Grãos de cevada, ratos, coelhos e sapos. Esses podem até parecer ingredientes de um feitiço de bruxa, mas na verdade são outra coisa: todos foram métodos usados ao longo da história para descobrir uma gravidez. Hoje em dia, é tudo mais simples — basta ir até uma farmácia e comprar um teste rápido, e em 15 minutos obter um resultado preciso. Mas nem sempre foi assim.
Desde tempos remotos, a gravidez é um tema que fascina e incita a curiosidade de homens e mulheres — por exemplo, sobre quando começa a vida, ou em que casos deve-se permitir a realização de um aborto. Com muitas perguntas sem resposta, a gravidez sempre foi um tema complexo, e, ao longo da história, envolveu misticismos, controle sobre corpos femininos, animais, ciência e muitos testes bizarros.
E você, sabe como funcionam e de onde surgiram os testes de gravidez?
A origem dos testes de gravidez
Os registros mais antigos de testes desse tipo são do Egito Antigo, e consistiam na mistura de cevada, trigo e urina da mulher supostamente grávida. A intenção era descobrir se havia mesmo uma gravidez e, em caso positivo, também o sexo do bebê. Os egípcios acreditavam que, se apenas o trigo germinasse, seria uma menina; se fosse só a cevada, seria um menino.
O teste, por incrível que pareça, tinha uma elevada taxa de sucesso. De acordo com os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (INH), em 1963, pesquisadores decidiram pôr o método à prova. Eles constataram que “em 70% dos casos, a urina da mulher grávida promovia o crescimento [dos grãos], enquanto a de mulheres não-grávidas e de homens não causava o mesmo efeito”. Ainda segundo os especialistas, a germinação dos grãos poderia ser atribuída aos altos índices do hormônio estrogênio presente na urina das mulheres grávidas.
A determinação do sexo do bebê, no entanto, aproxima-se do misticismo. Bruna Vecchioli, historiadora formada pela Universidade de São Paulo (USP), destaca o quanto a gravidez era, e ainda é, muito mágica para o ser humano. “É interessante notar que essas eram sociedades que veneravam a fertilidade”, analisa Bruna. “E, por mais conhecimento que a gente tenha alcançado hoje, a gravidez ainda é algo muito mágico. O corpo muda completamente para receber um ser vivo, e isso inspira curiosidade.”
Ratos, coelhos e sapos
Dando um salto no tempo, foi só no fim do século 19 que o fisiologista Ernest Starling descreveu o funcionamento daquilo que seriam os hormônios. Em 1920, laboratórios europeus notaram a presença de uma dessas substâncias, que promovia o crescimento e aumento do ovário, em ratas e coelhas. Era a Gonadotrofina Coriônica, hormônio liberado apenas na ocasião da gravidez, e conhecido nos humanos pela sigla HCG. Segundo a ginecologista Pamella Benedetto, “esse é um hormônio secretado pela parte do embrião que formará a placenta. Ele é liberado a partir do contato do embrião com o útero, por volta do quinto dia após a concepção”.
A partir dessa observação, em 1927, os cientistas alemães Selmar Aschheim e Bernhard Zondek desenvolveram o teste de gravidez que ficou conhecido como o “teste A-Z”. Ele consistia em injetar a urina da mulher supostamente grávida em uma rata ou coelha ainda imatura sexualmente. Se não houvesse mudanças nos animais, o resultado era negativo. Mas, se fosse constatado o desenvolvimento dos órgãos reprodutivos, isso significava que foram estimulados pelo HCG presente na urina — e que a mulher, então, estaria carregando um bebê.
O teste funcionava bem. Havia, porém, um problema: para verificar o crescimento ou não dos órgãos reprodutivos dos animais, era preciso sacrificá-los. É então que os sapos entram em cena.
A reprodução dos anfíbios, diferentemente dos mamíferos (ratos e coelhos, por exemplo), ocorre externamente, na água. O macho estimula a fêmea no chamado “abraço nupcial”, e os dois liberam óvulos e espermatozoides no ambiente. Da mesma forma, toda vez que recebe um estímulo — como uma injeção de urina com HCG —, a fêmea libera óvulos, o que confirmava a gestação em poucos minutos.
