Não sei se o caro leitor já ouviu falar, mas conheci Cabaret Mineiro (1981) através de um vídeo que viralizou, há algum tempo, no YouTube. “Vamos dançar tudo nu, tudo nu / Tudo com o dedo no cu, menos eu / Tudo com a bunda de fora, é agora / Você disse que dava e não deu” é a primeira estrofe da canção que viajou da década de 80 para os dias atuais na plataforma digital. As curiosidades da película, todavia, ultrapassam esses pitorescos versos. Ela aparece na lista da Associação Brasileira de Críticos de Cinema dos 100 melhores filmes nacionais, a despeito do comentário do usuário Goremaster no Filmow: “Este Cabaret Mineiro fede horrores. É um filme declamado, do tipo que o ator olha pra câmera e recita um poema escroto. Só vale pelas globais seminuas.” Com a cabeça atiçada fui me relembrar da viagem do personagem sem nome de Nelson Dantas pelo sertão de Minas Gerais, a qual me rendeu boas risadas quando morava na infame São Carlos.
Aviso ao leitor, de qualquer maneira, que antes de baixar Cabaret Mineiro, descobri, sem querer, querendo, o conto Soroco, sua mãe e sua filha, de Guimarães Rosa, que me fez tentar levar o filme a sério. Uma missão bem difícil, e não tão bem sucedida, apesar da inteligente trilha sonora ajudar.
A fim de elucidar, o longa, nem tão longo (100 minutinhos), narra as andanças de um boêmio fazendeiro no interior das Gerais. O peregrino protagonista mostra para que veio logo de cara, ao paquerar a única passageira que com ele divide o trem. Em meio às declarações afetadas, acontece todo um jogo hilário de aparências e coincidências. Nelson Dantas revela suas intenções nada sutis, descaradamente, quando diz que não está atrás do luxo vazio dos brioches, mas sim querendo a carne suculenta do pequi — fruta típica do cerrado, paisagem que caracteriza toda a narrativa. Enquanto isso, a icônica Salinas (Tamara Taxman) provoca descendo a meia calça, oferecendo as coxas, para a seguir negar o toque com leves tapas, os quais previsivelmente tornam-se carícias — toda a cena abafada pelo “café com pão / café com pão” do motor da locomotiva. Começa assim a saga do xavequeiro inveterado pelo árido sertão norte mineiro.
Os minutos passam e surge um desconforto, entretanto. Quando o protagonista está em espaços abertos, o clima é sempre árido, tórrido, a vegetação seca; um forte contraste da ostentação frívola das casas e clubes que ele frequenta. A objetificação das mulheres é gritante. O meu riso fácil desmantelou-se, gradualmente, defrontado com a denúncia. Dantas acompanha uma trágica procissão popular do telescópio, e em certo ponto se alimenta de uma mulher, literalmente. O austero sertão é generoso só para uns poucos.
Carlos Alberto Prates Correia, o diretor e roteirista, desfere mais um seco golpe ao casar o protagonista com Avana. A paixão efêmera começa no glamour decadente da casa noturna, se concretiza no ríspido mas familiar chão do cerrado, porém não resiste nem mesmo à preferência do personagem de Dantas pelo futebol, muito menos ao “clichê da doméstica”, depois da relação assumir um caráter recatado. Uma alusão afiada ao brasileiro que gosta de assumir uma moral conservadora, na contramão do comportamento pândego. Nos finalmentes, como o próprio fazendeiro evoca na canção, estão todos com o dedo no cu, menos ele.
Seguem duas versões alternativas do clássico Suíte do Quelemeu para aumentar a minha e a sua confusão:
por Pedro Teixeira
pedro.st.gyn@gmail.com