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Estádio: Um espaço de intimidação?

Por André Romani O espaço estádio de futebol não é democrático. Aliás, o próprio esporte é carregado de preconceitos. Os cantos,machistas e homofóbicos e os próprios apelidos de alguns times já demonstram isso, mesmo que sejam levados como brincadeira. Devido a esses fatores, apesar de ter um público muito heterogêneo, apenas uma minoria homogênea ー homens …

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Por André Romani

O espaço estádio de futebol não é democrático. Aliás, o próprio esporte é carregado de preconceitos. Os cantos,machistas e homofóbicos e os próprios apelidos de alguns times já demonstram isso, mesmo que sejam levados como brincadeira. Devido a esses fatores, apesar de ter um público muito heterogêneo, apenas uma minoria homogênea ー homens héteros ー frequenta as arquibancadas. Assim, no espaço de resistência que se cria, e cada um de seu modo, surgem torcidas e coletivos alternativos a esse público maior, como os femininos e os LGBT, que lutam por um espaço dentro do meio futebolístico. Ainda aparecem, também, torcedores que juntam várias dessas frentes, politizando o esporte: as torcidas anti-fascistas. Através de relatos de representantes dessas torcidas sobre diversos assuntos,  escancara-se todo o conservadorismo do futebol.

Em meio ao medo ou receio de frequentar os estádios, as páginas de torcidas e coletivos na internet vêm crescendo e se multiplicando. Letícia Heinzelmann, 34,  jornalista e uma das administradoras da página do coletivo de torcedores do Internacional, Queerlorado, comenta a importância desses novos meios, e a própria função da página, que de acordo com ela ‘”é ser um lugar de debate e conscientização’’. Além disso, o perfil da torcida nas redes sociais, que tem mais de 3 mil curtidas, além de postar notícias sobre o desempenho diário do Inter, também compartilha informações sobre o preconceito existente, não só no futebol, mas em diversos esportes.”Levar informação a tanta gente interessada já é um marco no que se refere a um ambiente tão machista quanto o futebol’’, completa Letícia.

Imagem: Reprodução. Escudo do coletivo Queerlorado

Já a jornalista e empresária, Joyce Moretti, 32, uma das fundadoras da Torcida Feminina da Savóia, diz que a torcida era um sonho antigo. “Eu, palmeirense desde criança, sempre mantive o desejo e o sonho de reunir as mulheres que gostam de futebol para assistirmos juntas aos jogos, nos apoiarmos nos estádios, nas caravanas e etc’’. A Savóia, que surgiu em meados de 2004 é conhecida por ser uma uniformizada mais tolerante e “família”. Assim, através do antigo Orkut, ela decidiu conhecer a torcida, vendo ali, uma oportunidade interessante de colocar o antigo sonho em prática, como uma Ala dentro da Savóia, visto que, há muita burocracia em torno de criar a própria organizada. “Assim, conversei pessoalmente com o então presidente, Heitor Yamashiro, que prontamente achou uma boa ideia e já anunciou, ali mesmo, o início da Ala Feminina da Savóia, que chamamos de Savóia Feminina”, conta a palmeirense

Porém, temos aqueles que pretendem politizar os estádios. Leonardo, 35, professor de sociologia, e um dos criadores, daquela que é conhecida como a primeira torcida anti-fascista do país, a Ultra Resistência Coral, do Ferroviário/CE, diz que prefere o termo anti-capitalista. De acordo com ele, a torcida, que não tem medo de misturar política e futebol, surgiu através de dois integrantes ー um socialista e um anarquista ー de uma antiga uniformizada tradicional do clube. “Ao presenciar a maneira da torcida tradicional se portar no estádio, com cantos machistas, homofóbicos, que pregavam o ódio à torcida adversária, eles tiveram a ideia de construir uma que fosse diferente, uma torcida que tivesse outros moldes”, conta o professor.