Assim, os sapos apresentavam uma enorme vantagem: não precisavam ser sacrificados, e podiam ser utilizados para os testes por diversas vezes. Com essa mudança, o teste se popularizou, chegando inclusive ao Brasil. A caça desses animais, bem como a posterior liberação deles na natureza conforme o teste se tornava obsoleto, levou a graves desequilíbrios ambientais, como mostra um estudo divulgado na revista Nature.
À maneira moderna
Hoje, os testes são realizados com muito mais rapidez e conforto. De acordo com Pamella, os mais comuns encontrados nas farmácias detectam a fração beta do hormônio HCG. O Beta HCG, como também é conhecido, tem uma estrutura química única, e é produzido exclusivamente na ocasião da gestação, o que leva a uma alta precisão dos resultados.
Há também uma razão para a utilização da urina: “Além de ser de fácil coleta, ela contém maior concentração do hormônio do que outras secreções. Os valores de HCG dobram a cada 48 horas, e passam a ser detectáveis pelo teste de farmácia até quatro dias antes do atraso menstrual”, complementa Pamella. Quando o hormônio presente na urina entra em contato com a fita do teste, ela muda de cor, confirmando a gravidez.
Nesse momento, você deve estar pensando: “Nossa, como é simples!”. Foi exatamente isso que pensou, em 1962, a idealizadora do teste de gravidez doméstico, uma publicitária americana chamada Margaret Crane. A criação e comercialização do produto, porém, não foi tão simples quanto o seu funcionamento.
Quanto vale uma ideia?
Segundo a própria Margaret, em entrevista à BBC Mundo, após a criação de um protótipo do teste de gravidez doméstico, “contei a meus chefes, mas eles não acharam uma boa ideia, quase começaram a rir. Não pensaram que poderia ser um produto útil para as mulheres, simplesmente”.
A empresa holandesa Ponzi & Weill, no entanto, resolveu investir na ideia. Conforme aumentava o orçamento para lançar e vender o produto, Margaret reconheceu que não conseguiria levar o projeto adiante sozinha — então, decidiu abdicar da patente do produto pelo preço de um dólar. Só então nasceu o teste de gravidez como o conhecemos — e foi um sucesso de vendas, considerado uma verdadeira “revolução privada” pelos veículos de comunicação da época.
Bruna Vecchioli destaca que ele foi tão revolucionário porque, assim como o advento das pílulas anticoncepcionais em 1960, ele permitia às mulheres um maior controle sobre a própria vida. “A partir de agora, com o anticoncepcional, a mulher pode controlar se quer ou não ter filhos, e quando. E, caso aconteça a gravidez, você pode saber desde o início, com o teste doméstico, para tomar sua decisão.”
Além disso, a história do teste de gravidez moderno revela uma camada mais profunda da sociedade: a desvalorização das mulheres, principalmente na ciência. “A importância de ter cientistas mulheres”, conta Bruna, “é primeiro pelo simples potencial que as mulheres possuem. E inseri-las nesse círculo [científico] envolve pensar em uma série de necessidades que um homem não tem, e que de outra forma ele não pensaria, porque não faz parte do seu cotidiano. E isso se aplica não só a mulheres, mas a todos os grupos sociais”.
A importância de detectar uma gravidez
Há outro motivo pelo qual o teste doméstico foi considerado revolucionário, mas este é menos óbvio. Com a possibilidade de descobrir a gravidez de forma mais rápida, barata e acessível, cada vez mais as mulheres passaram a fazer o acompanhamento pré-natal necessário.
No Brasil, 62% das mulheres ficam grávidas sem planejamento, segundo pesquisa realizada pela Bayer Brazil, em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e a Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec). Nesse contexto, “decidir como ela [a mãe] vai guiar sua gravidez desde cedo, por conta própria, representa um grande avanço, já que muitas mulheres não têm acesso fácil a um médico”, aponta a historiadora Bruna.
A ginecologista Pamella destaca também que o acompanhamento médico pré-natal é essencial, porque é nessa fase em que são realizados exames para diagnóstico de possíveis doenças. Também há prescrição de suplementos vitamínicos e orientações sobre dieta e atividade física, tudo para garantir a manutenção da saúde da mãe e do bebê. De acordo com Pamella, “se o pré-natal não é feito adequadamente, existe o risco de a mãe ou o bebê terem alguma doença ou complicação. O diagnóstico pode acabar sendo muito tardio, e colocar em risco a vida de ambos”.