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“Com muita dedicação, sua Olga”

Conheça Olga Benario Prestes, militante comunista, e seu legado após 115 anos

Em 2015, tornaram-se públicos pela Rússia diversos arquivos da Gestapo, polícia secreta criada no contexto da Alemanha nazista. Olga Benario Prestes acumula a maior documentação de todas, com mais de duas mil folhas. Por mais que tenha vivido por apenas 34 anos, sua existência ocorreu durante um dos períodos mais conturbados da história brasileira, com intensas revoltas acontecendo no país durante o governo Vargas e a Segunda Guerra Mundial.

O começo de tudo

Nascida em Munique em 12 de fevereiro de 1908, Olga Gutmann Benario Prestes teve como pais Eugénie Gutmann Benario e Leo Benario. Seu pai era advogado e social-democrata, fator que causava desconforto entre os colegas do Grupo Schwabing. Esse grupo era formado por membros da Juventude Comunista alemã que havia sido proibida pela polícia e entrado na clandestinidade, mas foi essa figura que inspirou a jovem a ter contato com a política.

Olga aos dezesseis anos, à época militante do grupo Schwabing em Munique. [Imagem: Reprodução/WikimediaCommons]

A partir do estudo dos casos de defesa do pai, Olga entrou em contato com histórias de pessoas menos favorecidas e descobriu naquele mundo jurídico a realidade de diversas pessoas. O conhecimento que possuía apenas por conta dos livros seria enfim revelado.

A jovem conheceu Otto Braun, professor e militante experiente, e surgiu na relação dos dois uma admiração mútua. Esse sentimento fez com que ambos viajassem para Berlim, centro da atividade política alemã, e as atividades políticas de Olga foram intensificadas, ganhando papéis cada vez mais importantes dentro do Partido Comunista.

Por mais que ambos assumissem identidades falsas para despistar a polícia alemã, Braun certo dia foi preso e horas depois o mesmo acontece com Benario. Uma das acusações que caía para ela era a de “tentativa de alteração pela violência da Constituição vigente”, já para Otto, o mais alto nível de traição.

Olga passou dois meses presa e, mesmo após esse período, seu companheiro continuava na prisão. Temendo o julgamento que Otto Braun teria que enfrentar na jurisdição notoriamente conservadora, ela decide que seria necessário libertá-lo de Moabit, prisão na qual estava sendo mantido.

Antes de libertar Otto Braun da prisão, os militantes da Juventude Comunista posaram para uma foto. Olga é a quarta pessoa da esquerda para a direita na última fileira.  [Imagem: Reprodução/Deutsches Bundesarchiv/WikimediaCommons]

A missão é um sucesso e Braun é resgatado. Ainda que o relacionamento de ambos não tenha continuado por muito tempo após esse episódio, a atuação política de Olga não parou, pelo contrário, foi intensificada e antes de romperem a relação ambos embarcaram para Moscou a serviço do Comintern para a Juventude Comunista Internacional.

Recebendo treinamento militar e político intensos – ela conhecia a fundo a teoria marxista-leninista, pilotava aviões, tinha pontaria certeira –, Olga recebe a missão de realizar a defesa pessoal de Luiz Carlos Prestes, figura que recebia destaque cada vez maior principalmente após liderar a Coluna Prestes, em território brasileiro.

Chegada ao Brasil e atuação política no país

Após se encontrar com Prestes em Moscou, ambos embarcam em uma longa jornada para obter passaportes falsos e a documentação necessária para permanecer no país. Ele seria Antônio Vilar; ela, Maria Bergner Vilar e, juntos, ambos se passavam por um casal português que comemorava a lua de mel. A situação não era tão diferente da realidade, porque o tempo em conjunto fez com que os dois se apaixonassem.

Ao desembarcarem no Brasil, começou a missão de instalarem-se de forma a não atrair suspeitas para o paradeiro de Prestes – sua aparência era veiculada em jornais como sendo a mesma durante a Coluna, com barba espessa e grandes cabelos, e sua localidade era dada em lugares diferentes.

O clima político brasileiro era marcado pela tensão: no lado internacional, era marcante a tensão causada pelo possível surgimento de outra guerra mundial. A questão nacional também não era deixada de lado, constantemente eram presas pessoas que pudessem significar uma ameaça ao governo de Vargas, o que trazia mais inseguranças para Olga e Luiz.