Imagem: reprodução. Faixa da Torcida Resistência Coral

Machismo e LGBTfobia nos Estádios

O estádio é um espaço extremamente intimidador para o público feminino, reflexo de uma sociedade machista que se apresenta, também, no meio futebolístico.  As torcedoras enfrentam assédio, piadas e rótulos. Joyce conta que no começo, os homens achavam que as mulheres que frequentavam os estádios, queriam, na verdade, “caçar macho”, ou eram lésbicas.”Eles não assimilavam que uma mulher podia apenas gostar e entender de futebol e, se fosse feminina então, aí que o cérebro deles dava um nó”, conta ela. A palmeirense complementa dizendo que cantadas e outros assédios eram situações extremamente comuns. “Os caras se achavam no direito de dar aquelas cantadas sem graça, de tentar nos apalpar”. Elas tinham que conviver, também, com constantes questionamentos através de perguntas sobre o esporte na tentativa de diminuí-las, como se fossem “menos torcedoras”. “Eles ficavam o tempo todo questionando o nosso conhecimento, perguntando sobre jogadores do passado, campeonatos conquistados e, até, regras táticas. Quem nunca ouviu um “mas você sabe o que é impedimento? Então explica” ?”

Letícia concorda e acrescenta, “em geral, as mulheres se preocupam em se cobrir para ir ao estádio, pois ainda é um ambiente masculino muito intimidador. Nunca fui agredida, mas a gente sente os olhares e percebe a objetificação da mulher, especialmente se ela estiver acompanhada”.

Em 2013, a Gaivotas Fiéis tentou colorir o Pacaembu com a tentativa de criação de uma torcida organizada gay para o bando de loucos. Porém, a ideia não saiu do papel devido a sua impopularidade com os torcedores alvinegros. Muitos anos antes, em meio a ditadura, a Coligay, torcida gay do Grêmio e a  primeira do estilo no país, invadia as arquibancadas. A jornalista colorada conta que a Queerlorado já tentou fazer o mesmo, mas parou na intolerância. “Tentamos até articular com membros da direção do clube a garantia de segurança para abrir uma bandeira de arco-íris na arquibancada do Beira-Rio. Mas a bandeira nem chegou a entrar no estádio, foi tomada por outros torcedores na rua, em atitude bastante intimidatória”.

Joyce também vê o caminho da diversidade sexual nas arquibancadas mais árduo. “Há, com frequência, “brincadeiras” e provocações que envolvem a sexualidade. Em São Paulo, por exemplo, os torcedores são-paulinos são chamados de bambis. Recentemente vazou um vídeo de um torcedor do Corinthians com outro homem, e a repercussão foi tanta que ficamos sabendo que a organizada deles expulsou o cara. Ainda é um longo caminho a ser percorrido”.

Mídia espalhando preconceito

Seja reforçando estereótipos, na forma como aborda certos assuntos, ou  por simplesmente omitir outros, o fato é que a mídia acaba sendo, muitas vezes, a voz de diversos preconceitos. E quando falamos do jornalismo esportivo não é diferente. Para Letícia, a omissão jornalística a certas atitudes homofóbicas que ocorrem nos estádios exemplificam esse fato, passando a impressão de que não há nada de errado acontecendo. “Abordar homossexualidade e transexualidade ainda é um tabu. Mesmo enquanto a arquibancada grita “bicha” em coro, os narradores não comentam, não rechaçam. Não é criado um ambiente de educação e aceitação entre os torcedores para que um dia um jogador possa sair do armário sem medo de violência”. A jornalista complementa dizendo que há uma constante objetificação da mulher nos veículos de comunicação. “A cobertura jornalística reforça o machismo cotidianamente. Das galerias de esportistas e mulheres de jogadores mais bonitas, passando pelo pouco destaque de modalidades femininas até a promoção de concursos de musas do futebol”.

