O dia 9 de agosto de 2019, nomeado de Dia do Fogo, foi o ápice para a discussão de um problema nacional: as constantes queimadas na Floresta Amazônica. O dia virou noite em São Paulo e tal acontecimento despertou a população para debater o desmonte da fiscalização do desmatamento e a falta de coerência de um governo que não acredita em dados da devastação de nossa floresta. Este texto busca trazer o panorama da situação de um importantíssimo mecanismo de fiscalização e combate ao desmatamento que teve seu principal financiamento suspenso: o Fundo Amazônia.
O que é o Fundo Amazônia
O Fundo Amazônia foi criado em 2008 com a finalidade de captar doações para investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Gerido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o fundo sobrevive em sua maioria com repasses da Noruega (93,8%), Alemanha (5,7%) e recursos da Petrobrás (0,5%).
Alexandre Anders Brasil, mestre em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná, diz que países como a Noruega e Alemanha se beneficiam com o financiamento devido à meta de redução de emissão de carbono que eles possuem, contabilizada através da redução de desmatamento. “Países comprometidos com a causa veem nesse instrumento um mecanismo de compensação das emissões realizadas nos países deles”. Ele compartilha que pelo Fundo Amazônia não ter a metodologia discutida amplamente no ambiente técnico e acadêmico, outros países ainda não se mobilizaram para fazer doações.
Entre 2016 e 2018, o Fundo Amazônia financiou pelo menos 466 missões de fiscalização do Ibama que geraram aplicação de mais de R$ 2,5 bilhões em multas. O contrato deste financiamento foi assinado em 2018 com o compromisso de destinar R$ 140 milhões do fundo para o Ibama arcar com as ações. A verba seria repassada ao longo de três anos (44, 46 e 48 milhões). Até agora, o Ibama só recebeu 30% do valor (42 milhões).
Embora historicamente o Ibama possuísse orçamento, nos últimos anos esse repasse vem sendo contingenciado, precisando, dessa forma, recorrer ao Fundo Amazônia. Em abril de 2019 o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou o corte de 24% no orçamento do instituto. Na segunda semana de agosto (2019), Alemanha e Noruega anunciaram a suspensão dos repasses para o fundo, motivadas pelo aumento do desmatamento e as propostas de mudança na destinação de recursos e na gestão do fundo, representado pelo COFA (Comitê Orientador do Fundo Amazônia), extinguido em junho de 2019.
O desmatamento na Amazônia
Em 2018, durante o governo Temer, Noruega e Alemanha ameaçaram de reexaminar a liberação dos recursos em razão do aumento do desmatamento entre 2015 e 2016, mas o Brasil se comprometeu a cumprir sua parte para impedir o aumento do desmatamento. Entretanto, segundo divulgação dos dados do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais –, em junho deste ano o desmatamento foi 88% superior ao verificado no mesmo período de 2018.
Embora o governo de Jair Bolsonaro esteja comprometido com o objetivo do Acordo Climático de Paris – reduzir o desmatamento ilegal de florestas a zero até 2030 e de iniciar o reflorestamento –, a realidade é bem diferente. É notória a parcela de responsabilidade do país visto que já havia sido ameaçado uma vez com a suspensão do repasse. Vale pontuar que, desmatada uma área de 40% da floresta original, o restante não consegue sustentar o ecossistema de uma floresta tropical chuvosa. A Amazônia já perdeu até agora cerca de 20% da cobertura original, segundo relatório do Fundo Mundial para a Natureza da organização em defesa do meio ambiente WWF (World Wide Fund for Nature).
Mudança na gestão: o que foi discutido
O COFA – Comitê Orientador do Fundo –, é composto pelo Governo Federal, representado pelo Ministério do Meio Ambiente e do presidente do BNDES, além de ministérios federais; Governos Estaduais (dos nove estados que integram a Floresta Amazônica); e a Sociedade Civil representada pelo terceiro setor.
A atribuição do COFA é determinar diretrizes e acompanhar os resultados obtidos pelo Fundo. Em maio, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles afirmou que pretendia mudar a composição do conselho, elevando a participação do governo e diminuindo a representatividade da sociedade civil e estados.
Alexandre Anders Brasil compartilha que “não há interferência política ou técnica por parte da Noruega e Alemanha nas decisões e critérios estabelecidos tanto pelo COFA quanto pelos analistas do BNDES, então eles acompanham mas não intervém diretamente no que é definido. Isso acontece desde o princípio de estabelecimento do fundo”, ainda assim, a existência do comitê era uma condição para a liberação do dinheiro por parte dos financiadores que não apoiam a mudança na gestão.
Mudança na destinação de recursos
Uma das mudanças propostas pelo ministro Ricardo Salles é a alteração das normas do Fundo em que fica permitido utilizar os recursos para pagar indenizações de donos de propriedades privadas dentro de Unidades de Conservação. A preocupação por parte de ambientalistas é que o uso de recursos para regularização fundiária na Amazônia possa beneficiar quem invadiu as áreas protegidas da floresta e gerar ainda mais desmatamento. Essa mudança também não foi apoiada pelos financiadores.
Para além do Fundo
Com o corte do financiamento da Alemanha e Noruega, na visão de Alexandre Anders, a descentralização do Fundo Amazônia pode ser uma saída para resolver a questão: “Hoje com a crise relacionada ao Fundo, os estados começam a se movimentar e se organizar em uma associação e, acredito que seja uma boa opção lançarem um fundo descentralizado entre os estados que compõem a Amazônia, com parâmetros e critérios técnicos bem definidos”.
Para além do Fundo, Alexandre compartilha que a atuação de ONGs faz muita diferença na política ambiental e preservação da floresta. “Preservação da Amazônia não é só comando e controle. A governança é um dos componentes essenciais, a participação pública, o empoderamento da sociedade civil, das comunidades indígenas, ribeirinhos, usuários de fato. E nesse contexto as ONGs tiveram um papel fundamental, com projetos de fato robustos voltados para o empoderamento, treinamento e capacitação dos atores finais sobre o melhor uso do solo. Antes disso os sistemas da agropecuária cortavam muito o pequeno produtor, para substituir o uso sustentável da floresta por gado e plantação de soja.”
A mobilização global em torno da Amazônia nos últimos dias trouxe a urgência de se discutir sobre o destino da floresta amazônica, e sobre isso, Humberto Ângelo, doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná compartilha com certo otimismo: “Nós estamos vivendo uma determinada época do ano que favorece as queimadas, que sempre existiram. Agora elas estão tomando uma proporção maior na mídia. O ponto positivo dessa tragédia toda é mostrar à população que a floresta é geradora de uma série de benefícios de serviços ambientais como produção de oxigênio, manutenção das nascentes, preservação das águas e proteção aos mananciais. Agora, a sociedade tem que se conscientizar que ela tem que pagar por esses serviços. Enquanto as florestas não tiverem valor significativo, o agricultor e produtor vai procurar outro uso para aquela área, desmatando para usá-la.”
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