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A poesia marginal no Brasil e suas diversas vozes

A poesia marginal nasce no Brasil na década de 1970 em vista da censura instaurada durante a ditadura militar (1964-1985). Nesse período, poetas, artistas, acadêmicos e intelectuais que eram impedidos de divulgar suas obras encontraram meios alternativos para fazê-lo. O mais famoso deles era o mimeógrafo, que fazia a cópia das produções, posteriormente comercializadas de …

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A poesia marginal nasce no Brasil na década de 1970 em vista da censura instaurada durante a ditadura militar (1964-1985). Nesse período, poetas, artistas, acadêmicos e intelectuais que eram impedidos de divulgar suas obras encontraram meios alternativos para fazê-lo. O mais famoso deles era o mimeógrafo, que fazia a cópia das produções, posteriormente comercializadas de mão em mão em locais públicos, como ruas e praças, a baixo custo. 

O nome poesia marginal surge do fato de as produções estarem à margem do circuito editorial estabelecido. Não circulavam em galerias ou na mídia tradicional, o que evidenciava a fuga e a crítica ao regime militar, e punham em evidência novos escritores, apesar do tempo conturbado. 

Essa poesia tendia à representação do cotidiano urbano, à espontaneidade, à linguagem coloquial e à experimentação rítmica, algo que pode ser considerado uma intersecção entre a poesia dos anos 70 e a produzida atualmente. Porém, as diferenças ainda são muitas. 

A poesia visual marginal de Hélio Oiticica retrata a imagem de Cara de Cavalo, uma das primeiras vítimas do esquadrão da morte carioca durante a ditadura militar. [Fonte: Reprodução/Acervo Hélio Oiticica]
A poesia visual marginal de Hélio Oiticica retrata a imagem de Cara de Cavalo, uma das primeiras vítimas do esquadrão da morte carioca durante a ditadura militar. [Fonte: Reprodução/Acervo Hélio Oiticica]

 

A poesia marginal atual

É considerada uma continuação do movimento da década de 70 pelo fato de disseminar-se por meios não convencionais, como a internet e as batalhas de Slam, e contar com uma menor quantidade de livros circulando em livrarias. Ainda assim, a poesia marginal atual se diferencia em diversos pontos. 

O primeiro deles é o fato de o termo “marginal” hoje não estar somente ligado à margem da política estabelecida, mas também à margem econômica da sociedade: a periferia, sua vivência e sobrevivência cotidiana. Trata também com ênfase de recortes de gênero, raça e classe, bem como família, amor e denúncia a injustiças da estrutura social.

A diferença é notada também nos meios de se chegar até a autodenominação de poeta marginal. Os escritores do movimento dos anos 70, apesar de se valerem de linguagem simples, possuíam diversos títulos acadêmicos e eram artistas com grandes nomes. Já hoje, os poetas normalmente se denominam marginais desde a adolescência, antes de qualquer academia. Para eles, é uma questão de vivência e expressão de sentimentos.

Os sete poetas marginais entrevistados pelo Sala33 para produção da matéria ao menos aprenderam na escola sobre os antigos poetas. Alguns descobriram ao realizar pesquisas pessoais, e esse fato ressalta uma não necessidade de conhecimento do movimento original para participar do atual, apesar do mesmo nome.

 

A poesia como instrumento revolucionário: aprendizado, expressão de interior e visões de mundo

 Com referências diversas — como os rappers Mano Brown, Djonga, Karol Conká, escritoras como Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus, uma gama de outros slammers e também suas famílias — os poetas marginais escrevem para revolucionar não só a si mesmos como também a todos que se sentem representados por suas letras.

Vanessa Mesquita, de Porto Alegre, conhecida nas batalhas de rima como Tiatã, diz que a partir do momento em que decidiu levar a poesia como trabalho se viu agente de mudança em várias ocasiões e situações. Mas a principal foi dentro de sua casa, onde pôde passar conhecimentos e força para sua mãe através de suas palavras, e isso é algo que muito a orgulha.

Kizua Trindade teve ligação com o rap desde pequeno. Nascido em Angola, teve muitas dificuldades em seu processo de adaptação no Brasil. Com graves crises de depressão e ansiedade, juntou seu amor pela literatura com o Slam, que havia conhecido pelos amigos da escola, para desabafar seus sentimentos através da poesia. Hoje, com suas crises superadas, continua a inspirar outras pessoas através do seu chamado “Flow Angola”.

Muitos poetas utilizam de suas letras para ajuda na superação processos depressivos e de conhecimento do seu lugar no mundo. Assim, escrevem de forma natural, até encontrarem a poesia marginal, por meio de amigos, saraus escolares e projetos. Descobrem que o que escreviam poderia se tornar profissão e, muito além disso, uma forma de viver e tornar-se mais crítico perante a sociedade. 

No centro da imagem, a poeta Mel Duarte participa do Slam das Minas na Casa das Rosas em São Paulo. [Foto: Divulgação/ Casa das Rosas]
No centro da imagem, a poeta Mel Duarte participa do Slam das Minas na Casa das Rosas em São Paulo. [Foto: Divulgação/Casa das Rosas]

 

A poesia marginal e a denúncia de injustiças

Muitos poetas iniciaram suas “escrevivências” entre os 11 e 13 anos. Quando bem cedo já percebiam as injustiças que os rondavam, e através da poesia exteriorizam seus sentimentos. Bione, poeta de Recife, relata: “No momento em que reparei os preconceitos e o racismo que me atingiam diretamente todos os dias, decidi que escreveria sobre isso como forma de resistência e orgulho de minha ancestralidade”. Assim, os slammers desabafam seus sentimentos e revoltas através de temas como feminismo, machismo, racismo, relacionamentos abusivos, solidão de homens e mulheres negras, violência policial, entre outros.

