Por Lara Cáfaro (laracafaro@usp.br)
Com uma área de 750 mil hectares nos municípios de Sena Madureira e Manuel Urbano, a Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema abriga cerca de 400 famílias, que vivem do extrativismo de castanha-do-Brasil, pesca, artesanatos de borracha e sementes, agricultura e pecuária de subsistência.
Essa Reserva Extrativista (RESEX) foi criada em 2002 e completará 22 anos em 19 de setembro de 2024. No entanto, a luta dos extrativistas surgiu no século passado, com a chegada dos nordestinos à região onde se localiza o Estado do Acre, durante os ciclos da borracha que ocorreram entre o início da Primeira Guerra Mundial e o final da Segunda Guerra Mundial.
As pioneiras na exploração de borracha na região foram as famílias Maia e Siqueira, que se estabeleceram ao redor do rio Caeté. Inicialmente, o produto era altamente valorizado, mas os principais lucros beneficiavam apenas os patrões, os seringueiros viviam em condições difíceis e não podiam retornar às suas origens. Assim, muitos se estabeleceram na região e formaram novas famílias.
Aldeci Cerqueira Maia, mais conhecido como Nenzinho, o principal líder da Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, em uma entrevista para a Jornalismo Júnior, afirmou que a luta pela criação da reserva teve como objetivo garantir o direito à terra para as famílias extrativistas. “Nós vivíamos nas terras de outras pessoas. A luta foi para que o governo nos desse o direito de permanecer aqui. Chico Mendes, que era seringueiro e ativista, lutou pela garantia da terra e pela nossa permanência”.
Em 2007, o Ministério do Meio Ambiente publicou o Plano de Manejo da Reserva Extrativista do Cazumbá- Iracema, que tem como objetivo central “promover, a partir de parcerias com diversos segmentos da sociedade, especialmente com as comunidades locais, na condição de principais beneficiárias e co-responsáveis pela gestão da Unidade, a conservação, preservação e uso sustentável dos recursos naturais de porção significativa do bioma amazônico no estado do Acre, além de assegurar a melhoria das condições de vida das populações residentes, em harmonia com a manutenção de sua cultura e modo de vida tradicional.”
No entanto, o líder da reserva afirma que ainda há muito a ser feito para alcançar as metas. “As famílias necessitam de melhorias na educação, saúde e moradia. O povo merece dignidade, nós batalhamos por um ambiente saudável que preserve a biodiversidade. É possível manter a natureza preservada e empoderar as famílias em suas lutas”.
Educação
A reserva conta com 22 escolas, separadas entre Ensino Médio, Ensino Fundamental e Educação Infantil. Apesar da ampliação nos últimos dez anos, os serviços de educação oferecidos na RESEX ainda não conseguem suprir a demanda, em razão do número insuficiente de escolas e, principalmente, da falta de professores. Em algumas situações, a distância entre casa e escola impede que crianças e adultos tenham acesso à educação.
O coordenador Francisco Marcos, conhecido como Chiquinho, é professor há 13 anos. Embora não tenha nascido na reserva, atua no local há 9 anos. “Tenho talento para a Educação Infantil e é um prazer contribuir com o desenvolvimento das crianças”. Ele diz que o sonho de se tornar um profissional na área pedagógica surgiu como uma necessidade: “eu precisava trabalhar e essa oportunidade apareceu, então a abracei imediatamente.”
A trajetória da docente Madalena Maia da Silva transita por caminhos distintos. Desde criança, ela viu sua mãe lecionar e alfabetizar crianças da reserva. Quando cresceu, teve a oportunidade de cursar uma graduação. “Foi muito difícil concluir a faculdade, meu filho era pequeno, mas sempre tive o desejo de contribuir com a comunidade e felizmente consegui.” Madalena declara que ser uma professora nascida na Cazumbá é extremamente gratificante, pois conhece a realidade de perto.
Em outra unidade de ensino ainda mais distante do município de Sena Madureira, a comunidade “Seguro” possui uma infraestrutura dedicada aos alunos do Ensino Fundamental e Médio. Lázaro Siqueira Ramos, educador formado em História pela UFAC (Universidade Federal do Acre), conta que foi seringueiro. “Sinto-me muito feliz por ser um ex-seringueiro que teve a oportunidade de frequentar uma faculdade e contribuir com a população.” Para Lázaro, uma vida sem alfabetização é extremamente desafiadora, pois o desenvolvimento cognitivo e social das crianças assegura a aquisição adequada de habilidades que serão usadas ao longo de toda a vida.
A irmã de Lázaro, Maria Socorro de Siqueira, estudou na comunidade durante sua infância. Com o desejo de transformar sua realidade, cursou pedagogia na UFAC e posteriormente realizou um mestrado em “Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores” na Universidade de Coimbra, em Portugal. O retorno para a reserva foi marcado pelo desejo de voltar à vida natural e pacata. “Meu maior objetivo é proporcionar às crianças uma formação que lhes permita amar sua cultura, apreciar a leitura de um livro e descobrir um novo mundo.”
