A tradução livre para o título dessa comédia seria “Indestrutível Kimmy Schmidt”. E assim é Kimmy: indestrutível. Sequestrada por um fanático religioso, ela fica 15 anos presa em um abrigo subterrâneo junto a outras três mulheres. O raptor, com base em uma versão peculiar da Bíblia que conhecemos, afirma que está apenas protegendo as moças, pois o mundo lá fora havia acabado. É a partir desse contexto nada engraçado que a série começa. A primeira cena se inicia quando uma operação da SWAT interrompe uma comemoração natalina fora de hora das mulheres no abrigo e as liberta. O momento em que elas pisam do lado de fora se torna a abertura da sitcom.
Abertura da série
Tina Fey e Robert Carlock, os criadores da série, conseguiram transformar um tema sobre o qual fazer piadas poderia ser realmente algo de mau gosto em base para uma série descontraída, carregada de um humor subversivo que nos faz rir a cada episódio. Depois de libertadas, as quatro mulheres são apelidadas de “as mulheres toupeira de Indiana” e recebem a chance de retornar a Indiana, seu estado natal, para retomar suas vidas. Kimmy, otimista, sorridente, e decidida a superar seu passado, escolhe ficar em Nova Iorque e começar uma nova vida. É aí que entra o “humor subversivo”.
Com o dinheiro do “fundo para as mulheres toupeira”, Kimmy parte em busca de um apartamento e o encontra nos subúrbios da cidade. A proprietária do local é uma senhora hilária que praticamente implora para que Kimmy aceite morar no apartamento junto ao atual inquilino, que não paga o aluguel. Esse inquilino é Titus, um negro gay aspirante a celebridade que desconfia da ingenuidade de sua nova colega de quarto e, ao descobrir que ela é uma das mulheres toupeira, pede para que ela vá embora, pois ela não poderia sobreviver a Nova Iorque. Em resposta, a protagonista afirma que a pior coisa que já aconteceu a ela aconteceu em seu próprio quintal, e, ainda com o intuito de encorajar Titus a seguir seus sonhos, conclui o primeiro episódio com uma das melhores falas da temporada: “Nós somos diferentes. Nós somos os fortes! E vocês não podem nos destruir!”
Ao hall de minorias indestrutíveis ainda soma-se Dong, um imigrante vietnamita sempre pronto para deslegitimar, através do humor, o american way of life, afirmando sem pudor para vários estadunidenses ouvirem que os Estado Unidos perderam a guerra do Vietnã, por exemplo. É verdade que às vezes as piadas sem sentido tomam conta do episódio e podem até nos levar a fazer algumas caretas, ou que grande parte das piadas parecem ter sido feitas para novaiorquinos apenas, pois se o telespectador não possui uma carga anterior concedida por séries ambientadas em Nova Iorque como Friends, fica difícil rir do humor sobre o bairro de Chinatown. Mas, para compensar, somos agraciados com várias doses de um humor ácido que nos faz dar gargalhadas da cara do patriarcado e da heteronormatividade, ou do ridículo que é o preconceito escrachado nas atitudes estereotipadas de Jacqueline Voorhees – chefe milionária de Kimmy que a contrata para basicamente fazer tudo em sua mansão de oito banheiros.
Foi com essa receita que Tina Fey transformou um tema delicado, sobre a possibilidade de reconstruir uma vida depois de um trauma, em uma comédia de sucesso que foi indicada a sete Emmy’s, e nos mostrou, em um 2015 polêmico, que podemos superar nossos problemas e rir daqueles que causam problemas quando se recusam a perceber que sim, somos diferentes, mas agora nós somos os fortes e eles não podem mais nos calar, tampouco nos destruir. E para a alegria dos fãs, toda essa galera diferente e indestrutível retorna ao Netflix em uma segunda temporada no dia 15 de abril, com uma terceira temporada já confirmada.
https://www.youtube.com/watch?v=ZBJHP2B4bjc
Preview da segunda temporada
Por André Calderolli
andre.calderolli@gmail.com