Lui Monteiro, poeta carioca de apenas 16 anos, diz que para ela os poetas marginais falam por todos que se identificam com suas vivências e, sendo assim, eles não podem deixar as injustiças passarem despercebidas por suas letras. É necessário que exista a denúncia desses escritores, pois alguém que jamais seria escutado se enxerga ali, descobre que não está na batalha sozinho e que é possível continuar.

Para Moara, poeta e estudante de produção cultural na Universidade Federal Fluminense (UFF), a poesia é um momento de fala de quem sempre foi silenciado pela sociedade. Revivendo os poetas do movimento de 70 censurados pela ditadura, vemos hoje uma parcela significativa da população que tem suas vozes apagadas por motivos complexos e enraizados. Isso torna a poesia marginal ainda mais viva e necessária, pois revive os sentimentos e a importância da população “à margem”. 

Portanto, além de revolta, a poesia marginal também lembra de coisas essenciais acerca da população marginalizada. Um exemplo é o fato de ela poder falar sobre tudo, e não só dores e denúncias. Antes de seres que sofrem diversos preconceitos, eles são pessoas que vivem e sentem outras coisas. Assim muitas poesias também falam sobre orgulho, ancestralidade, religião, sexualidade e família. 

Além disso, elas falam sobre amor, algo presente na vida de todos e que Moara diz que deve ser lembrado em forma de arte nos mais diversos contextos. Dessa forma, a poesia marginal humaniza, traz sentimentos comuns que às vezes são deixados de lado para a pauta, lembra que todos merecem amor.

Slam Resistência, o mais tradicional de São Paulo, que ocorre na Praça Roosevelt. [Imagem: Divulgação/ Facebook Slam Resistência]
Slam Resistência, o mais tradicional de São Paulo, que ocorre na Praça Roosevelt. [Imagem: Divulgação/Facebook Slam Resistência]

 

A visibilidade dos slammers e a pandemia do coronavírus

As batalhas de Slam e saraus eram o principal meio de ganhar notoriedade na cena da poesia. Hoje, apesar de ainda importantes, os vídeos postados nas redes sociais também são cruciais para o aumento da visibilidade. Esse fato permitiu a expansão do alcance de diversas vozes pelo Brasil, apesar de ainda existir uma barreira significativa que não pode ser ignorada: o país ainda ter 46 milhões de pessoas sem acesso à internet

Natielly Castro mora em Rio Branco no Acre, e diz que a internet é um problema no lugar. Sendo assim, é difícil conhecer muitos poetas de outras partes do país. Ela foi campeã do primeiro Slam Acre, que ocorreu  apenas em 2017, enquanto em outros estados as batalhas ocorriam anos antes. Mas todos eles continuam a mudança nas vidas das pessoas que os ouvem, o que evidencia que, se a questão fosse sanada, esses escritores tocariam cada vez mais vidas e levariam suas “escrevivências” para além da batalha presencial.

No contexto da pandemia do novo coronavírus, o Slam está suspenso presencialmente para evitar aglomerações, e uma saída encontrada pelos organizadores foram as batalhas em modalidade on-line. Por exemplo, o Poetas Vivos, que promove batalhas e músicas de diversos estados presencialmente, conseguiu, em sua  “liveslam”, propor uma troca de vivências rica e tão abrangente que seria impossibilitada pelo fator localidade em um Slam presencial.

“As batalhas e os saraus estão sendo muito importantes, ajudam a fugir desse cenário que estamos vivendo. Muitos poetas estão começando a recitar em batalhas por esses meios, alguns conheceram e está sendo sensacional”, relata Lui sobre a importância da poesia durante pandemia. 

Apesar do benefício de conhecer novas visões e descobrir sobre o que os estados cantam, a pandemia tem sido dura para a maioria das pessoas. Sobre o período, Tiatã conta que o assunto mais recorrente de sua poesia tem sido a ansiedade, sentimento que permeia a vida de muitas pessoas durante esse momento. O problema tem afetado a produção artística dos poetas, sua criatividade e fluidez para escrita de outros temas.

 

A poesia marginal resiste!

Apesar de a visibilidade ser algo importante para o Slam, Bione afirma que mesmo sendo relativamente conhecido na cena, a parte mais difícil é monetizar e conseguir sobreviver da poesia. Muitos não podem fazer dela sua única profissão justamente por isso, às vezes as contas chegam antes de conseguir dar as condições de sobrevivência para a família através das rimas. Por isso, é importante para os poetas iniciantes que tenham foco e acreditem no que fazem acima de tudo.

Tiatã participa de um coletivo de poesia chamado (uni)Verso, que tem como lema “poesia salva vidas, se poetas unem versos”, frase que ela leva como filosofia de vida e que a ajuda em momentos de incerteza: “A escrita foi o que me salvou a vida inteira e sempre esteve presente em todas as fases da minha vida, até quando eu não reparava. Foi minha válvula de escape do mundo, das opressões, e onde eu ganhava vida e voz, já que na sociedade sempre fui silenciada”. Isso evidencia o teor revolucionário da poesia em momentos de glória e de dificuldade.

A escrita revolucionária dessas pessoas passa por diversos altos e baixos, e para ter forças para continuar é necessário também ajuda. Kizua conta que, para sempre melhorar em sua escrita e dar seu melhor, conta muito com o apoio de seus amigos poetas. O Slam da escola em que frequentava era muito agregador. Como para muitos escritores, essa troca de experiências específica da poesia marginal ajuda para o fortalecimento de toda a cena e a mudança de futuro de cada vez mais pessoas que ouvem e se inspiram para toda a vida. 

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