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Da desconfiança ao título mundial: os 25 anos do tetra brasileiro

O ano de 1994 foi marcante para o Brasil: o impeachment do presidente Fernando Collor, a inflação que atingia números exorbitantes todos os meses e um sentimento de desânimo e descrença pairava sobre o dia a dia dos brasileiros. E tudo piorou quando, no dia 1º de maio, o Brasil perdeu um de seus maiores …

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O ano de 1994 foi marcante para o Brasil: o impeachment do presidente Fernando Collor, a inflação que atingia números exorbitantes todos os meses e um sentimento de desânimo e descrença pairava sobre o dia a dia dos brasileiros. E tudo piorou quando, no dia 1º de maio, o Brasil perdeu um de seus maiores ídolos – e talvez uma das únicas fontes de alegria naqueles tempos difíceis – Ayrton Senna. Naquele ponto, 1994 parecia ser realmente um ano perdido.

Mas, com o início de julho, a situação pareceu mudar. Entrava em circulação uma nova moeda no país, fruto do Plano Real, que prometia resolver a situação inflacionária do país. Era mês de Copa do Mundo. Apesar da euforia que sempre se instala no brasileiro quando o assunto é Copa, o desânimo criado por tantos maus eventos respingou na torcida pela seleção. Era difícil acreditar que, após 24 anos sem ganhar o título e naquele triste 1994, o Brasil conseguiria conquistar o tetracampeonato.

Assim, desacreditada por muitos, a seleção avançou na competição, chegando à final contra a Itália. A ida para os pênaltis quase anunciava que o título não viria. Então, surgiu Baggio e sua cobrança para fora do gol. E com ela, as lágrimas dos jogadores, os pulos de campeão que preencheram as telas e os gritos de “É TETRA!” que puderam sair dos peitos dos torcedores brasileiros, mesmo dos mais descrentes. Há 25 anos atrás, o Brasil era, finalmente, tetracampeão mundial de futebol.

 

Desconfiança desde a convocação

Conhecida por seu futebol encantador, a seleção brasileira vinha de três decepções nas últimas Copas: em 1982 e 1986 o time, que contava com Zico e companhia, havia brilhado, mas fora eliminado nas quartas de final em ambas as situações; em 1990, o nível de jogo da seleção já não encantou tanto, e culminou na eliminação diante da Argentina de Maradona, nas oitavas de final. A seleção de 94, então, estava vivendo sob a sombra do times anteriores e não conseguia convencer da mesma maneira: apresentava um jogo mais defensivo e menos criativo; com exceção de Romário, o elenco não contava com grandes estrelas, e ainda amargava algumas derrotas durante as eliminatórias, como o 2 a 0 contra a Bolívia. O cenário realmente não era favorável. 

Mesmo assim, o técnico Carlos Alberto Parreira e seu assistente Zagallo apostaram em nomes como Taffarel, Dunga, Branco, Bebeto, Zinho e Raí para compor o time que embarcaria para o Mundial e surpreenderia a todos.

Parreira e Zagallo durante as eliminatórias em 1993 [Imagem: Arquivo LANCE!]
Além da falta de credibilidade da seleção canarinha, também chamava atenção o fato da Copa acontecer em um país como os Estados Unidos, sem grande tradição no futebol. Os norte-americanos tinham vencido países como Marrocos e o próprio Brasil na disputa por ser o país-sede, numa tentativa de popularizar em seu território o esporte que é paixão mundial. 

Marcos Uchôa, jornalista da TV Globo que esteve na cobertura da Copa em 1994, disse  que os estadunidenses têm um visão diferente sobre o futebol: “[Para eles] é um esporte de classe média e também de latinos. Não tem a popularidade do beisebol, basquete e futebol americano. Em 94 era ainda pior. Me lembro de conversar com um grupo de jovens e eles confundirem o Maradona com a Madonna. E ele era, na época, o jogador mais famoso do mundo. Nunca tinham ouvido falar dele”. No entanto, o Mundial dos Estados Unidos surpreendeu, batendo recordes de público e audiência: 70 mil pessoas lotaram os estádios durante os jogos,  maior número registrado até aquele ano, e cerca de três bilhões de pessoas assistiram à competição pela televisão ao redor do mundo.