Os coordenadores destacaram que muitos meninos infelizmente abandonam a escola por necessidade, sendo obrigados a trabalhar desde cedo. As meninas frequentemente se casam muito jovens e adotam um estilo de vida completamente diferente, no qual a escola não faz parte da realidade. Além disso, as dificuldades estruturais comprometem a qualidade do ensino dos alunos, visto que os próprios professores precisam arcar com custos básicos da escola, como a luz e a internet.
Gestão
A Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema é uma Unidade de Conservação (UC) federal, de uso sustentável, e seu órgão gestor é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável por gerir, proteger, monitorar e fiscalizar as 340 UCs federais existentes em todo o país, em parceria com representantes da comunidade e da sociedade civil organizadas.
O atual gestor é Aécio Santos, engenheiro florestal formado pela UFAC. Diante das reivindicações e pedidos, o gestor afirma que busca conhecer as demandas da comunidade. “As necessidades são legítimas, muitas políticas públicas precisam chegar até eles, meu papel é contribuir para que isso aconteça.”
As ações de manejo dos recursos da Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema estão organizadas em programas de sustentabilidade ambiental e econômica. Sua execução visa contribuir para criação e implementação de políticas públicas e de gestão ambiental, subsidiando os órgãos governamentais e entidades da sociedade civil no estabelecimento de critérios para conservação e uso sustentável dos recursos naturais e no planejamento de futuros investimentos na região.
Atividades comunitárias
Dentre as ações culturais da comunidade, um grupo de jovens, liderado por Márcio Maia da Silva, uniu-se para formar um coletivo religioso chamado “Prisioneiros de Cristo”, composto por 36 integrantes.
Seu objetivo é de que jovens empáticos, solidários, conscientes e comprometidos com a responsabilidade social mobilizem voluntários e promovam cultura e educação dentro da comunidade. A juventude já organizou vários retiros entre os núcleos da reserva, com troca de conhecimentos e experiência, esses eventos foram extremamente importantes para o coletivo.
O futebol é uma manifestação cultural essencial para a população da Cazumbá. Este esporte é uma tradição enraizada e ocorre diariamente com a participação de mais de 30 nativos. Um dos principais torneios é a “Copa da Floresta”, que combina a paixão pelo esporte com o amor pela natureza. O time da RESEX é tricampeão.
Marciana Maia da Silva é uma das jogadoras mais dedicadas e pratica desde a infância. “O apoio da comunidade é fundamental em todos os jogos. O futebol está no meu sangue, e quando estou em campo, esqueço de todos os problemas”, disse ela.
Artesanato
Os moradores da Reserva Extrativista estão cada vez mais dedicados à produção de artesanatos com o látex. Leonora Siqueira Maia, filha de seringueiros, lidera o grupo de artesanato. Segundo a artesã, a desvalorização da borracha exigiu uma reinvenção, para que a população encontrasse novas formas de renda provenientes da floresta.
“Eu e meu esposo, Raimundo Nonato, estudamos na UFAC por quatro anos, participando de capacitações e testes sobre o artesanato da borracha. Após dominar todo o processo, conseguimos valorizar nossa produção de borracha e toda a cadeia produtiva, que é totalmente manual.” Os produtos foram expostos em feiras nacionais e internacionais, e já decoraram até mesmo a mesa de café da manhã do programa Mais Você, apresentado por Ana Maria Braga.
Mulheres e homens se dividem na execução das tarefas durante todo o processo de confecção das peças artesanais, que inclui a coleta do látex, produção e comercialização. Todos os artesãos da Reserva Extrativista integram o Projeto “Cazumbá Arte”, que visa apoiar a produção e comercialização do artesanato. O casal realizou oficinas para toda a comunidade, com o intuito de promover essa nova fonte de renda.
Um dos principais artistas atuais da região é Jilberto Maia. O processo completo de seus bonecos é bastante delicado e leva aproximadamente duas semanas, incluindo a finalização e a secagem. Por isso, o artesão consegue produzir cerca de trinta peças mensais. “O processo é trabalhoso. Muitas vezes, fico estressado e penso em desistir, mas o resultado final sempre compensa.”
De acordo com o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Alfredo Homma, a identificação de fontes de renda alternativas, pouco impactantes para o meio ambiente e relacionadas a produtos da floresta, como o artesanato, é uma das formas de evitar a expansão do desmatamento na Unidade.
A borracha
Entre abril e outubro de cada ano, quando ocorre o período de estiagem no Acre, famílias de seringueiros cortam as árvores e começam uma corrida contra o tempo antes que as chuvas comecem novamente e dificultem os caminhos.
O investimento em tecnologia melhorou significativamente a qualidade do látex, ampliou as opções de utilização e aumentou sua durabilidade. Na Reserva Extrativista, os grupos se organizam para promover um trabalho voltado ao bem-estar comunitário e ao desenvolvimento econômico sustentável.
Nonato, descendente de seringueiros, seguiu a profissão de seus antepassados. Para ele, a seringueira é como uma mãe: já criou e sustentou inúmeras gerações de sua família. “É a partir dessa árvore que temos o nosso sustento, precisamos cuidar da floresta amazônica, sem a floresta não temos vida.”