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Risco de explosão em construções feitas em antigos lixões

Presença de gás metano no solo contaminado por antigos lixões ou aterros sanitários é um risco para moradores, e mesmo regiões monitoradas são afetadas pelas sucessivas interdições e restrições
Por Gabriela Cecchin (gabrielacmr@usp.br)

No fim de março de 2023, uma escola municipal de Heliópolis, zona sul de São Paulo, foi interditada por 180 dias devido à presença de gás metano no solo. Os alunos da EMEF Péricles Eugênio da Silva Ramos foram informados de que teriam aulas remotas nos primeiros dias e depois seriam transferidos para outra instituição, a CEU Meninos, até que fosse feita uma reforma hidráulica na área.

Esse não é um problema novo em Heliópolis. Na verdade, a região do Conjunto Habitacional Heliópolis (Gleba L), cedida pela Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), já é monitorada há anos pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).

Letícia Stevanato Rodrigues, mestra e doutoranda em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo, comenta: “A área do Conjunto habitacional Heliópolis está em processo de gerenciamento de risco, ou seja, foram feitas investigações sobre a contaminação do solo e da água subterrânea e, diante dos riscos que foram identificados aos moradores e trabalhadores da área, medidas de intervenção estão em andamento”.

O Gleba L apresenta esse problema porque foi construído em cima de um antigo lixão. Nesse tipo de área, restos de comida presentes no lixo se decompoẽm e produzem, entre outras substâncias, gás metano. Ele é incolor, inodoro e não tóxico, mas pode ficar preso dentro do solo e formar uma mistura explosiva com o ar, facilmente inflamável na presença de calor, chama ou faísca.

A tragédia do Morro do Bumba, em Niterói (RJ), é um possível exemplo. Em 2010, a região foi acometida por uma tempestade, que acarretou um deslizamento acompanhado de barulhos de estouros, como relataram os moradores. Essa área havia sido construída em cima de um lixão desativado, e a liberação do gás metano que estava soterrado pode ter piorado a instabilidade do solo, causando explosões que teriam agravado o desastre.

Fórmula estrutural e molécula do gás metano, produzido pela matéria orgânica de lixões
O metano (CH4) é o hidrocarboneto mais simples, produzido também na digestão dos animais.
[Imagens: Reprodução/ Wikimedia Commons]

A USP Leste

Um caso parecido com o da escola de Heliópolis é o da “USP Leste”, campus da Universidade de São Paulo que abriga a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Ela foi fundada em 2005, com o objetivo de ampliar o alcance do ensino superior público para a Zona Leste da cidade de São Paulo, visto que o campus “Cidade Universitária” fica localizado na Zona Oeste.

Porém, a proposta inclusiva teve suas controvérsias antes mesmo da construção dos edifícios da instituição. Isso porque a área escolhida era utilizada para descarte de material orgânico do rio Tietê, e foi detectada a presença de gás metano no solo da região. Mesmo assim, a Universidade foi inaugurada.

Em 2014, as aulas foram interrompidas mais de sete meses, devido a diversos problemas ambientais detectados na área — dentre eles, a presença de gás metano no solo.

Letícia, que também é graduada em Gestão Ambiental pela EACH, relembra: “Eu estava nos meus primeiros anos na USP Leste quando ocorreu a interdição do campus — curiosamente, bem semelhante à interdição da EMEF Péricles Eugênio. Não tínhamos sido comunicados de nada, só observamos que havia uma placa na Universidade sinalizando que se tratava de uma área contaminada e que estava interditada”.

Desde o episódio, algumas medidas foram realizadas no campus, como a instalação de um sistema de extração de vapores e gases, usando bombas e exaustores, para impedir que o metano fique preso dentro do solo. O CH4 é menos denso que o ar e, portanto, vai para as camadas mais altas da atmosfera, não sendo mais um perigo próximo à superfície terrestre, apesar de causar outros problemas relacionados ao aquecimento global.

Planeta Terra como representação do efeito estufa
O metano é um dos principais gases do efeito estufa.
[Imagem: Reprodução/ Pixabay]

Entre os alunos da USP Leste, a contaminação é muito conhecida, e alguns mitos foram criados. Raul, estudante de Políticas Públicas na EACH, comenta: “Dizem que não pode sentar na grama”. Porém, ele também fala que não há um medo entre os alunos com os quais ele convive e que esse assunto não é tão comentado. “Realmente não é uma questão. É tratado como uma lenda, uma piada interna”.