A torcedora palmeirense concorda e conta como a ala que ajudou a criar já sofreu com atitudes parecidas. “A Savóia Feminina foi uma vez tema central de uma matéria do jornal esportivo “Lance!”. Estivemos na capa junto com o Edmundo. Sabe qual era a chamada da capa? “As panteras e o animal” O termo panteras foi usado para dar a sensualidade das personagens do filme “As Panteras”. Por que não as guerreiras? Por que não simplesmente as mulheres?”, questiona a torcedora.

Capa do Lance!: As Panteras e o Animal

 

     Torcidas Organizadas Tradicionais

Estando envolvidas em brigas dentro e fora dos estádios brasileiros, as torcidas organizadas também são conhecidas por serem as porta vozes do conservadorismo no meio futebolístico. Exemplos não faltam. Em 2013, membros da Gaviões da Fiel, protestaram em frente ao clube, após uma foto do jogador Emerson Sheik dando um selinho em um amigo. O jogador Rycharlison, por boatos que o colocavam como homosexual, viu a principal organizada do tricolor paulista quebrar uma tradição, e não cantar seu nome antes dos jogos. ‘’Acho que elas desempenham um papel importantíssimo no futebol, de tornar o espetáculo futebolístico mais bonito, de apoiar o clube, demonstrando um amor incondicional ao time para qual torcem’’, como acrescenta Leonardo, essas entidades, que são conhecidas por fazer grandes festas nos estádios, criam a antipatia e empatia de muitos.

Ao contrário do que alguns propõem, o criador da primeira torcida anti-fascista do país crava: “Nós somos totalmente contra o fim dessas entidades”. Já Letícia coloca a culpa de diversas atitudes preconceituosas, também, no torcedor comum, e nos próprios clubes. “O preconceito nas arquibancadas está além das organizadas. Falta os clubes enxergarem que não têm apenas torcedores machistas e homofóbicos. Existe uma gama muito grande de mulheres, gays, lésbicas, trans que vão ao estádio”.

Perspectivas Futuras: O preconceito acabará?

Há, portanto, um crescimento nas torcidas e coletivos que buscam diversificar as arquibancadas brasileiras, mas que, por enquanto, ainda tem maior domínio nas redes sociais do que no cimento dos estádios. Leonardo admite que tirar a ideia do mundo virtual é a parte mais difícil do processo, e aconselha, “não desistam, batalhem, procurem colocar logo em prática com a presença física nos jogos, por menor que seja a quantidade de membros’’. Letícia coloca que a mudança está nas mãos dos clubes que precisam discutir essas questões mais comumente e de forma mais aberta, e da imprensa que deveria tratar esses assuntos com mais seriedade. “Costumo dizer que o estádio não está localizado à parte da sociedade, mas está inserido nela. Então, não vale aquele argumento de “não sou homofóbico, mas futebol não é lugar de bicha”. Hoje, infelizmente, acho que o fim da homofobia no estádio está longe. É uma luta pelo fim da violência’’.

Joyce, no entanto, coloca o papel da mudança em cada um de nós, “enquanto as pessoas não mudarem e não plantarem em seus filhos esse novo pensamento, as coisas tendem a ser repetidas, inclusive os erros. Deveríamos começar assim: parando de pressionar os homossexuais, condição financeira, cor e credo”. Aos poucos, já estão ocorrendo transformações. Recentemente a Mancha Verde baniu o grito de “bicha”. Em outro caso, a torcida do Paysandu pediu desculpas por atos homofóbicos. O torcedor do Ferroviário conta que torcedores comuns muitas vezes chamaram a torcida para perto deles nas arquibancadas e, como sabiam de seu lado politizado, deixavam de cantar músicas preconceituosas para manter a Ultra Resistência Coral próxima. Já a torcedora palmeirense, explica que “no estádio, prefiro não cantar as músicas que provocam pela orientação sexual ou que soem preconceituosas de alguma maneira’’ atitude que, com certeza, apesar de não ser suficiente, ajuda a transformar os estádios brasileiros em espaços mais diversos.

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