Marcos Uchôa na cobertura da Copa de 1994 e os estádio Rose Bowl, maior estádio da Copa de 1994 [Imagem: Arquivo pessoal / trivela.com.br]

 

Os seis primeiros passos da seleção na Copa

O Brasil formava o grupo B da competição junto com Rússia, Suécia e Camarões. Como apenas as seleções brasileira e sueca destacavam-se em meio aos adversários, aquele era um grupo considerado fácil, por isso era esperado que o Brasil avançasse para as oitavas de final sem grandes complicações.

A seleção disputou e venceu os dois primeiros jogos no Stanford Stadium, em Palo Alto, sendo a primeira partida um 2 a 0 contra a Rússia, com gols de Romário e Raí, e a segunda partida um 3 a 0 contra a seleção de Camarões, com direito a gols de Márcio Santos, Bebeto, e novamente do baixinho Romário. 

Com as vitórias nos primeiros jogos, o Brasil já estava classificado para as oitavas, precisando apenas de um empate para garantir a classificação no primeiro lugar do grupo. E assim se fez: Num jogo duro contra os suecos, o time brasileiro tomou um gol aos 23 minutos, mas Romário tratou de empatar a partida e o 1 a 1 encerrou a trajetória brasileira na primeira fase. Essa última partida evidenciou o caráter retranqueiro da seleção, pontuado por Uchôa: “É sempre mais fácil ganhar quando não se leva gol. Até o finzinho do jogo você tem mais chance. Foi uma estratégia que tentava diminuir os riscos. Por outro lado, temos uma cultura de futebol criativo e ofensivo. Nesse sentido, o time de 94 ganhou mas não deixou saudades como o de 82, que perdeu”.

Início do jogo entre Brasil e Camarões na fase de grupos [Imagem: Getty Imagens]
No dia 4 de julho, dia da Independência estadunidense, o Brasil estava de volta ao Stanford Stadium para um confronto contra os donos da casa. O time dos norte-americanos se fechou e dificultou ao máximo a vida dos brasileiros, que só obtiveram êxito por uma jogada da dupla destaque da seleção naquele Mundial: Romário veio pelo meio de campo e lançou para Bebeto, que cabeceou para o gol e garantiu a vitória do Brasil por 1 a 0. Só mais dois jogos separavam os brasileiros da final.

O jogo das quartas, contra a Holanda, foi considerado o mais difícil e mais bem jogado. O primeiro tempo terminou empatado em 0 a 0, mas o time brasileiro voltou decidido para a segunda etapa e marcou dois gols, um de Romário e outro de Bebeto. Em resposta, os holandeses também foram para cima e empataram a partida, com gols de Bergkamp e Winter. Aos 36 minutos, Branco marcou um gol de falta, definindo a vitória brasileira por 3 a 2 e carimbando o passe para a semifinal.

No estádio Rose Bowl, em Pasadena, o Brasil reencontrou a complicada Suécia para o sexto jogo da Copa. Mais uma vez o jogo foi pegado, sem grandes chances para a seleção até os 35 do segundo tempo, quando a estrela de Romário brilhou novamente. O baixinho conseguiu cortar e vencer a defesa sueca, marcando o único gol da partida, levando o time do Brasil a sua primeira final desde 1970. 

Romário contra os suecos no jogo da semifinal [Imagem: Fábio M. Salles / Estadão Conteúdo]

 

O grande dia

Mesmo sem um futebol que encantasse os torcedores e sem a confiança de muitos deles no título, o Brasil chegou à final. Seu adversário – a Itália – também não fizera uma campanha de encher os olhos: havia conseguido singelos quatro pontos na fase de grupos e enfrentado grande dificuldade nos jogos das fases seguintes contra Nigéria, Espanha e Bulgária. Os dois tradicionais times iriam então disputar uma final que prometia ser dura e que daria o tetracampeonato a uma das duas equipes.

A reedição da final da Copa de 1970 começaria fervendo com os cerca de 40ºC do verão californiano na hora do jogo. A grandeza das duas equipes no futebol mundial e a importância daquela disputa não foram suficientes para manter um ritmo intenso na partida e o jogo logo esfriou, com os atletas se arrastando em campo – muito devido ao calor intenso. 

Além disso, o esquema de tático das duas equipes não contribuía para que a disputa despertasse grande entusiasmo no torcedor. Tanto o Brasil quanto a Itália optaram, naquela Copa, por times mais defensivos e prezavam por uma defesa bastante consistente. Apesar de eficiente, o jogo dessas equipes não proporcionava muitos gols, e foi o que aconteceu também na final. Nos 90 minutos regulares da partida houve poucas chances de gol para ambos os lados, bem como nos 30 minutos de prorrogação que se seguiram. Restou, portanto, a disputa de pênaltis.

