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Debates sociais complexos e necessários marcam o Festival Path 2018

Mais um ano de Festival Path, mais um ano de discussões surpreendentes. Por constantemente reiterar o caráter “inovador” do evento, às vezes se acaba questionando quais pautas serão encontradas – é comum inferir, por exemplo, a possível predominância de debates sobre tecnologia e corporativismo empresarial. No entanto, o extenso cardápio de palestras, sessões literárias e …

Debates sociais complexos e necessários marcam o Festival Path 2018 Leia mais »

Mais um ano de Festival Path, mais um ano de discussões surpreendentes. Por constantemente reiterar o caráter “inovador” do evento, às vezes se acaba questionando quais pautas serão encontradas – é comum inferir, por exemplo, a possível predominância de debates sobre tecnologia e corporativismo empresarial. No entanto, o extenso cardápio de palestras, sessões literárias e outras atividades derruba esse parâmetro pré-estabelecido ao contemplar uma multiplicidade de assuntos socialmente relevantes.

A edição de 2018 destacou-se por debates acerca de pluralidade de vozes, exercício da política e temas muito atuais como machismo, racismo e LGBTfobia. Nas palestras que o Sala33 compareceu, ficou evidente a preocupação do evento em trazer à tona questões chave para um entendimento mais abrangente e menos particularizado do Brasil, seja no âmbito profissional ou social.

Quem lê tanta notícia?

Sala cheia para ver Danilo Novais, Eduardo Biz e Marina Menezes sobre o atual cenário jornalístico.

A palestra da tarde de sábado tratava da dificuldade que se tem hoje quanto à extensa quantidade de notícias, principalmente nos meios digitais. Para isso, foram convidados o jornalista e curador de conteúdo Danilo Novais e o curador de arte Eduardo Biz. Além deles, Marina Menezes, editora executiva do jornal online Nexo, de quem partiam as afirmações mais instigantes.

Eduardo Biz, apesar de trabalhar no meio artístico, foi importante para tratar da figura do curador. Segundo ele, ainda é recorrente uma visão elitista da profissão, enquanto, na verdade, segundo ele, todos somos curadores de nossa própria vida. No dia a dia, selecionamos e editamos as informações que nos importam a fim de criar nosso próprio portfólio de conhecimento e gostos pessoais. Biz também divulgou seu interessante app/site Artikin, plataforma que mapeia diversas exposições em cartaz em São Paulo, além de outras cidades grandes, meio importante para facilitar e incentivar o acesso à arte.

“Os maiores curadores de informações são Google, Facebook, Twitter e Instagram. O que você consome está sendo filtrado a todo tempo a partir dos algoritmos das redes sociais” foi uma fala de Marina que definiu a outra parte da conversa. Atualmente, o conteúdo disponível nas redes é determinado por nossos likes, envolvimentos com os posts e compras na internet. Há uma seleção hierarquizada por esses sistemas, sem que nós sejamos capazes de alterar. A editora também citou diversas vezes o Nexo, em que há uma seleção diária de doze conteúdos, para que o assinante se informe da forma mais completa possível, sem se perder nas narrativas das notícias, processo comum na grande mídia: “Muitas vezes, ao ler jornal, você fica perdido nas notícias, ‘esse cara já tinha sido preso?’”, brinca Marina para mostrar que o site vai contra esse caminho, à medida que seleciona o conteúdo e o explica.

Todo mundo quem? Os 100 milhões fora das redes sociais

A palestra foi ministrada a partir de uma pesquisa feita por Filipe Techera e Luiza Futuro. Eles abordaram dentro da apresentação um espectro mais geral, utilizando gráficos e porcentagens de usuários e não-usuários das redes sociais. Na parte em que foram mencionadas as pessoas que gostariam de ter acesso à internet e redes sociais, mas não possuem meios para isso, o assunto foi pouco explorado. Assim, é possível notar que grupos marginalizados não foram ponto central da pesquisa, como talvez o título nos fizesse pensar.

Os expositores focaram nas pessoas que têm acesso a esse tipo de tecnologia, entretanto, por algum motivo específico, como solitude (escolha de ficar só), não usam esse meio para manter relações. A esse tipo de pessoa foi designado o termo “nativo social”, isto é, quem escolheu não estar presente nas redes sociais.

Luiza Futuro apresentando a fala de um dos “nativos sociais” entrevistados em sua pesquisa.

