e a situação da Nigéria. É um romance amplo, onde a crítica social e o cotidiano se misturam de uma forma maravilhosa. Sobre o racismo, apesar de falar especificamente dos Estados Unidos, muitas das críticas podem ser aplicadas ao Brasil. Chimamanda não mede esforços para causar desconforto em que lê ao mostrar esta realidade permeada de preconceito e nos faz contestar a sociedade a qual estamos inseridos. “Mas raça não é biologia; raça é sociologia. Raça não é genótipo, é fenótipo. A raça importa por causa do racismo. E o racismo é absurdo porque gira em torno da aparência. Não do sangue que corre nas suas veias. Gira em torno do tom da sua pele, do formato do seu nariz, dos cachos do seu cabelo.” Este é apenas um dos trechos que te faz refletir.
Por Beatriz Arruda
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