Essa foi a primeira final de Copa do Mundo decidida nos pênaltis. De um lado o Brasil, de Bebeto e Romário, e, do outro, a Itália de Baresi e Baggio. As cobranças começaram com erros dos dois times: o capitão italiano Baresi chutando para fora e o pênalti do zagueiro brasileiro Márcio Santos parando nas mãos do goleiro Pagliuca. Nas batidas seguintes, dois pontos para cada equipe e o placar voltava a ficar empatado.

Foi então a vez do goleiro Taffarel brilhar defendendo o pênalti de Massaro, e do capitão Dunga fazer o gol, colocando o Brasil em vantagem. Restava uma cobrança para cada lado, e Roberto Baggio, ídolo italiano, foi o encarregado de bater o último pênalti. Baggio era um dos jogadores de destaque da equipe da Itália, tendo feito uma ótima Copa em 1990 e marcando gols em todas as fases decisivas antes da final de 1994. Era quase certeza para os italianos que o acerto estava garantido.

Roberto Baggio cobrando o último pênalti a Itália na Copa de 1994 [Imagem: Getty Images]
Entretanto, mesmo o mais experiente dos jogadores pode decepcionar. Depois de tomar uma distância considerável da bola, Baggio correu e chutou para fora, muito longe da trave superior do goleiro Taffarel. Com as mãos na cintura e a cabeça baixa em sinal de decepção, o italiano via a explosão de felicidade do adversário. Jogadores brasileiros correndo para o meio do campo, cambalhota do auxiliar técnico, Galvão Bueno gritando ensurdecedoramente abraçado a Pelé: o Brasil era Tetra. 

 

A repercussão do Tetra

Apesar do título conquistado, a seleção não se viu livre das críticas. O sistema mais defensivo adotado por Parreira desagradava muitos, tanto torcedores quanto jornalistas e comentaristas. O futebol de 1994 foi eficiente, mas não entusiasmou como o da conquista do tricampeonato em 1970 – ou mesmo o das Copas de 1982 e 1986.

Mas a seleção brasileira de 1994 – ainda que despretensiosamente e sem encantar – trouxe ao torcedor a alegria que há 24 anos não tinha. O quarto título mundial restaurou um sentimento que havia sido perdido pouco antes com a morte de Ayrton Senna. Era a volta do orgulho do torcedor de ser brasileiro.

A perda de Senna foi algo que influenciou na conquista do título. Pouco antes da Copa do Mundo, Ayrton deu o pontapé inicial em um amistoso do Brasil. Na ocasião, o piloto conversou com os jogadores e lhes disse que naquele ano o time seria tetra. Entretanto, o acidente de Senna um mês antes da Copa impediu que ele pudesse ver a confirmação de tal previsão. Sua morte deixou o país em luto e a seleção conseguiu superar isso também. Ao conquistar o título, a equipe estendeu uma faixa que dizia “Senna…Aceleramos juntos, o tetra é nosso”, como forma de homenagem ao piloto.

Jogadores da seleção brasileira com faixa em homenagem a Ayrton Senna [Imagem: ESPN]
Hoje, a seleção brasileira passa por uma situação semelhante àquela de 1994: na Copa de 2022 completaremos 20 anos sem ganhar um título mundial. A expectativa dos torcedores sempre é que o hexa venha na próxima Copa do Mundo, mas a realidade é que, a cada ano que passa, há uma identificação menor entre torcida e seleção. Os jogadores que apresentam um futebol de destaque logo são comprados por grandes times europeus, impossibilitando que o torcedor acompanhe de perto o crescimento deles.   

Há 25 anos, mesmo desacreditado e sem muitos jogadores de futebol excepcionais, o Brasil conquistou o tetracampeonato mundial. São muitos os fatores que corroboram para uma seleção vencer uma Copa. Talvez nos tenha faltado sorte nos últimos anos – como pode ter faltado às seleções dos 24 anos de jejum antes do Tetra – ou talvez nossos craques já não joguem o mesmo futebol dos de antigamente. Talvez, depois de tantas decepções com a seleção, simplesmente tenhamos dificuldade de lembrar como é bom ser campeão do mundo. 

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