Os planos para o levante comunista de novembro de 1935, chamado de Intentona Comunista, são formulados e postos em prática. Entretanto, a revolução que prometia um apoio maior de setores do exército, marinha e populares, acabou não alcançando a quantidade necessária para ter efeito e foi sufocada rapidamente.

Antes disso acontecer, Prestes havia redigido um anúncio que convidava o povo a participar da revolução, anunciando com isso a presença do revolucionário no Brasil. Com o fracasso do levante, o cerco aos revolucionários foi se apertando.

A polícia brasileira passou, então, a ter como foco encontrar o paradeiro de todos os envolvidos na Intentona. Eles chegam a Elise Ewert, também chamada de Sabo e amiga íntima de Olga, e a Arthur Ewert, marido de Elise e militante comunista destacado pelo Komintern para atuar politicamente no Brasil. Ambos sofreram com torturas intensas que deixaram marcas na existência dos dois, até o final de suas vidas as memórias da violência causada pela polícia carioca sob comando de Filinto Muller não foram esquecidas.

O casal morava na rua perto de Olga e Prestes, participando de reuniões na casa dos dois, e temendo essa aproximação, foi decidido que o casal mudaria de casa.

A nova residência, localizada no bairro do Méier, no Rio de Janeiro, era simples e sublocada por outro casal. No antigo endereço havia um cofre com documentos e registros de todas as movimentações políticas realizadas pelos dois, o cofre possuía um mecanismo que deveria explodir quando aberto, mas isso não aconteceu quando a polícia do Rio de Janeiro invadiu a casa. Descobrindo diversos nomes e possíveis localidades para a residência, o serviço de inteligência brasileiro conseguiu diminuir o número dos possíveis endereços para onde os dois poderiam estar e suspeitou do bairro do Méier, onde Prestes morou na infância.

Valendo-se de uma ordem que afirmava poder entrar em qualquer casa para realizar buscas, os policiais encontraram a casa do casal, e no momento em que Luiz Carlos Prestes seria morto, Benario entrou na frente e impediu que a polícia o matasse. Ambos são levados no mesmo carro – uma tentativa de Olga de impedir que algo acontecesse ao companheiro no caminho para a delegacia – e, a partir desse momento, a vida dos dois seria marcada pelos longos interrogatórios e, posteriormente, pela prisão.

A vida na prisão

No começo de 1936, Olga se recusava a denunciar seus colegas e não dava provas de nenhum envolvimento. Sua identidade real foi mantida em segredo por muito tempo. Ela afirmava que seu nome era Maria Bergner Vilar, e foi quando o embaixador Moniz de Aragão recebeu documentos do governo nazista que seu nome foi revelado: Olga Benario.

Durante o tempo na prisão, ela entrou em contato com diversos outros presos, como Nise da Silveira e Guimarães Rosa. O dia a dia do cárcere era marcado pelas lições sobre política ensinadas pela revolucionária e por uma estação de rádio improvisada, Voz da Liberdade, comandada por Campos da Paz Júnior e que trazia notícias clandestinas ou formas de diversão dentro da prisão.

É durante esse período que Olga descobriu estar grávida. Ela é auxiliada por Nise da Silveira, que assume a função de acompanhar a gravidez.

Olga sendo levada para prestar depoimento. [Imagem: Reprodução/Deutsches Bundesarchiv/WikimediaCommons]

A notícia de que seria deportada chega como um baque para todos os presos do local. Não havia acusações de crimes cometidos por Olga no Brasil e sua extradição não havia sido pedida pelo governo de Hitler. A deportação era mantida com base na Lei de Segurança Nacional, que afirmava que “A União poderá expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do país”.

As autoridades são irredutíveis e, com uma gestação de 4 meses, o habeas corpus que permitiria que Olga permanecesse presa em solo brasileiro com base no fato de carregar um filho brasileiro foi negado pelos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF).

A prisioneira foi buscada com a desculpa de que seria transportada para um hospital a fim de obter os cuidados necessários, mas os outros presos são irredutíveis: Olga não sairá. A negativa é inútil, pois ela acreditava que não havia outra chance a não ser seguir o que as autoridades afirmavam e de forma a obter um “ponto pacífico” com os enclausurados, dois encarcerados (um homem e uma mulher, nesse caso Maria Werneck e Campos da Paz Júnior) foram escolhidos para irem com ela até o hospital.

