Esse filme faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
“Sob o atual regime militar islâmico, as mulheres não podem jogar futebol no Sudão. E também não podemos fazer filmes, mas…”
Assim se inicia Impedimento em Cartum (Khartoum Offside, 2019). O documentário demonstra a luta das mulheres sudanesas pelo direito de serem futebolistas reconhecidas pela sua nação. Nele, o futebol é uma espécie de ferramenta para o empoderamento feminino e também para o questionamento de um regime que nega a mulheres seus direitos básicos.
O longa expõe como a paixão pelo esporte prevalece, independentemente de adversidades. É possível testemunhar a força de vontade, o desejo e a admiração dessas mulheres até mesmo ao assistirem a campeonatos internacionais de futebol. Existe uma juventude feminina apaixonada pelo esporte no país e é a ela que a diretora Marwa Zein quis dar visibilidade internacional em seu primeiro longa-metragem.
O que é ser sudanesa e amar futebol? As pessoas representadas no longa não são revolucionárias em um sentido de extremo martírio. São mulheres comuns que revolucionam ao contestar, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de um véu durante a prática do esporte, uma vez que ele prejudica o bom desempenho nas partidas. Assim, a falta de estrutura é também somada à repressão social e governamental em virtude de dogmas e tradições misóginas. Porém, existe também o companheirismo das colegas de profissão e daqueles próximos a sua causa.
Uma das personagens mais relevantes do longa é Sarah Jubara. A esportista vive uma espécie de “dupla nacionalidade”, pois nasceu na antiga região sul do país, antes do movimento separatista que levou à guerra responsável pela formação do atual Sudão do Sul. É apontado no longa que a população local não esperava uma separação e que muitos fugiram para Cartum devido ao cenário de guerra na região.
Com uma fotografia impressionante, o longa expõe a realidade de um país assolado por um baixo desenvolvimento humano e pelo cerceamento a liberdades individuais. A batalha por validação realizada pela capitã Jubara e seu time é apenas reflexo da luta de mulheres reais pela redefinição de papéis de gênero excludentes.
Entre serem chamadas pelo Departamento de Segurança do Estado para depor devido ao futebol e serem julgadas durante o sermão religioso como pecaminosas e vergonhosas, essas jovens combatem o preconceito sozinhas de forma contínua. É exposto como a Federação Internacional de Futebol (FIFA) promete auxílio ao futebol feminino sudanês sem, todavia, promover qualquer forma de mudança.
E é nesse contexto sob a Lei Sharia que elas aprendem, ainda que não intencionalmente, a questionar noções de feminilidade e masculinidade e, mais ainda, que política e esporte são conceitos intrínsecos. “O futebol é para homens e inapropriado para mulheres. Devemos advertir contra tudo o que possa causar a abolição das diferenças entre homens e mulheres”, afirma o governo.
A resposta das protagonistas?
“Nosso objetivo é mostrar às pessoas, no Sudão e depois no resto do mundo, que há meninas que jogam futebol.”
Confira o trailer de Impedimento em Cartum:
*Imagem de capa: Divulgação/ORE Productions