Além do sistema de extração, houve a implementação da “comunicação de riscos”, em que são expostos os resultados dos estudos de investigação e monitoramento da condição de contaminação da área. Entretanto, os termos utilizados nesses relatórios podem não ser tão acessíveis para os frequentadores do espaço.

“Tanto na EACH como na Cohab Heliópolis, essa comunicação foi realizada em uma linguagem extremamente técnica e de difícil compreensão, algo que tem sido comumente reportado na literatura científica em outros casos”, comenta Letícia.

Um problema social

Em 2020, a Cohab de Ribeirão Preto foi condenada a indenizar os moradores de um Conjunto Habitacional construído em cima de um antigo lixão, visto que o solo estava contaminado por gases nocivos, como o metano. O CH4 não é considerado um gás tóxico, porém, as construções em cima de lixões podem liberar outras substâncias — como o ácido sulfídrico —, que podem causar outros problemas para a população residente. Por mais que os habitantes não tenham sofrido danos físicos, já que o problema foi detectado antes que uma tragédia ocorresse, os danos morais também são prejudiciais para os envolvidos nesse e nos outros casos citados.

“A depender da condição de contaminação, a ocupação residencial dessas áreas vai levar a alguma restrição evidente, tal como a do uso da água subterrânea ou do contato com o solo”, comenta Letícia. “Essas restrições podem trazer efeitos à saúde que ainda são pouco discutidos, como os impactos emocionais e psicológicos na vida das pessoas que se veem limitadas ao desenvolver atividades que envolvem o contato com a terra, como, por exemplo, o cultivo de hortas urbanas”.

Essas questões afetam uma parcela específica da população, geralmente localizada nas periferias das cidades. De acordo com a pesquisadora: “Não é por acaso que existem locais que recebem toneladas diárias de resíduos e que depois pessoas em situações de extrema vulnerabilidade e desespero, geralmente mães solo, pobres e pessoas negras, são convencidas a comprar lotes vendidos ilegalmente para construir suas moradias. Letícia afirma também que, não por acaso, são as áreas mais bem valorizadas e estruturadas dos municípios brasileiros que correspondem às regiões em que a população é majoritariamente branca e de alta renda.

Lixões ou aterros sanitários?

Desde 2014, de acordo com a lei 12.305 de 2010, os lixões a céu aberto estão proibidos no Brasil. Por conta da lei não ter sido totalmente cumprida, o prazo se estendeu até 2022. Com a ainda não resolução do problema, o novo prazo é 2024.

Os aterros sanitários, uma das alternativas para os lixões, consistem em uma forma de descarte de lixo em solos que já receberam uma preparação específica para receber os resíduos. Eles também apresentam um sistema de captação de gases, como o metano, além da drenagem do chorume, que é tratado e devolvido para o meio ambiente quando apresenta um nível menor de riscos para o planeta.

Porém, eles não resolvem completamente o problema da contaminação. Por mais que sejam uma alternativa melhor do que os lixões, que não fornecem nenhum tipo de tratamento para os resíduos, os aterros sanitários ainda produzem gases e chorume mesmo após a desativação. Por isso, eles podem causar os mesmos problemas ambientais dos descartes indevidos caso não sejam periodicamente controlados e monitorados.

“No Brasil, já tivemos diversos casos de desmoronamento de resíduos em aterros sanitários que estavam em operação. É evidente que, em comparação ao lixão e à incineração, o aterro sanitário tem se mostrado uma alternativa menos danosa. Mas o cenário ideal seria a redução da tríade extração/produção/consumo e, consequentemente, a redução do descarte de resíduos”, aponta a doutoranda.

O tempo de vida útil de um aterro sanitário é de 10 a 15 anos. Mesmo depois de desativadas, essas áreas continuam emitindo gás metano por décadas. Então, o que poderia ser feito para aproveitar o terreno, sem colocar em risco a população?

De acordo com Letícia, o cenário ideal é que ocorra a menor exposição possível. “O que geralmente tem sido recomendado na literatura é o uso recreacional dessas regiões, como a construção de parques e áreas de lazer em ambientes abertos na expectativa de evitar ao máximo a exposição de pessoas a substâncias nocivas à saúde”.

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