Por pouco tempo a viagem parecia estar sendo direcionada ao hospital, mas em uma rua vazia ordenaram a Werneck que saísse do veículo (Campos da Paz Júnior já havia sido detido e não chegou a acompanhar Olga por muito tempo) e dali em diante a grávida seguiria sozinha para seu destino: embarcaria no navio “La Coruña”, que expunha as insígnias do governo nazista alemão.

Olga é deportada e a vida nos campos de concentração

Imagem da campanha para libertação de Olga, liderada pela mãe e irmã de Prestes, Leocádia e Lígia. [Imagem: Reprodução/Arquivos da Gestapo nº164/German documents in Russia]

Olga é enviada para Barnimstrasse, prisão de mulheres da Gestapo, mas descobre que não há acusação formal contra ela. Situações ocorridas no passado, como a invasão à prisão de Moabit onde Otto Braun era mantido, haviam prescrito. Entretanto, não havia prescrição para dois crimes que não eram desculpáveis para a Alemanha de Hitler: ser judia e comunista.

É durante a primeira passagem em uma das prisões alemãs que Olga deu à luz Anita Leocádia Prestes, que recebeu esse nome por conta de Anita Garibaldi, que lutou durante a Revolução Farroupilha, e Maria Leocádia Felizardo Prestes, a mãe de Luiz Carlos Prestes.

Matéria do jornal inglês “Daily Herald”. Nele lê-se: “Bebê começa seu segundo ano de vida em prisão nazista. Ainda que os nazistas tenham prometido libertá-la, Anita Prestes, de 13 meses, acaba de passar seu segundo Natal em uma prisão alemã.” [Imagem: Reprodução/Arquivos da Gestapo nº165/German documents in Russia]

O nascimento da filha não pôde ser recebido sem preocupação: mãe e filha só poderiam continuar juntas enquanto durasse o leite materno de Olga e, ao fim desse período, o destino de Anita seria um dos orfanatos da Alemanha.

A Gestapo aceitava entregar Anita apenas para Eugénie, avó materna, entretanto, ela se recusava a continuar tendo contato com a filha por conta de suas visões políticas. Era necessário obter uma documentação que comprovasse que Prestes era pai da criança para fazer com que Leocádia pudesse resgatar a neta.

No entanto, essa comprovação não foi feita de maneira rápida. O Estado brasileiro fazia o possível para impedir que isso acontecesse, dificultando as visitas do escrivão à cela de Luiz Carlos. Após muitas tentativas, Prestes reconheceu Anita como sendo sua filha e Leocádia poderia finalmente tomar conta da criança.

A separação entre mãe e filha não foi feita de maneira cuidadosa. Ao final do período de amamentação, uma das policiais da prisão afirmou apenas que Anita seria separada de Olga e enviada para um orfanato. Os protestos de Olga foram em vão e as duas foram separadas sem que ela soubesse para onde a filha seria enviada. Temendo o pior, em uma carta de Benario endereçada a Prestes, esse é descrito como um dos piores dias de sua vida.

Olga enviou uma carta para sua própria mãe com uma foto da neta e avisando de seu próprio estado de saúde, finalizando com “Com muita dedicação, sua Olga”. A carta, no entanto, nunca foi respondida.

Olga foi transferida de Barnimstrasse para o campo de concentração de Lichtenburg  sob o signo de “Comunista. Prisioneira de alta periculosidade, detida à disposição do comando da Gestapo”. Ela seguiu posteriormente para Ravensbruck, outro campo de concentração.

É durante esse período que Olga é obrigada a adicionar Sarah a seu próprio nome, uma obrigação feita com base em uma lei que afirmava que mulheres judias deveriam adicionar esse prenome. O tratamento destinado a ela piorou consideravelmente com esse tratamento em conjunto com o de “comunista obstinada”.

Ela é colocada sob o caráter de “anti-social”, que incluía mulheres homossexuais, ciganas e aquelas que haviam cometido crimes como roubo. Tanto durante esse período como no anterior, na prisão, Olga foi separada de outras companheiras políticas, algo que não impedia ela de conversar sobre assuntos políticos com as colegas e dar aulas sobre comunismo e história global.

A vida em Ravensbruck foi marcada pelos trabalhos escravos intensos na fábrica Siemens. Através de rotinas de limpeza do ambiente, pessoal e de exercícios físicos matinais, é perceptível que Olga buscava na rotina uma forma de não se deixar ser derrubada e continuar sonhando com o dia em que seria libertada. 