Dentre muitas razões para esse nativos sociais não utilizarem as plataformas, mesmo tendo essa opção, uma delas é relacionada a não gostarem da linearidade e manutenção dos perfis nas redes, de esteriotipizações imediatas e acreditarem que a vida fora das redes é maior que isso. Dentro desse debate, porém, acrescentou-se a dificuldade que essas pessoas possuem ao tentarem se encaixar no mercado de trabalho, tendo sido recusadas em entrevistas de emprego por não estarem no Facebook, por exemplo.

Entende-se que a abordagem dos pesquisadores e o trabalho merece reconhecimento, sabido de sua complexidade e dificuldade na realização da investigação. Entretanto, é possível questionar o caminho seguido no estudo, afinal, valorizou-se muito os nativos sociais em detrimento de outros grupos, dando a entender que o ideal seria seguirmos essa ideologia transcendente, mas limitadora.

Diversidade nas fontes jornalísticas

Jéssica Moreira (Nós, mulheres da periferia), Helaine Martins (Entreviste um negro) e Fernanda Cabral (jornalista).

Sem sombra de dúvidas, a palestra que mais acrescentou perspectivas não usuais ao evento. Rica em informações importantes, com uma abordagem clara, precisa e extremamente relevante. Fernanda Cabral incitava provocações para as outras jornalistas presentes, Helaine Martins (Entreviste um negro) e Jéssica Moreira (Nós, mulheres da periferia).

Elas partiram de um espectro geral: indivíduos marginalizadas fazendo e consumindo jornalismo. Encaminharam o foco de acordo com as pessoas menos valorizadas na sociedade: mulheres negras e periféricas. Um dos problemas, segundo elas, é que os veículos hegemônicos tendem a utilizar sempre as mesmas fontes jornalísticas para suas matérias. Isso porque as redações ainda são compostas predominantemente de homens brancos, heterossexuais, cisgênero e de classe média; logo; normalmente têm contatos do mesmo arquétipo social, por uma questão histórica e relacional.

Mesmo com todos avanços na sociedade a partir de resistências e movimentos ativistas, essa realidade não é tão diferente à de alguns anos. A possibilidade de mulheres negras e periféricas atingirem um cargo de liderança é imensamente complicada, por todo um contexto histórico e pela ampliação de estereótipos por meio da televisão, a qual acaba por reiterar imagens negativas e inabilitar um progresso representativo dentro desses espaços.

Além de tudo, a sociedade acostumou-se a ouvir pessoas privilegiadas falarem de questões profissionais, enquanto um marginalizado com mesmo currículo sempre permanecia para assuntos sobre como é ter aquele perfil na sociedade. Assim, não é aberto espaço para que se torne normal pessoas com origens diferentes falarem de outros temas. Por isso, as profissionais fazem questão de estar presentes nos ambientes e enaltecer a imagem de marginalizados para que se sintam capacitados a exercerem a mesma função de um privilegiado. Por fim, o que choca é que, mesmo sendo um assunto tão importante e relevante para os profissionais da área, a palestra estava praticamente vazia, o que talvez reflita a resistência dos jornalistas em torno da diversificação de vozes.

Peoplestrolgy: um estudo vivo e colaborativo sobre Astrologia

Apesar de estar ocorrendo uma palestra com Regina Casé ao mesmo tempo, a sala estava lotada e o público, super interessado.

André Alves e Lucas Liedke divulgaram, da maneira mais divertida possível, uma pesquisa sobre a atual relação das pessoas com a Astrologia. Eles reconheceram que, em 2016, havia um potencial da “ciência” dos astros enquanto cultura de massa e, por isso, formularam um extenso questionário cujos dados representam tendências sociais globais.

Desse estudo, foram obtidos significados culturais. Dentre os mais reveladores, nota-se a necessidade das gerações contemporâneas em se identificar com certos grupos e se sentir acolhidas; enquanto, ao mesmo tempo, as mesmas pessoas precisam se sentir diferenciadas. Esses processos sociais se refletem na popularidade da Astrologia: têm-se tanto a sensação de pertencimento a um grupo semelhante (mesmo signo), quanto a possibilidade de sentir-se especial, por cada nascimento ser um evento astral único no mundo.

Além disso, a Astrologia contempla o tão buscado autoconhecimento, à medida que permite a identificação com arquétipos. Mesmo assim, também é uma maneira de conhecer o outro, tornando-se um exercício de comunidade.

É baseada nessas dicotomias que a palestra se deu, sempre de modo muito profissional quanto à análise da pesquisa, mas também divertido haja vista as hilárias piadas e tiradas de um dos palestrantes. Mais do que comprovar se Astrologia é real ou não, o importante é reconhecê-la enquanto parte intrínseca de nossos tempos; logo, pesquisas como essa não devem de maneira alguma ter seu valor questionado.

