Por Giovanna Querido (gioquerido@gmail.com)
Neste mundo jornalístico do afoito, do imediato, do claro e do objetivo, Vitor Hugo Brandalise sentia-se preso dentro da pirâmide invertida, na qual para tudo existe onde, quando, como e por quê. Gosta do jornalismo de paciência, que chega na camada mais profunda de uma história; mas, para isso, precisava de tempo, e ele parecia estar esgotado no mercado. Era necessário aceitar o imediatismo: em 2008 tornou-se repórter da editoria Cidades do Estadão. Embora tudo fosse para ontem, jamais esqueceu da palavra que resume o jornalismo no qual acredita: empatia. “Só assim, buscando se colocar no lugar da pessoa com quem falamos, é possível se aproximar dela e contar sua história”, afirma Brandalise.
Com sete prêmios nacionais e internacionais de reportagem, e um livro-reportagem na bagagem, Vitor está, hoje, na editoria do Aliás. Usufrui de “análises em profundidade”, conforme a própria descrição do suplemento domingal do Estadão. Assim, acredita que, com tempo, você, jornalista, consegue escrever da forma como o leitor merece. Quando descobriu a história do casal Nelson e Neusa, sabia que precisaria mais do que uma simples notinha de rodapé. Onde colocar, afinal, 75 páginas e 122 minutos de leitura? Não sabia onde encontrar esse fôlego até um amigo lhe apresentar o BRIO STORIES — plataforma com grandes reportagens do Medium —, em que publicou “Sobre a Sede”, história sobre o casal Nelson e Neusa em luta pela vida.
Conversamos com Brandalise, que estará junto de Paula Miraglia (Nexo Jornal) e Eduardo Roberto (Vice), em debate sobre adaptação das redações, no primeiro dia da Semana de Jornalismo.
J.Press — Vou começar com aquela pergunta básica que sempre fazem para nós: por que você escolheu cursar jornalismo? Já pensava seguir em alguma área?
Vitor — Senti a mesma dificuldade dos muitos estudantes de ensino médio que precisam escolher a “carreira” (já faz pensar de cara em correria) logo aos 17 anos: e agora, Engenharia Química, Geografia, Jornalismo? Então conversei com alguns professores, pais, amigos, considerei também o clássico “gosto de ler e escrever redações”, e, na hora de marcar a opção no vestibular, decidi pelo Jornalismo. Creio que foi uma decisão muito feliz, pois, com todos os desafios de uma profissão que tenta se reinventar e as ansiedades que um momento como esse traz, não me vejo fazendo outra coisa. É um grande privilégio poder falar com pessoas com quem não falaria se não fosse jornalista.
J.Press — Qual o papel do ensino de jornalismo para o senhor?
Vitor — Indicar boas leituras (ficção e não ficção), mostrar e refletir sobre boas práticas de jornalismo (o que de melhor estiver sendo feito em veículos de comunicação), alimentar a curiosidade natural do jornalista por maneiras ousadas e originais de fazer seu trabalho. E discutir maneiras de reinventar a profissão, inclusive seus modelos de negócios.
J.Press — O que é o jornalismo? Você tem uma definição própria? Jornalismo é observar, escutar, escrever ou opinar?
Vitor — Para mim, jornalismo é contar histórias que merecem ser contadas. Por serem importantes, interessantes, bonitas, por fazerem pensar — ou todas essas características de uma vez. Não creio que essa seja uma definição própria, mas é nela que acredito.
J.Press — Você considera a iniciativa BRIO como um novo modelo de negócio sustentável para o Jornalismo?
Vitor — Acho que com os jornais cada vez mais enxutos e com modelo de negócio que parece se esgotar, empreendimentos que busquem um novo caminho são imperativos. O simples fato de investir nessa área e buscar novos modelos já é muito importante, para que se possa aprender com os erros e somar experiências. Nesse sentido, de reinvenção conjunta de uma profissão, iniciativas como essas são fundamentais. No caso específico do Brio, não tenho dados internos suficientes para saber sobre a sustentabilidade a longo prazo e os recursos financeiros da iniciativa.
J.Press — Os incentivos a grandes reportagens, como as do BRIO e do, Aliás podem ser considerados soluções para a suposta crise no jornalismo?
Vitor — Acredito que sim. Creio que histórias como as do BRIO têm qualidade suficiente para extrapolar o ambiente onde são publicadas inicialmente. Quanto ao Aliás, a proposta do caderno, de produzir conteúdo de análise e aprofundamento sobre o noticiário da semana, me parece absolutamente alinhado com o que se espera do jornalismo: textos de alta qualidade, para que o produto editorial que o abrigue (no caso, o jornal) tenha cada vez mais relevância. São duas propostas diferentes, mas que, na minha opinião, fazem parte de um tipo de jornalismo que não se esgota: o que busca qualidade informativa e apresentação de conteúdo relevante, com ousadia e brilho na forma.
J.Press — O senhor acha que há uma crise no Jornalismo? Em que parte da profissão ela estaria mais presente, quer dizer, na linguagem, na credibilidade, no modelo de financiamento?
Vitor — É certamente um momento de mudança dentro do jornalismo, e que, por isso, causa muita ansiedade. Creio que a crise no modelo de financiamento é a mais preocupante neste momento.
