Estrelado pelo ator James Dean, o filme Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955), de Nicholas Ray, tornou-se um importante retrato social do conflito geracional entre adolescentes e seus pais durante os anos 1950. Com suas jaquetas de couro e cigarros entre os dedos, os jovens — como os personagens Jim, Judy e Platão — ansiavam por uma vida com mais emoção, longe das “caretices” dos mais velhos. Enquanto seus pais ainda valsavam na sala de estar ao som de Frank Sinatra, eles descobriram um novo ritmo em ascensão, um ritmo dançante, com letras ousadas e que incorporava perfeitamente seus valores: o rock‘n’roll.
Os primórdios do rock se deram nos Estados Unidos, durante o final da década de 1940 e início dos anos 1950, em um momento de intensa segregação racial. As acentuadas desigualdades social e civil entre estadunidenses brancos e negros eram escancaradas nos espaços e estabelecimentos públicos, separados em áreas reservadas para cada etnia. A respeito disso, o jornalista e crítico musical Ricardo Alexandre comenta que os estados americanos onde o rock surgiu são os mesmos em que as políticas racistas eram mais presentes, o que evidencia a relação entre o gênero musical e a luta contra essas discriminações.
Além da questão racial, a história do rock também está atrelada ao ganho de reconhecimento de sujeitos até então menosprezados: os jovens. Antes obrigados a trabalharem com seus pais e a seguirem um engessado modo de vida, na época, com a prosperidade econômica dos EUA pós-Segunda Guerra Mundial, esses indivíduos passaram a ser um importante mercado consumidor e os principais responsáveis pela disseminação do rock ‘n’ roll. O inconformismo da nova geração combinou perfeitamente com o novo ritmo, que desde sua origem teve a capacidade de reunir uma diversidade de sujeitos, estilos, modas e valores. Posteriormente se desmembrou em inúmeras vertentes, como rockabilly, heavy metal, hardcore e punk rock. “O que abriu o rock para as misturas foi a cultura em torno dele. O fato de ele ser uma mistura de ritmos descende dessa ‘cultura da mistura'”, afirma Ricardo Alexandre.
De fato, o gênero foi resultado da fusão de outros três principais: o country, que combinava violões, banjos e violinos para retratar a vida da classe trabalhadora norte-americana; o blues, cujos acordes tristes vinham dos violões e gaitas tocados por escravizados nas plantações de algodão; e o gospel, com seus pianos, corais e palmas que embalavam as igrejas no sul dos EUA. Esses dois últimos foram essencialmente dominados por negros. Mas o rock ainda não tinha um protagonista, então quem assumiria o posto?
Após a trágica morte de James Dean em um acidente de carro aos 24 anos, o público jovem norte-americano se viu desfalcado de um símbolo de rebeldia, um porta-voz de seus valores e indignações. Mas não por muito tempo. Logo, um cantor do Tennessee ocuparia ambos os postos vagos.
O protagonismo
Elvis Presley foi descoberto por Sam Phillips, um produtor musical, fundador da Sun Records. Na época, o jovem a procurou com o único intuito de gravar duas músicas para presentear sua mãe, e chamou imediatamente a atenção do produtor, a quem é atribuída a controversa frase: “Se eu achasse um branco que pudesse cantar e tocar como um negro, eu ganharia um milhão de dólares”. Não demorou muito para Elvis se tornar a aposta da gravadora. “Ele tinha a embalagem certa. Ele era quem melhor reunia todos os requisitos para ser uma espécie de novo Frank Sinatra”, afirma Ricardo Alexandre.
Para Luiz Felipe Carneiro, jornalista e apresentador do canal Alta Fidelidade no YouTube, apesar de artistas como Little Richard e Chuck Berry já terem inovado na época, Elvis ganhou espaço por ser um modelo que servia à indústria musical: branco, “bom-moço”, serviu ao exército estadunidense e, até então, era livre de polêmicas.
Ainda assim, são inegáveis o talento e a presença marcante de Elvis Presley. A combinação da voz ora jovial e rasgada em músicas como Jailhouse Rock e Hound Dog, ora madura e envolvente como em Love Me Tender, com a sensualidade e leveza naturais em sua presença nos palcos eternizou o cantor como o maior expoente do rock ‘n’ roll. “Até hoje é possível ver a influência do Elvis. Tem um vídeo do Cazuza, de 84, cantando Subproduto do Rock e dançando igual ao Elvis. O Bono, no palco, tem muito do Elvis, o Elton John tem muito do Elvis”, afirma Luiz Felipe.