A política e a família também eram formas primordiais de trazer conforto. Através dos ensinamentos para as outras colegas, Benario atuava como professora e, principalmente, trazia esperança para aquelas que tanto precisavam enxergar um “final bom” após perderem tudo para Hitler. Através das cartas endereçadas a Prestes, Olga também encontra nos cenários onde há uma reunião da família uma forma de aguentar as violências do presente.

“Quando confrontada com as declarações de Dunow, as afirmações de Olga revelaram sua fanática e inalterável orientação comunista ao dizer: ‘Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei.’”

Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo

Aos poucos, as colegas de Olga foram enviadas para outra localidade: Bernburg, campo de extermínio. Ela buscava passar às colegas confiança de que as que haviam sido escolhidas para ir para o outro lugar estavam mais próximas da liberdade e tentou manter essa confiança mesmo quando foi anunciada na expedição que iria a Bernburg.

“Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de mim. Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver.”

Carta de Olga a Luiz Carlos Prestes

No ano de 1945, Prestes havia sido libertado e realizava comícios onde mostrava o apoio do partido ao governo de Getúlio Vargas contra os governos nazifacistas. Antes de embarcar em um avião para prosseguir sua trajetória, ele recebeu a notícia: Olga Benario Prestes foi morta em 23 de abril de 1942, na câmara de gás.

Última foto de Olga tirada durante interrogatório feito pela Gestapo. [Imagem: Reprodução/Deutsches Bundesarchiv/WikimediaCommons]

Olga Benário Prestes, nunca esquecida

A produção cultural em torno da vida de Olga é extensa: peças de teatro (“Olga” e “Olga e Luiz Carlos Prestes – Uma história de amor”), filmes, livros, musicais e óperas. Mas o que atrai as pessoas em direção a essa figura?

Para Isabella Estrutti, que entrou em contato com a figura dela durante uma aula de história na qual Benario era apontada como uma das comunistas que lutou contra Vargas, ela admira Olga por ter sido uma figura que lutou pelos seus ideais e, ainda, “Acho que a figura dela não se resume somente a ser uma mulher. Olga era judia, comunista e ativista, o que demonstra as diferentes intersecções que uma mulher pode ter.” 

Yasmin Teixeira, cujo contato com Olga coincidiu com o começo do interesse sobre política e estudos sobre a política nacional e o regime militar, afirma que a história de Olga provoca sentimentos opostos, há a admiração pela atuação política em uma época extremamente conservadora, mas também há a necessidade de evitar ao máximo romantizar a história da militante “Não deve haver apenas o sentimento de admiração, mas de revolta também, para que jovens e adultos que estudem a história brasileira e a Olga sintam-se também inspirados a se organizarem politicamente e a cobrarem respostas e ações dos atuais governos, como ela.”

A questão do patriarcado, presente tanto na época de atividade de Olga quanto na atualidade, fez com que por vezes a figura da militante fosse reduzida a “mulher de Prestes” ou simplesmente ignorada. 

Matheus de Mesquita e Pontes, autor da tese de mestrado Luiz Carlos Prestes e Olga Benario: construções identitárias através da história e da literatura, aponta como fatores para esse esquecimento o machismo histórico dentro do Partido Comunista – que criou um ambiente de difícil permanência para as figuras femininas – e o fato de Olga ser estrangeira, havendo uma dificuldade maior em integrá-la na historiografia brasileira.

Sobre a criação de Olga como apenas “mulher de Prestes”, ele afirma que há a influência do escritor Jorge Amado que escreveu em 1942 “O cavaleiro da esperança”, biografia poética sobre Luiz Carlos Prestes. Na obra, o papel de Olga é resumido ao de companheira do revolucionário, por conta do pouco conteúdo que o escritor tinha sobre Benario e pela necessidade política de reorganizar uma frente ampla antifascista no país.

A questão política também afeta a escrita de Olga. Escrito por Fernando Morais e publicado em 1985, a obra foi produzida durante o contexto da ditadura militar e a abordagem de conteúdos políticos, presentes na vida da militante, não poderia ser separada do cenário brasileiro da época. “Quando Fernando Morais escreve Olga não é somente revitalizar a memória da Olga, mas revitalizar a memória daqueles que tombaram lutando contra regimes autoritários em um prisma de dever de memória.”, afirma Pontes.

Até o momento não há uma decisão se o STF deve fazer um mea culpa com relação à deportação de Olga e foi apenas em 2004 que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça indenizou Anita Leocádia Prestes, condenada a quatro anos de prisão pela ditadura militar.

[Imagem: Reprodução/Arquivos da Gestapo nº164/German documents in Russia]

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