J.Press — Durante o mestrado na Espanha você trabalhou no jornal La Voz de Galícia. Você sentiu alguma diferença entre os veículos aqui do Brasil?
Vitor — Uma diferença é o estilo de texto. Creio que por termos adotado um modelo mais ligado ao jornalismo americano (“o que, quem, quando, onde…”), no geral, apresentamos os dados de maneira mais dura, mais “objetiva”, como se costuma dizer. No La Voz (e acredito que no jornalismo espanhol, de forma geral), as histórias são apresentadas com mais liberdade, ficam menos presas a essa forma. Seria um jornalismo mais próximo do modelo francês, e não do americano, segundo me disse um professor no mestrado. Outro fato interessante do La Voz é que, como é distribuído em toda a Galícia, o jornal tinha uma capa diferente para cada uma das 19 microregiões da comunidade autônoma. Eram 19 edições todos os dias, com 19 fechamentos, 19 horários de descida para gráfica… E dava certo!

J.Press — O que a literatura significa para você? E como foi a experiência de ter uma coluna semanal sobre livros na GQ?
Vitor — A literatura é um prazer para mim, e uma inspiração para o meu trabalho. O blog, que durou seis meses, foi uma ótima experiência. Pude entrevistar pessoas que admiro e tratar de temas interessantes.
J.Press — Você considera o jornalista Joseph Mitchell o melhor “escritor-jornalista que já existiu” na matéria “O segredo de Joseph Mitchell”, publicada na GQ. Por que ele como seu escritor predileto do Jornalismo Literário e não outros nomes como Truman Capotte e Gay Talease?
Vitor — O que mais me fascina no trabalho de Joseph Mitchell é a paciência com que desenvolve suas reportagens, tanto a escrita como a apuração. O gosto por figuras anônimas, que poderiam passar despercebidas, me atrai na obra dele. Também gosto do pendor pela digressão presente nos textos de Mitchell — como quando ele descreve as horas em que passou circulando por um velho cemitério abandonado de uma ilha, tentando reunir os poucos cacos de histórias das pessoas enterradas ali. São detalhes que falam mais do autor do que do objeto de reportagem em questão. No caso do Mitchell, entretanto, o seu envolvimento com a reportagem é tão intenso que vale a pena descrevê-los. O ritmo dos textos me parece mais cadenciado, o gosto pelo espetacular me parece menor na obra de Mitchell do que na de outros nomes do chamado Jornalismo Literário. (Nos últimos tempos a obra de Mitchell tem passado por uma revisão, que mostra que, em certos momentos, ele priorizava aspectos estéticos aos fatos. Talvez seja uma razão para contestar o valor de Mitchell no universo estritamente jornalístico, mas não a qualidade dos textos e a inspiração para repórteres, no que diz respeito à forma de contar uma história.)
J.Press — Continuando com Mitchell, nessa mesma matéria, você conta o que seria o início de sua memória biográfica que saiu na New Yorker, denominada “Becoming part of the city”. A palavra becoming na lingua inglesa tem uma concepção de extrapola para além da tradução como tornar-se. Você acha que essa obsessão e iímpeto de fazer/ser parte da cidade como uma característica essencial do Jornalismo? Você acha que falta isso no Jornalismo hoje, muitas vezes presos a escritório e telas de computadores?
O que mais me chama a atenção em Mitchell é o exercício de empatia, o esforço de identificação com as pessoas que são o objeto da reportagem. Uma empatia que serve inclusive para poder contestar o entrevistado, com perguntas difíceis. Talvez haja menos tempo hoje nas redações para tentar criar essa empatia, com a enorme quantidade de pautas a cumprir todos os dias.
J.Press — Você acha que o jornalismo literário é uma forma de resgatar o Jornalismo ou de rememorar a nostalgia de um Jornalismo que não existe mais?
O que se chama jornalismo literário cabe para alguns tipos de histórias, que permitam a ousadia na forma. Não acho que seja nostalgia ou uma forma de resgate, pois reportagens bem escritas e aprofundadas não deixaram e nem deixarão de ser publicadas.
J.Press — Conte-me um pouco sobre seu livro do Teatro Municipal com o Edison Veiga. Como surgiu essa ideia? Por que o Teatro?
A ideia surgiu após uma série de reportagens sobre um escândalo de corrupção no Teatro Municipal para o Estadão, em 2009, uma licitação fraudada na compra de instrumentos musicais. Uma das reportagens foi sobre “os principais escândalos da história do teatro”, feita basicamente com material do acervo do jornal. Notamos então que havia muita história esquecida, ou mesmo nunca contada direito, sobre o Teatro, e decidimos escrever o livro. A ideia foi humanizar uma importante instituição cultural tida como “erudita”, contando sua história a partir da trajetória de 100 personagens, anônimos e conhecidos.
J.Press — Eu li algumas das suas reportagens e tenho essa curiosidade em saber qual te tocou mais. Você tem uma predileta?
Vitor — Creio que a que mais me tocou foi a reportagem Sobre a Sede, publicada no Brio, sobre a história de um casal de idosos que têm de enfrentar uma decisão difícil que tomaram: o suicídio dos dois, porque um deles não suportava mais viver em um asilo (um ato desesperado que acabou resultando em um homicídio, pois um dos dois sobreviveu).