O cantor, no entanto, reconheceu o pioneirismo dos artistas que o antecederam em diversas ocasiões, como em uma entrevista realizada em 1957 para a revista Jets em que comentou: “Muitas pessoas parecem acreditar que eu comecei esse negócio. Mas o rock‘n’roll estava aqui bem antes de eu chegar. Ninguém pode cantar essa música da mesma forma que pessoas negras”.
Apesar de Elvis Presley estar consolidado no imaginário social como a maior referência do gênero, é de extrema importância dar os merecidos créditos àqueles que quebraram espessas barreiras e foram os verdadeiros pais e mães do rock‘n’roll, àqueles que se apoderaram da música como instrumento de transformação social.
Arthur “Big Boy” Crudup
Considerado por alguns como o pai do rock and roll, até mesmo o próprio Elvis reconheceu sua importância para o gênero, afirmando que ambicionou ser tão bom quanto Arthur Crudup.
O cantor de blues nasceu no Mississippi, mas durante os anos 1940 mudou-se para Chicago, onde assinou com a gravadora Bluebird e lançou faixas como So Glad You’re Mine, My Baby Left Me e That’s All Right. Esta última foi regravada por Elvis Presley e obteve um sucesso muito maior do que a versão original . Já nos anos 1950, por conta de disputas por royalties, Arthur deixou de gravar suas músicas com a Bluebird e, após uma pausa de dois anos, assinou com outras gravadoras. O livro Rockin’ In Time (1987) do autor David Szatmary apresenta uma declaração feita pelo cantor na época: “Eu percebi que eu estava deixando todos ricos, enquanto eu continuava pobre”.
Sister Rosetta Tharpe
Frequentemente referenciada como a madrinha do rock and roll, Rosetta combinava a emoção transmitida pela sua voz com seu estilo único de tocar guitarra – representação perfeita da união entre o gospel e o blues. Influenciou grandes artistas, como Elvis Presley, B.B. King e Bob Dylan.
Seus pais, ambos colhedores de algodão e cantores, tiveram grande influência musical na filha. Sua mãe era pastora na Igreja de Deus em Cristo, que encorajava mulheres a pregarem e a se expressarem musicalmente, e foi responsável por iniciar Rosetta na música gospel. Durante anos as duas cantaram juntas, até que se mudaram de Chicago para Nova York, em 1938, e Rosetta assinou com a Decca Records.
Dentre seus maiores sucessos estão Strange Things Happening Every Day, Rock Me e Up Above My Head, que fizeram dela a primeira artista gospel bem-sucedida nos Estados Unidos.
Fats Domino
Um dos mais bem-sucedidos de sua época, Antoine Domino e seu estilo musical baseado no R&B tradicional serviram de inspiração para Elvis, John Lennon e Paul McCartney.
Nascido em Nova Orleans, em Louisiana, aprendeu a tocar piano com seu cunhado e desde os 14 anos já se apresentava em bares. Domino frequentou a Universidade Howard, mas a abandonou para ser ajudante de um entregador de gelo. Em 1949, assinou com a Imperial Records e logo atingiu enorme sucesso com sua música The Fat Man, considerada a primeira música de rock a vender mais de um milhão de cópias.
Antoine chegou ao cenário mainstream com Ain’t That a Shame, que estreou em 14º lugar na parada da Billboard Pop Singles. A canção posteriormente ganhou uma versão de Pat Boone – cantor branco –, que atingiu a primeira colocação, e Blueberry Hill, que vendeu mais de cinco milhões de cópias e se tornou seu maior sucesso.
Chuck Berry
Chamado por Bob Dylan de “Shakespeare do Rock‘n’Roll”, Chuck Berry foi responsável por consolidar não apenas o estilo musical, mas também a atitude que acompanhou o gênero, servindo como modelo para os artistas que o sucederam. “Alguém que foi a matriz dos Beatles, dos Rolling Stones e dos Beach Boys não é pouca coisa”, reitera Ricardo Alexandre.
