“Foi só uma questão simples de comunicação que houve e que nós esperamos corrigir.” Essa foi parte da declaração do agora ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, na sexta-feira, 2 de agosto, ao anunciar que seria exonerado do cargo. O acontecimento foi consequência de uma série de declarações públicas por parte do ex-diretor e do presidente Jair Bolsonaro, no último mês. No dia 19 de julho, em reunião com jornalistas estrangeiros, Bolsonaro afirmou que os dados divulgados pelo instituto não condizem com a realidade. “Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido.”
A partir daí, Galvão se contrapôs a Bolsonaro, defendendo a seriedade do órgão e questionando a postura do presidente. A polêmica esteve permeando as notícias na última quinzena de julho, em torno do que alguns consideram acusações e respostas. A postura crítica do funcionário sobre as atitudes do presidente incomodou Bolsonaro e a cúpula do governo, construindo uma atmosfera tensa até culminar na exoneração de Galvão.
Criado em 1961 como forma de inserção do Brasil nas atividades espaciais, o Inpe faz uso da sua tecnologia para abordar questões ambientais desde a década de 1970. A Amazônia vem contando com dados de satélites do Inpe para avaliações de sua floresta primária desde 1988, quando foi criado o Projeto Desflorestamento da Amazônia Legal (PRODES), que traça um inventário do desmatamento na região. Em 2004, a atuação do órgão se expandiu com a Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) – o alvo das críticas de Bolsonaro –, responsável por emitir alertas diários sobre alterações significativas na cobertura vegetal.
Os dados divulgados pelo Inpe sobre o último mês mostram que esses avisos do DETER tiveram um aumento de 278% com relação a julho do ano passado. Antes disso, o instituto havia apontado um maior desmatamento comparativo entre os meses de junho de 2018 e 2019, com um crescimento de 88% para o mesmo período de tempo em cada um dos anos.
A engenheira florestal Danielle Celentano, formada pela UNESP e, atualmente, professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) evidencia que, embora essa não seja uma grande preocupação por parte do governo, os índices de desmatamento vêm crescendo nos últimos anos.
A partir de 2005, houve uma desaceleração no ritmo do desmatamento, aliada a políticas governamentais de preservação ambiental, mas essa não é a tendência atual. “Atualmente, o aumento expressivo do desmatamento pode ter relação com as sinalizações dadas pelo atual governo, e em particular a desmoralização dos órgãos de vigilância e fiscalização, que cumprem um papel essencial para o combate do desmatamento na região, mas que atualmente não estão recebendo o devido respeito.” explica Danielle
István van Deursen Varga, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com formação e experiência profissional no campo da Saúde Coletiva e das Ciências Sociais, compartilha da mesma visão: “Empiricamente, com base em depoimentos e informações colhidas em campo, sem acesso direto a dados técnicos mais precisos, podemos afirmar que, com a posse do governo Bolsonaro ー mesmo ainda antes da vigência de medidas oficiais tomadas pelo próprio governo ー intensificaram-se e agudizaram-se, sobremaneira, as agressões a povos indígenas e a seus territórios, e a Unidades de Conservação.”
Em contraponto, o presidente deixa claro há um bom tempo que o meio ambiente não é exatamente prioridade na sua gestão, e representa apenas um de vários grupos críticos em relação à pauta. Além de questionar a legitimidade dessa preocupação, consideram outras questões mais importantes ou urgentes.
Dando respaldo ao presidente em meio à polêmica, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já se pronunciou à imprensa criticando os dados sobre o desmatamento, apesar de atribuir a culpa de um suposto sensacionalismo mais às interpretações desses dados ー e especificamente ao DETER ー do que ao INPE em si.
Salles chegou a fazer uma apresentação durante uma coletiva demonstrando falhas de monitoramento detectadas por sua equipe, que incluíam detecção tardia de áreas desmatadas, contagem duplicada de focos e até áreas de baixa vegetação sendo contabilizadas como desmatamento. Para o ministro, “somente operações de controle e fiscalização não resolverão o problema da Amazônia”, e os problemas da região estão bem mais ligados à pobreza dos habitantes.
No entanto, não é só o INPE que traz informações preocupantes sobre o tema. Imagens produzidas em julho pela Planet Labs, empresa americana de atuação espacial significativa, já exibiam uma considerável ampliação dos focos de garimpo na Amazônia brasileira. Paralelamente, o boletim Sirad X – que e é publicado pela Rede Xingu+ (conjunto de organizações ambientais e indígenas), e usa algoritmos para processar informações de satélites da Agência Espacial Europeia – vem mostrando nos últimos meses estatísticas semelhantes de avanço do desmatamento na bacia do rio Xingu, incluindo um inquietante compasso de 533 árvores derrubadas por minuto.
Impactos do desflorestamento
Esse ritmo acelerado de desmatamento está diretamente relacionado ao avanço da agropecuária, em particular da pecuária extensiva. De acordo com Danielle, na região da Amazônia desenvolve-se uma atividade de baixíssima produtividade. Ou seja, desmata-se muito para produzir pouco. “Hoje, cerca de 20% das terras que foram desmatadas, o que equivale a cerca de 17 milhões de hectares, segundo dados do Inpe e do projeto TerraClass, são áreas que estão abandonadas”, comenta a pesquisadora.
Outra atividade que causa bastante impacto em áreas da Floresta Amazônica é o garimpo, seja ele legal ou ilegal. Danielle explica que costuma ser uma exploração de baixo retorno socioeconômico local e graves consequências: não apenas o desmatamento, mas também a contaminação do ambiente por mercúrio e problemas de violência. “Na literatura científica existe um termo que é resource curse – a maldição dos recursos. Locais com grande riqueza de recurso mineral passam por um ciclo de exploração que não gera desenvolvimento nem riquezas locais.” Segundo a professora, acontece justamente o aumento da pobreza e da violência, além da intensa degradação ambiental, o que é ainda mais grave em territórios indígenas, onde a maioria da população gostaria de conservar suas raízes culturais e a floresta.
As consequências ecológicas do desmatamento vão desde a emissão de gases do efeito estufa, que contribuem para mudanças climáticas, até a perda da biodiversidade. Danielle também explica como funcionam os impactos sociais: “O processo de desmatamento gera um ciclo econômico conhecido como boom bust. Em um primeiro momento, justamente pelo alto valor da madeira, gera-se emprego e renda localmente. Mas, como a floresta é destruída, não há um manejo sustentável, então os recursos acabam esgotados. Assim, as pessoas que, muitas vezes, migram para essas regiões ficam sem nenhuma opção econômica e de desenvolvimento humano, porque os serviços não chegam”.
Caminhos para lidar com esses efeitos sociais são apontados por István: “Uma das formas mais consistentes de conter a expansão das frentes de desmatamento é expandir a capacidade de atuação do Estado, e a sistemática implementação das políticas públicas voltadas à fixação do trabalhador rural à terra, bem como à promoção do pleno exercício de sua cidadania.”
Sobre soluções possíveis, Danielle garante se sentir otimista, mesmo diante de situações difíceis como a atual. No Acordo de Paris (2015), o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030 e a restaurar 12 milhões de hectares de floresta. Hoje, os especialistas pensam além. “O desmatamento zero ilegal ainda é uma meta muito pouco ambiciosa. Nós temos que ir rumo a um comprometimento, em particular dos governadores dos estados amazônicos, ao desmatamento líquido zero. Ou seja, a perda de floresta sendo compensada pelo ganho de floresta, mas com uma meta de médio prazo do desmatamento absoluto zero.”
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