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“As Meninas Ocultas de Cabul” – A Vida Secreta das Afegãs

“Nosso irmão é na verdade uma menina” É com essa frase curta, mas tão profunda, proferida por uma das filhas da ex-parlamentar da província de Badghis em Cabul, Azita Rafaat, que a jornalista Jenny Nordberg inicia o livro As Meninas Ocultas de Cabul – Em Busca de uma Resistência Secreta no Afeganistão (Companhia das Letras, …

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“Nosso irmão é na verdade uma menina”

É com essa frase curta, mas tão profunda, proferida por uma das filhas da ex-parlamentar da província de Badghis em Cabul, Azita Rafaat, que a jornalista Jenny Nordberg inicia o livro As Meninas Ocultas de Cabul – Em Busca de uma Resistência Secreta no Afeganistão (Companhia das Letras, 2016). Fruto de cinco anos de estudo na capital afegã, o livro é uma expansão da reportagem de Nordberg, publicada no The New York Times em 2010. Nele, a jornalista desvenda a prática das bacha posh, meninas e mulheres que, por razões diversas, se disfarçam de homens no Afeganistão.

Azita é a personagem principal do estudo brilhante de Jenny Nordberg, e é a história dela que conhecemos com mais detalhes: segunda esposa de um homem pobre de pouca instrução, Azita gerou quatro meninas. A falta de um filho para Azita, além de abalar a reputação da família, se mostrava como um obstáculo à sua carreira na política. Assim, em uma tarde, com a ajuda de um corte de cabelo, um par de calças de bazar e uma camisa jeans com a estampa “superstar” nas costas, sua caçula Mahnoush se transformou no pequeno Mehran.

Além de Azita, Jenny Nordberg colhe depoimentos e histórias de diversas bacha posh, como Zahra, uma adolescente que reluta em passar pela transição à condição feminina; Shukria, que após viver 20 anos como homem, se casou e teve filhos, e Nader, que, já adulta, ainda é um homem honorário. São estes casos nos quais a jornalista se baseia para revelar os motivos que levam mães a transformar suas filhas em meninos, que vão desde a necessidade de incrementar a renda familiar até a superstição de que isto pode aumentar as chances de se ter um filho homem, passando pela própria vontade de empoderar meninas, ao permitir que elas corram, saiam na rua sem companhia, olhem nos olhos dos homens e sejam ouvidas; enfim, sejam livres.

Jenny também recorre à médicos, antropólogos e cientistas sociais afegãos e de outros lugares do mundo para desvendar a situação feminina em uma sociedade patriarcal e patrilinear que prioriza o gênero masculino e considera fundamentalmente defeituosas as mulheres sem filhos homens, que não cumpriram com sua função essencial de, assim que casadas, gerarem meninos. Além disso, seu estudo tenta explicar questões de gênero e orientação sexual que envolvem as bacha posh, os efeitos que estas meninas podem sofrer, dependendo da idade em que voltam à condição feminina, e as razões de esta prática não se restringir a determinadas idades e classes sociais.

As Meninas Ocultas de Cabul é um belo livro, que dá aos leitores um bom panorama da situação das mulheres no Afeganistão atual e do que pode acontecer no futuro do país, especialmente no caso do retorno do Talibã ao poder. É denso e, em diversas partes, me fez sofrer ao pensar na situação em que vivem essas mulheres. Mas é também, e principalmente, uma declaração da força feminina ao encontrar maneiras de resistir à opressão e tomar o controle de sua própria vida, quando tudo ao seu redor lhes impede de continuar de cabeça erguida. A última declaração de Azita no livro é um pensamento profundo, e que consegue finalizar o estudo de maneira incomparável: “Sabemos como é ser homem. Mas eles não sabem nada sobre nós.”

Por Victória Martins
victoria.rmartins19@gmail.com

1 comentário em ““As Meninas Ocultas de Cabul” – A Vida Secreta das Afegãs”

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