Nascido em St. Louis, Missouri, em uma região de classe média, Charles Berry se dedicou à música desde cedo, fazendo sua primeira apresentação na escola em que estudava durante o ensino médio. Chegou a trabalhar em montadoras de automóveis e como zelador do prédio em que ele e sua esposa moravam. Depois disso, passou alguns anos se apresentando com bandas locais, até viajar para Chicago, em 1955, e assinar com a Chess Records.
Suas músicas fizeram estrondoso sucesso, como Johnny B. Goode, Roll Over Beethoven e Sweet Little Sixteen, que ganharam covers de artistas como os Beatles, Jimi Hendrix e os Beach Boys.
Little Richard
“O Inovador, o Originador, o Arquiteto do Rock and Roll” foi um dos maiores expoentes do gênero, responsável pelo significativo feito de unir estadunidenses negros e brancos em seus shows, durante um período em que a luta pelos direitos civis de pessoas negras ainda ocorria. Foi idolatrado por Paul McCartney e Bob Dylan.
Vindo de uma família religiosa do estado de Georgia, Richard Penniman foi expulso de casa durante a adolescência por ser “exuberante demais”. A partir de então deu início a sua carreira musical longe do gospel, abraçando o R&B e o rock em ascensão. Logo atingiu grande sucesso com o lançamento de Tutti Frutti em 1955, considerada um marco na história do rock. Outras canções como Good Golly Miss Molly e Ooh My Soul foram igualmente bem-sucedidas, trazendo a sensualidade e exuberância do cantor paralelamente ao período em que ele buscou uma reaproximação com a religião. Após achar que tinha recebido um sinal divino durante um vôo, abandonou o rock por alguns anos e voltou ao gospel.
Gay, pastor, usuário de drogas. Little Richard foi um artista de contraste tão evidente quanto o obtido ao comparar o rock‘n’roll antes e depois dele.
O legado
Não há uma afirmação definitiva que aponte quem originou o rock. As contribuições desses e de outros artistas foram essenciais para o nascimento e amadurecimento do gênero. Porém, as contribuições de artistas brancos parecem ocupar maior destaque no imaginário social, revelando o poder de uma racista indústria da música de moldar memórias e fabricar ídolos.
Bo Diddley, Jackie Brenston, Big Joe Turner, Jimmy Preston e tantos outros artistas negros que impactaram diretamente o ramo musical não podem cair no esquecimento. É função de uma sociedade que visa ser igualitária preservar a memória e os ensinamentos daqueles que por tanto tempo tiveram suas identidades negadas e seus legados velados.
Enfim, o Elvis era ou não Racista!?
Vejam abaixo a letra do Grupo Public nemy, em Fight the Power!
Elvis era um herói para a maioria
Mas nunca significou merda nenhuma pra mim
Perceba o racista que aquele otário era
Simples e claro
Ele e John Wayne são filhos da puta
Porque eu sou negro e tenho orgulho
Estou pronto, atualizado e empolgado
A maioria dos meus heróis não aparecem em selos
Experimente olhar pra trás e verá
Nada além de caipiras por 400 anos?
Não se preocupe, seja feliz?
Original:
Elvis was a hero to most
But he never meant shit to me you see
Straight up racist that sucker was
Simple and plain
Mother fuck him and John Wayne
Cause I’m Black and I’m proud
I’m ready and hyped plus I’m amped
Most of my heroes don’t appear on no stamps
Sample a look back you look and find
Nothing but rednecks for 400 years if you check
Don’t worry be happy
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É sempre assim. Os brancos se apoderando da cultura alheia. O inigualável e maior guitarrista do rock de todos os tempos Jimi Hendrix humilhou o branquelo Eric Clapton ao se apresentar a ele e no entanto o chamam de deus. Não sei como ainda não o chamaram de Rei do Blues. B.B. King ao gravar um trabalho com ele, deixou claro que o blues é negro. Só quem viveu o que os negros viveram no sul dos Estados Unidos sabem que o Blues, o Jazz e o Rock’N’Roll são “coisas” de negros.
Sempre a mesma babaquice: Elvis tomou o espaço dos pretos. Quem têm talento não é ofuscado por ninguém. Elvis buscou seu sonho, seu espaço! Foi um menino pobre e não desistiu de mudar a sua vida miserável e a de seus pais. O resto é História ! Longa Vida Ao Rei!