A câmera percorre um campo de futebol e direciona-se à clássica arquibancada de filmes adolescentes, sobre a qual há um casal sentado. Um atleta diz à líder de torcida: “Ashley, eu te amo tanto que me assusta”, e a beija. O percurso do foco, no entanto, não para. A leve música ao som do violão é substituída pela guitarra abrupta de Runnin’ With The Devil, de Van Halen, para revelar, por debaixo dos assentos, a turma de deslocados reunida, discutindo camisetas de rock e igrejas. Ao seu lado, três meninos são caçoados por conta de suas imitações do comediante Bill Murray. Assim começa a série Freaks and Geeks (1999-2000) — claramente avessa à fantasia estadunidense de reis e rainhas do baile.
O seriado acompanha dois irmãos, cada qual protagonista do devido núcleo. Lindsay Weir (Linda Cardellini) é uma estudante exemplar determinada a quebrar os moldes aos quais está habituada e se tornar parte do grupo de rebeldes sem causa. Já seu irmão mais novo, Sam (John Francis Daley), faz parte dos geeks, que se dedicam à jogatinas de RPG, à ficção científica e à imaginação de relacionamentos que estão longe da concretude.
É contraintuitivo, então, que cada episódio começasse acompanhado pelo desprezo a rótulos que Joan Jett vocifera em Bad Reputation, mas era exatamente isso o que ocorria. Freaks and Geeks brincava com seu título e se tratava de um verdadeiro coming-of-age (gênero narrativo sobre amadurecimento) que se deliciava na mundanidade das vidas de tais adolescentes. A premissa compreendia o exagero natural a experiências limitadas ao mundo de um colégio, assim como reais fardos. Apresentavam-se conflitos de todos os envolvidos: imaturidade, propensão ao erro, fanatismos culturais, problemas familiares e, sobretudo, a insegurança na antecipação de uma vida ainda a ser vivida — sem nunca ridicularizá-los ou defini-los segundo visão externa.
Torna-se fácil simpatizar com os personagens e acompanhá-los em suas descobertas e decepções. A série faz com que seja devastador o momento em que Sam descobre já ser considerado velho demais para buscar doces no Halloween, assim como torna extasiante o baile que encerra o episódio piloto ao som de Come Sail Away. É esse poder do brilhante roteiro que torna todos os episódios particularmente engraçados e cativantes, também impulsionados pela entrega e timing cômico do espetacular elenco.
A narrativa humana, talvez não reluzente o suficiente para captar atenção de telespectadores em sua época, compõe um panorama extremamente referenciável e atemporal. Cada um dos 18 episódios atinge novos impactos e arrebata o público com a efetividade de uma sequência de excelentes filmes, amarrados por uma sensacional trilha e ambientação oitentista, que precedeu a exacerbada nostalgia atual de séries como Stranger Things (2016-Presente).
O seriado é excelência televisiva enfim imortalizada e justiçada pelo registro após o precoce cancelamento pela rede NBC. O fim abrupto, no entanto, não é totalmente carente de significação. Freaks and Geeks foi divertida, cativante e fugaz. Seus conflitos não foram todos resolvidos. A conclusão anseia por respostas e estimula a antecipação. É, portanto — do jeito que apenas uma série poderia ser — análoga a esse período na vida de um indivíduo, e tão marcante quanto.