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‘Sr. Loverman’: e a angústia do que não foi vivido

Uma história sobre envelhecimento, amor proibido e busca pela felicidade autêntica
Por Filipe Moraes (filipealess04@usp.br)

O propósito de uma crise de meia-idade é viver a vida que você deseja e não tolerar a vida que você tem”.

– Sr. Loverman, p. 46

O romance Sr. Loverman (Companhia das Letras, 2024) é o sétimo trabalho literário de Bernardine Evaristo. Nesta obra, a autora mergulha na vida da comunidade caribenha mais antiga da Grã-Bretanha, sob a perspectiva de um homem antiguano, imigrante e homossexual enrustido de 74 anos.

No livro, o leitor acompanha a vida de Barrington Jedidiah Walker, ou Barry, um homem aparentemente bem-sucedido que esconde um segredo há décadas: ele mantém um relacionamento amoroso com Morris, seu amigo de infância. Essa vida dupla, alimentada por encontros secretos e cartas apaixonadas, representa para Barry a verdadeira felicidade, em contraste com o casamento morno e sem paixão que leva com Carmel. Aos 74 anos, Barry finalmente decide se divorciar da esposa para  viver com seu verdadeiro grande amor, mas isso pode comprometer suas conquistas ao longo da vida.

Me convenci a ir adiante com aquilo. Por que é que não posso morar com o Morris em vez de me esgueirar como um ladrão? Podia fazer isso. Podia ser corajoso”. 

– p. 46

O protagonista se apresenta como um personagem complexo e multifacetado que, em alguns momentos, pode incomodar o leitor. Ele se mostra egocêntrico, machista e, muitas vezes, indiferente quanto às necessidades e sentimentos das pessoas ao seu redor. Sua postura machista se manifesta em diversas situações, desde a forma como trata sua esposa, Carmel, até seus comentários desrespeitosos sobre outras mulheres.

Essas atitudes e pensamentos de Barry, por vezes desconfortáveis e desafiadores, ganham nova perspectiva quando contextualizados pelas lentes do tempo e da cultura em que ele viveu. Barry nasceu e foi criado em uma época marcada por valores tradicionais, patriarcais e heteronormativos.

O Barry é uma sabe-tudo que esconde o conhecimento superficial por trás de uma auto importância intelectual claramente exibicionista, mas ai de quem disser isso na cara dele ele distribui sopapos, mas não aguenta levar ego gigantesco, tolerância minúscula a ataques — esse é ele”. 

– p. 158

O livro foi adaptado em uma série de televisão pela BBC, estrelada e produzida por Lennie James [Imagem: Reprodução/BBC Studios]

Um homem aprisionado em segredos

Por trás da fachada de sucesso e renome, Barry reprimiu seus desejos por anos. A decisão de revelar a verdade sobre sua sexualidade o coloca  em um dilema moral e emocional, obrigando-o a confrontar seus próprios medos e inseguranças. 

Ao longo da história, o leitor é testemunha das lutas internas de Barry, enquanto ele tenta conciliar sua identidade com as expectativas da sociedade e as pressões do casamento tradicional. Evaristo explora com sensibilidade os desafios enfrentados por indivíduos LGBTQIA+ em um mundo ainda marcado por preconceitos e discriminação.

O nome dele é Morris. Ele é o meu Morris e sempre foi o meu Morris. Ele é um homem de bom coração, um homem especial, um homem sensual, […] e um homem com quem eu posso ser totalmente eu mesmo”. 

– p. 142

Uma mulher aprisionada em expectativas

Um aspecto interessante do livro é como a autora consegue explorar as expectativas sociais impostas aos personagens. Ao longo da narrativa, percebe-se como as relações de gênero, raça, classe e sexualidade se conectam e influenciam os caminhos dos personagens.

Em alguns capítulos, o leitor adentra nos fluxos de consciência de Carmel. A personagem se sente pressionada a manter a aparência de um casamento feliz, mesmo que isso signifique negar seus próprios desejos e sentimentos. No fundo, ela se sente frustrada e incompleta com um homem que nunca foi apaixonado por ela.

Encha seu coração de amor, Carmel não é que você não ame seu marido é que com a idade de trinta e seis anos você vem esperando há vinte que ele te ame”.

 – p. 166

A cultura caribenha e as mudanças aos longo dos anos

Evaristo consegue retratar o contexto social e cultural da época, explorando as mudanças políticas, econômicas e sociais que ocorreram ao longo dos anos. Por meio dessa contextualização, pode-se compreender melhor as lutas e os desafios que os personagens enfrentam, e como suas vidas são impactadas pelas forças externas.

A obra também explora as complexas identidades dos personagens caribenhos que vivem em Londres, longe de sua terra natal. Eles carregam consigo a herança cultural de suas origens, enquanto também se adaptam à nova cultura e sociedade em que estão inseridos.

E daí se eu e a minha gente optamos por bagunçar co inglêis britaniquêis sempre que a gente tem vontade, descartando as nossas preposições com as calcinhas, mijando no penico da sintaxe e da ortografia corretas e estropiando a nossa gramática aleatoriamente? Essa não é a nossa prerrogativa pós-moderna e pós-colonial?” 

– p. 18

Sobre a autora

Bernardine Evaristo, escritora anglo-nigeriana, explora em suas obras a diáspora africana, entrelaçando passado, presente e fabulação. Evaristo é professora de escrita criativa na Brunel University London e presidente da Royal Society of Literature (RSL), sendo a primeira pessoa negra a ocupar o cargo desde que a RSL foi fundada, em 1820.

Bernardine Evaristo recebeu mais de 76 prêmios, indicações, bolsas e honrarias, e seus livros foram considerados Book of the Year (livro do ano) sessenta vezes [Imagem: Reprodução/Instagram/@bernardineevaristo]

Ao longo de sua carreira, Evaristo publicou mais de dez livros, incluindo as obras Island of Abraham (Peepal Tree Press, 1994), Lara (Angela Royal Pub, 1997), Manifesto – Sobre Nunca Desistir (Companhia das letras, 2022) e Garota, Mulher, Outras (Companhia das letras, 2020). Este último, vencedor do prestigioso prêmio Man Booker em 2019, é um romance que narra a história de 12 mulheres negras de diferentes origens e gerações.

Foto de capa: [Divulgação/Companhia das Letras]

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