Inovação Política nas ruas e nas redes

A última palestra assistida não poderia ter sido mais certeira e importante. Começou com o relato de Flávia Ribeiro, jornalista, paraense, feminista afro-amazônica e habitante da cidade mais feminicida do Brasil, Ananindeua, no Pará. Narrou um episódio recente, em que presenciou uma pessoa sendo assassinada nas ruas de Belém, onde ela trabalha.  Em tempos do assassinato de Marielle Franco, com voz cansada, mas ainda forte, Flávia define a importância do debate sobre a vida de mulheres negras. Por ser do Pará, ainda, a jornalista incorpora em sua militância a falta de representatividade nortista, afinal, a extensa região do país sofre constante esquecimento. Muito da discussão sobre violência se resume ao Rio de Janeiro, enquanto há índices mais assustadores no Norte e no Nordeste. “A gente tá morrendo”, coloca Flávia.

O clima pesado e angustiante definiu o tom da conversa, que buscava entender o significado de uma “política inovadora” nos dias de hoje. Como conclusão parcial, de acordo com o outro palestrante, Márcio Black, “Não existe política inovadora se não tiver a redução da desigualdade social como alvo”.

Um fator preocupante nessa palestra foi novamente a ausência de público. Não passava de vinte pessoas. Apesar disso, os temas em pauta foram essenciais ao balanço humanista do festival e promoveram reflexões capazes de abrir nossas mentes frente a uma realidade tão oculta e brutal do Brasil.

Feira Gastronômica:

O evento ainda contou com uma feira gastronômica na Praça dos Omaguás. Havia food trucks, sobretudo de hambúrgueres artesanais, o que está de acordo com a tendência gourmet paulistana. Para os amantes de comida mexicana, os nachos com guacamole do La Buena Station eram uma boa pedida, mas talvez muito fortes para um dia corrido de festival.

Os preços estavam aceitáveis em alguns casos mas, em outros, exorbitantes, como nos milkshakes. Por ser um festival aberto, o participante tinha a liberdade de comer em outro lugar, então, comer ali, mesmo com alguns preços altos, era de preferência do consumidor. Apesar disso, as opções de restaurantes ao redor também não eram tão acessíveis.

Hambúrguer com cheddar
Nachos

Terraço/Cobertura

O local mais apropriado para troca de conversas, com banda e dj’s ao fundo, que deixavam um clima descontraído. Venda de drinks e distribuição de cafés da Nescafé com a presença de diversas marcas como patrocinadores, seguindo a linha de referência do Path: inovação!

Nescafé gelado e saboroso sendo distribuído gratuitamente.

Batekoo

M-e-l-h-o-r jeito possível de encerrar esse eventão. Muito pancadão dos anos 2000, pop clássico e atual, compilado de hits da Beyoncé construíram o fervo no Largo da Batata. Por ser uma parte gratuita do festival, vieram pessoas de fora que diversificaram ainda mais o público, fechando o final de semana com muita energia e calor humano no frio que estava na cidade. DJs conscientes das vontades da galera, drags no palco e dançarinos muito habilidosos garantiram a perfeita chave de ouro ao Path.

O Path pode sim ser inovador, as palestras são enriquecedoras com profissionais capacitados e de ideologias revolucionárias. Colocando, em sua maioria, a ética em primeiro plano, preocupados com causas sociais. Um ambiente organizado e de boa estrutura. O problema é que, partindo da premissa de ser um evento para todos, os preços são inacessíveis para a camada popular. E os assuntos debatidos deveriam chegar nessas pessoas de maneira mais direta.

Os presentes, em sua maioria, estão em uma posição de privilégio e podem usar desses ensinamentos para exercer uma melhor cidadania e levar mais conscientização e manter o assunto ativo. Apesar disso, a equipe deve trabalhar melhores maneiras para alcançar e atingir um público que muitas vezes tem interesse em assuntos assim, mas não tem condições de pagar (mesmo sendo um investimento) até mesmo para alcançar pessoas da periferia que querem empreender.

Para quem gosta desse tipo de festival e procura inovação, é muito válido investir em um evento como esse. Quem não se interessa tanto, mas tiver a possibilidade e disponibilidade, é relevante conhecer, porque o PATH tem uma capacidade muito grande de surpreender e impactar, fazendo os presentes saírem do local mais inspirados e esperançosos. Espera-se que ao longo das edições, um evento tão rico de possibilidades seja mais acessível, com o fito de alcançar um público ainda mais plural.

Por Daniel Terra e Raul Garcia
danielterra@usp.br | raulgarcia@usp.br

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