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‘Todos os nossos ontens’ também são os nossos amanhãs

Obra de Natalia Ginzburg revisita o passado para dar sentido ao hoje
Capa de Todos os nossos ontens com o fundo rosa e laranja
Por Giovanna Castro (giovannacastrop@usp.br)

O começo de Todos os nossos ontens (Companhia das Letras, 2023), de Natalia Ginzburg, introduz a protagonista Anna sem de fato apresentá-la. A personagem é citada apenas na última palavra do primeiro parágrafo. De fato, o leitor não consegue ter a dimensão da presença de Anna até que termine a história, ou até que chegue à segunda parte do livro, quando a obra passa a focar mais na vida da personagem.

Todos os nossos ontens e a guerra no cotidiano

A história apresenta uma família com quatro irmãos: Anna, Giustino, Ippolito e Concettina. Na trama, eles seguem seus próprios caminhos enquanto a Segunda Guerra Mundial se desenvolve como plano de fundo.

A família italiana convive com uma guerra que, durante um primeiro momento, parece distante, apesar do engajamento político dos irmãos e amigos que são contra o conflito.

Foto antiga, em preto e branco, da Natalia Ginzburg, autora de Todos os nossos ontens
O primeiro marido de Natalia Ginzburg, Leone Ginzburg, integrou a Resistência e foi assassinado pelos ocupantes nazistas em 1944 [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]

Em um período em que tantas obras surgem para debater como os seres humanos seguem suas próprias vidas em meio aos conflitos — e são, por vezes, coniventes com a barbárie —, a exemplo do filme Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023), Todos os nossos ontens também mostra como a vida continua, antes, durante e depois de todas as tragédias.

“Agora os alemães haviam vencido e não se teria mais revolução alguma, seria uma guerra de poucos dias e depois, alemães e mais alemães, tanques alemães nas ruas de toda a terra. E nessa terra cheia de tanques alemães a história dela e de Giuma não tinha nenhuma importância, era nada, era nada e tão triste”

Um dos aspectos mais interessantes sobre tomar como cenário a Itália de Mussolini é analisar como a resistência atuava no país. Parece um movimento comum pensar que a população geral apoiava o regime por não haver alternativa além da concordância. Mas Ginzburg mostra que havia sim uma alternativa. Danilo, um dos amigos da família, entra na resistência italiana para combater o regime fascista. Anna também sonha em entrar em combate, imaginando cenários nos quais pessoas próximas a ela também se unem.

“[…] nunca pensara em nenhuma pátria quando estava atirando na guerra. Na verdade nenhum dos que estavam com ele pensavam. E ninguém também se lembrava de que aqueles tiros eram contra os russos. Era atirar em nome de ninguém e contra ninguém […]”.

A maternidade de Ginzburg

Algo que Ginzburg faz muito bem é mostrar a presença feminina em um cenário que geralmente não é pensado para elas. Em especial, a diferença entre as figuras maternas em Todos os nossos ontens é digna de nota. Especificamente, Concettina e Anna representam bem a diferença entre as mães do livro.

Concettina, nas primeiras páginas do livro, é apresentada como uma figura um pouco superficial, mas que esconde opiniões muito sábias sobre o futuro da própria família. Entretanto, após um casamento que seus irmãos e amigos enxergam como algo absurdo, já que ela se casa com alguém que eles consideram um “camisa-negra” — em referência ao fascismo do país  — e se acomoda em um lar burguês.

A irmã então se torna um fantasma daquilo que um dia havia sido ao tornar-se mãe, navegando entre o passado de irmã e o presente como mãe. Todas as preocupações giram em torno de seu filho e ela por vezes se vira contra figuras do passado em defesa de sua nova família.

Quando a guerra se intensifica, Concettina se refugia na casa da família em “Amarenas”, longe do epicentro dos conflitos, a fim de proteger a si e ao seu filho. Já Ana participa de uma forma mais arriscada no conflito, recebendo figuras perseguidas em sua casa e continuamente desejando estar mais perto da batalha e daqueles que já não fazem mais parte de sua vida.

“Anna não tinha se esquecido da guerra, esperava que a guerra viesse para matá-la junto àquela criança secreta no seu corpo, esperava ouvir de um momento para outro um enorme estrondo que dilacerasse a terra”

A gravidez de sua filha não faz com que Ana deixe para trás quem um dia ela já foi, pelo contrário, após tornar-se mãe é notável que sua criança não é superprotegida, pois ela gera surpresa a seus pais e àqueles que visitam a residência, ao mostrar força mesmo com pouca idade.

Uma passagem interessante do livro é quando a protagonista afirma que ainda pensa nos sonhos de participar ativamente da resistência, mas apenas quando sua filha dorme. É um sonho que ressurge quando todos ao seu redor estão dormindo e ela consegue se concentrar em seu mundo interior.

A força de Todos os nossos ontens ocorre quando os personagens crescem em meio àquilo que não faz sentido, nem para eles e nem para o leitor. O que também acontece atualmente, com gerações passando por inúmeras guerras sem entender completamente os seus arredores.

Também, o ponto positivo do livro de Ginzburg, assim como o de outras obras que abordam guerras como tema, é o de nunca fazer com que as pessoas esqueçam o que houve no passado, fazendo com que o futuro, de certa forma, carregue os aprendizados de todos os ontens.

É apesar do incompreensível que as pessoas lutam, criam suas famílias, morrem e amam, algo que Ginzburg mostra muito bem.

*Imagem de capa: Divulgação/ Instagram/ Companhia das Letras

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